Edição 346 | 04 Outubro 2010

''Distribuir renda é uma política inteligente''

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Graziela Wolfart

 

IHU On-Line - O que deveria pautar a discussão sobre a política econômica do próximo governo federal se pensarmos na questão do crescimento econômico do país?

Ladislau Dowbor – Temos alguns eixos centrais. Por exemplo, as infraestruturas constituem um problema, porque nós geramos infraestrutura de transporte em função dos interesses das montadoras e das empreiteiras e não em função de uma matriz adequada de transporte. A matriz de transporte para um país como o Brasil, em que grande parte dos centros econômicos são portuários, ou quase, como São Paulo, é uma matriz que se apóia muito fortemente em transporte fluvial e marítimo, que usa a ferrovia para transporte interno de longas distâncias e que usa o caminhão apenas para carga tracionada em distâncias curtas. Como hoje usamos o caminhão, por exemplo, para levar móveis de Santa Catarina para São Luís do Maranhão, com dois mil quilômetros de viagem, gastando gasolina e o asfalto, os custos do Brasil se elevam. Então, a mudança do enfoque, que já está se dando, pois este governo está recuperando estaleiros navais, inaugurando e contratando trechos ferroviários, é um eixo muito importante para o futuro.

Educação para a gestão do conhecimento

Temos outro eixo extremamente importante, que é a mudança do conceito de educação para a gestão do conhecimento. Isso envolve o acesso de banda larga a todas as escolas, generalizando também o wi-fi [tecnologia de internet sem fio] urbano para todos os municípios do país. Hoje, na economia moderna, o que gera valor é muito menos a matéria-prima e o trabalho físico incorporados e sim o conhecimento que se incorpora no produto. Se comprarmos uma caneta a 10,00 reais, teremos ali, quando muito, 0,50 centavos de matéria-prima e trabalho físico. Quase todo o valor dessa caneta é em função do design, da pesquisa, de novos materiais, de tecnologias e tudo o que se chama de intangível no processo. Conforme a sociedade evolui para a sociedade do conhecimento, generalizar o acesso a esse conhecimento é vital. Isso implica escolas muito mais conectadas e sem pedágios, com acesso gratuito a banda larga e isso estendido ao conjunto das cidades, porque permite que o pequeno comerciante, em vez de vender com atravessador que aparece com caminhão, via internet encontre um preço melhor. Toda a sociedade começa a funcionar melhor.

Mecanismos de mercado nos bancos

Outro eixo central é a introdução de mecanismos de mercado no sistema dos bancos brasileiros. Hoje o HSBC cobra aqui no Brasil 67% numa linha de crédito e essa mesma linha de crédito em Londres, no mesmo HSBC, está a 6%. Isso é inviável e mostra um sistema financeiro que, em vez de fomentar atividades econômicas, capta recursos, joga na dívida pública para ganhar dinheiro com a taxa Selic, sem produzir de maneira adequada. A produção no setor bancário, em termos de ação financeira, é legítima quando financia, por exemplo, uma empresa e essa empresa dará lucros; com o lucro a empresa vai devolver o empréstimo ao banco, mas está fomentando a atividade, empregos, etc. O sistema financeiro que se desloca para a especulação financeira, está perdendo seu rumo e perdendo a função que está prevista na Constituição. O resgate dos mecanismos de mercado é vital.

Transporte

Temos outras linhas. Eu mencionaria uma que me parece essencial: por que temos uma cidade como São Paulo, que tem hoje 6,8 milhões de carros andando a 14 quilômetros por hora, na média, portanto com velocidade de carroças, se transformando em uma cidade que se paralisa por excesso de meios de transporte? Simplesmente porque não foi feito investimento em transporte coletivo. Uma cidade grande se faz com metrô, corredores de ônibus. Por que essas decisões tão erradas foram tomadas? Porque o processo decisório obedecia aos interesses das montadoras e das empreiteiras que fazem os viadutos etc. Recuperar a capacidade política e um processo decisório democrático é vital. Enquanto houver financiamento corporativo de campanhas, como é o caso no Brasil, teremos deputados e senadores que pertencem a determinados grupos econômicos e que não representam o cidadão. Se olharmos nosso Congresso hoje, veremos a bancada ruralista, que hoje está caminhando para ter direito de desmatar à vontade; a bancada de empreiteira; a bancada da mídia; dos grandes bancos; só não tem bancada do cidadão. Resgatar a dimensão pública do estado é um eixo central. Isso não vai prejudicar ninguém, mas haverá um bom senso em termos de qualidade de vida das populações e não apenas dos negócios dos grupos econômicos, que compram os políticos e depois se lamentam que os mesmos sejam corruptos.

