Edição 346 | 04 Outubro 2010

Os guarani e a luta pela terra

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Márcia Junges

 

IHU On-Line - Recuperando aspectos discutidos em outra entrevista à IHU On-Line, os kaiowá guarani continuam sendo a “pedra no sapato” do agronegócio do MS? Por quê?

Egon Heck - Continuam sendo uma “pedra no sapado” do agronegócio porque não se resolve a questão das terras, fundamentalmente. Isso tem gerado uma certa intranquilidade nos investimentos novos e insegurança nos produtores cujas terras incidem sobre o território tradicional desses povos. Além disso, a mentalidade produtivista e desenvolvimentista, baseado no conceito da terra como simples mercadoria e objeto de produção, é questionada pelo modo de vida, relação com a terra e produção dos kaiowá guarani. Estes não querem suas terras de volta para produzir para o sistema, mas para nela reconstruírem seu modo de viver, seu “teko”. Isso é uma enorme pedra no sapato do modo de produção capitalista vigente.

IHU On-Line - O que já avançou em relação à garantia dos direitos desse povo?

Egon Heck - É possível constatar pequenos avanços no processo de reconhecimento de algumas terras, cujos processos de regularização têm dado alguns passos com a publicação de portarias declaratórias, como os recentes casos das Terras Indígenas de Buriti (terena)  e Sombrerito  (kaiowá guarani). Além das contestações na justiça que sofrem essas ações do executivo, existe uma morosidade em concluir o processo de todas as identificações das terras indígenas, previstas no Termo de Ajustamento de Conduta - TAC e tidas como prioridade no cronograma da Funai. O Ministério Público tem entrado na justiça cobrando os prazos estabelecidos no TAC. Os avanços mais significativos se verificam no processo de educação escolar, com um movimento de professores articulado e buscando cobrar, cada vez mais, escolas indígenas diferenciadas e de qualidade, conforme garante a Constituição. A crescente participação dos professores nos processos de luta pelos direitos das comunidades, especialmente da terra, é um desses avanços.

IHU On-Line - Como avalia a política indigenista do governo de esquerda brasileiro?

Egon Heck - A partir da realidade do Mato Grosso do Sul, pode-se dizer que foi uma política de enrolação, com muita conversa, prioridade, mas pouco avanço efetivo na garantia dos direitos, como à terra.  Na acomodação dos interesses dominantes, os direitos indígenas foram para baixo do tapete. O Programa de Aceleração do Crescimento – PAC implicou na gradual remoção dos obstáculos, dentre os quais muitas populações indígenas. As grandes obras avançaram na esteira de um modelo de desenvolvimento que, na prática, nega a existência da pluralidade, com mais de 230 povos indígenas no país. O paradoxo maior talvez tenha sido fazer avançar uma política com discurso de esquerda abrindo o campo para ações de direita. A habilidade no diálogo não significou decisões políticas de avanço na construção de novas relações, de respeito e afirmações das autonomias indígenas em seus territórios. Na prática houve alguns tímidos avanços e vitórias do movimento indígena, como a homologação da Raposa Serra do Sol, a criação da Comissão Nacional de Política Indigenistas (a expectativa era a criação do Conselho), a realização de Conferências, Seminários, Consultas, a reestruturação da Funai, em curso.

IHU On-Line - O que tende a mudar para os índios com o resultado das eleições presidenciais?

Egon Heck - Nas atuais tendências, seja quem for o vitorioso, o quadro para os povos indígenas não é nada animador. O crescimento a qualquer preço será o cenário mais provável. Neste jogo os índios, como moeda de troca, sofrerão graves impactos, especialmente no que se refere a seus territórios e recursos naturais. O tempo de acomodação dos interesses vitoriosos sempre tem significado um angustioso e violento tempo de espera (quarentena) para os povos indígenas. Provavelmente, não será diferente agora.

IHU On-Line - Como a luta dos mapuches, do Chile, se irmana às lutas dos guarani e de outros povos indígenas brasileiros?

Egon Heck - Existe uma crescente consciência de solidariedade entre os povos indígenas no continente bem como dos setores aliados a esta causa. A decisiva luta dos mapuches  por seus direitos, especialmente a recuperação de seus territórios e contra as leis vergonhosas da opressão e criminalização, como a “lei antiterrorista”, traz muito presente a prática colonial de mais de 500 anos, no afã de submeter e erradicar a resistência e direitos indígenas na colônia e depois nos estados nacionais. Nesse aspecto a luta do povo guarani, grande povo, presente em cinco países da América do Sul, também é um permanente questionamento às políticas de negação dos direitos aos povos nativos. É uma luta contra a criminalização, uma luta pelos direitos ao reconhecimento da pluralidade das nações, do reconhecimento das diferenças, de novas e necessárias organizações do poder, baseados nos compreensão de bem-viver dos povos indígenas. Esse processo de descolonização encontra resistência nas elites que sempre se locupletaram com os saques e privilégios. A luta dos mapuche, no Chile, é hoje uma das expressões fortes e duras da luta por direitos e mudanças estruturais profundas em Abya Yala, América, ameríndia.

Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Egon Heck à IHU On-Line:

* Etnocídio no Mato Grosso do Sul. Notícias do Dia 14-12-2009;
* A sobrevivência cultural do povo kaiowá-guarani está em jogo no MS. Notícias do Dia 02-04-2009;
* Não conseguiram destruir nossa raiz. Notícias do Dia 07-02-2008;
* O Holocausto Guarani. Está em curso um processo de genocídio desse povo. Notícias do Dia 18-11-2007.


>> Confira outras edições da IHU On-Line sobre os povos indígenas:

* Os Guarani. Palavra e caminho. Edição número 331, de 31-05-2010;
* Em busca da terra sem males: os territórios indígenas. Edição número 257, de 05-05-2008.

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