Edição 347 | 18 Outubro 2010

Ricci, um precursor da globalização?

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Márcia Junges | Tradução Benno Dischinger

 

IHU On-Line - Como e quando é organizada a mostra Matteo Ricci, encontro de civilizações na China dos Ming? O que de fundamental e será debatido neste evento?

Filippo Mignini - A mostra pretende reconstruir, como declara o título, o encontro global de civilizações realizado por Ricci e por seus companheiros, junto a um grupo considerável de intelectuais chineses, ente 1582, ano de sua chegada a Macau e 1610, ano de sua morte em Pequim. Entre estes quatro limites temporais, a exposição reconstrói, na primeira parte, os documentos relativos aos principais aspectos da civilização ocidental introduzidos por Ricci na China; na segunda, articulando a narração nas seis etapas da viagem realizada de Macau a Pequim, expõe os principais aspectos da civilização chinesa com os quais Ricci se mensurou e aqueles aspectos da cultura europeia que efetivamente foram acolhidos, traduzidos e assimilados pela sociedade e pela cultura chinesa. Embora idêntica em sua implantação e no núcleo principal das obras, a mostra sofrerá variações em relação aos diversos espaços expositivos que a acolherão e à apresentação de algumas obras específicas que cada museu hóspede poderá acrescentar. Tais variações já estão previstas no Catálogo em três línguas da mostra.

Em segundo lugar, a mostra pretende sublinhar que aquela extraordinária comunicação de civilizações foi tornada possível pela qualidade intelectual e moral dos letrados ocidentais e chineses que a realizaram. Na segunda secção é reservada particular atenção à reconstrução da civilização dos letrados chineses, comunidade na qual Ricci foi acolhido com pleno título como “confucionista ocidental”. Daqui deriva a atenção aos temas e problemas da língua e da escrita, a partir já da etapa de Macau, para prosseguir com a ilustração das principais atividades dos literatos; do estudo dos clássicos confucianos à caligrafia e à pintura, à música, à poesia e à coleção de objetos antigos. Em cada uma das etapas, como também no catálogo, quisemos recordar os principais letrados chineses que Ricci conhecera e com os quais havia colaborado.
A mostra foi realizada, está se realizando e será realizada nos seguintes lugares e períodos:
— Pequim, Capital Museum: 6 de fevereiro – 20 de março de 2010.
— Xangai, Shanghai Museum: 2 de abril – 23 de maio de 2010.
— Nanquim, Nanjing Provincial Museum: 4 de junho – 25 de julho de 2010.
— Macau, Macao Museum of arts: 7 de agosto – 31 de outubro de 2010.
Foram produzidos dois catálogos, aos cuidados de F. Mignini: um em três volumes paralelos em língua italiana, chinesa e inglesa, para as mostras de Pequim, Xangai e Nanquim; e outro em quatro línguas (italiano, chinês, português e inglês) para a mostra de Macau.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum aspecto não abordado nas perguntas?

Filippo Mignini - Na comunicação intercultural realizada por Ricci, a dimensão fundadora da amizade assinala uma evidente conotação política, tendo ela como objetivo primário a constituição de uma sociedade comum de todos os homens. Este resultado tem sido possível por uma singular coincidência que se verificou nos anos da atividade de Ricci na China entre a concepção da amizade clássico-pagã e a cristã-inaciana da qual ele era portador, com a noção de amizade própria dos interlocutores confucionistas. Nos escritos do fundador da Companhia de Jesus o termo “amizade”, embora presente, é absorvido e, por assim dizer, sublimado no termo “caridade”. Com esta palavra se entende a precisa vontade de servir Deus e, consequentemente, o próximo em nome e em virtude do serviço de Deus. Tal concepção da caridade coincide, com poucas variantes, com aquela exposta nos clássicos confucianos: circunstância esta não indiferente na avaliação e valoração da experiência ricciana na China.
Se, de fato, nos limitamos a substituir o termo “Deus” com o de “Céu”, ou de “Senhor do Céu”, como Ricci o fez, a conformidade das duas doutrinas é substancial e quase completa. Se, ao invés, como é necessário, considerarmos o Deus cristão e inaciano também à luz da revelação, encontraremos uma diferença radical, mas não tal que modifique o conceito de caridade naquilo que ele tem de essencial. Essencial, em ambas as doutrinas, é que a caridade seja entendida como cuidado de si mesmo e dos outros homens à luz de uma norma que seja expressão de uma ordem harmônica universal. Somente seguindo tal norma e evitando toda mescla de desejos ou fins particulares, se pratica a caridade e se age moralmente. Sobre este ponto Ricci e seus companheiros europeus se encontraram em sintonia com os letrados confucionistas com os quais entravam em contato e desta comunhão de intentos derivou o sucesso extraordinário, embora limitado no tempo, do primeiro encontro entre a civilização chinesa e a europeia.

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