IHU On-Line - Em que medida a questão da sustentabilidade ambiental aparece na estrutura do capitalismo brasileiro atual, principalmente se pensarmos na questão da gestão das águas e da geração de energia?

Ladislau Dowbor – Temos alguns eixos aqui também. A proteção da Amazônia é fundamental para nós porque ela é um capital do Planeta. Temos ameaças particularmente graves na área do cerrado, que não foi protegida, não se gerou uma consciência nacional tão forte como se gerou para a Amazônia. Boa parte da destruição que se dava na Amazônia se transferiu para o cerrado e ele é alvo de uma ofensiva de grandes grupos internacionais, que antes investiam em sistemas especulativos financeiros e que se deram conta que, com a fragilidade do sistema financeiro internacional, é mais sólido investir comprando terras no Brasil. Os recursos usados para isso são dos fundos de pensão que administram. Então, compram milhões de hectares para amanhã especular com essa terra. Esse é um segundo eixo preocupante. O eixo das hidrelétricas, da transposição do Rio São Francisco e da gestão da água é muito importante também. A água doce já é chamada de ouro azul no planeta e precisamos fazer a preservação como se pode. O eixo principal de atividade que nos desafia hoje, curiosamente, não está onde estão os grandes rios, e sim onde estão as metrópoles. São Paulo é uma cidade riquíssima, com uma renda per capita de 29 mil reais e vive cercada de esgotos a céu aberto, o que por sua vez gera imensos gastos com doenças. Esse tipo de resgate da qualidade da água urbana, tornar os rios mais limpos, onde se possa passear de barco, é algo que já está sendo feito em muitas cidades pelo mundo, porque as pessoas já entenderam que rio não é esgoto. Devolver água limpa para um riacho é gerar qualidade de vida, de lazer para população. O problema da transposição do São Francisco ou das hidrelétricas tem que ser visto de maneira menos ideológica e mais caso a caso. Por exemplo, não adianta eu ser contra a transposição do São Francisco  se eu não sei qual é a vazão da água, a jusante, se é sustentável ou não, se eu não sei a quem pertencem as terras para onde está se canalizando a água. Uma das primeiras medidas tomadas foi o congelamento de compra e venda de terras nas regiões que poderão ser abastecidas de água, porque esse governo já sabia o tipo de atividade especulativa de quem tem acesso às plantas, por onde vão passar os canais, que muitas vezes já saem comprando barato para depois revender mais caro. É gente que enche o bolso sem produzir nada. Então, é preciso ter o detalhe dessas atividades, porque em si, distribuir melhor a água do rio São Francisco, sobretudo para pequenos agricultores, é muito positivo. Ou pode ser algo feito de maneira exagerada, só para alimentar uma grande fazenda ligada à Bunge ou à Cargill às custas do rio São Francisco. Na parte de energia, investir no carvão, em termoelétricas, é problema. Mas investir na hidroeletricidade, em princípio, é muito positivo. É energia limpa, renovável, o “papai do céu” traz as nuvens e a chuva, então é coerente, mas sempre respeitando as limitações ambientais, que são diferentes em cada rio, em cada região. Mas tudo isso é hoje tecnicamente superável e avançar na matriz de energia limpa é positivo.

IHU On-Line - Quais as perspectivas socioambientais e econômicas que o senhor aponta para o Brasil no período de 2010 a 2015? Quais os principais limites e as possibilidades que identifica?

Ladislau Dowbor – O Brasil tem a maior reserva de terras agrícolas paradas do Planeta. Isso que o Planeta está precisando cada vez mais não só de alimentos, como de biocombustíveis, de fibras, de produção de ração animal. Então, a agricultura está voltando a ter uma importância central. O Brasil, com essa imensa reserva de solos agrícolas e com imensas reservas de água, está “segurando o picolé pelo palito”. Temos que restringir a compra predatória de solo e a destruição ambiental do cerrado. Tudo isso é o desafio dos próximos anos. No mais, teremos um deslocamento econômico que está se dando progressivamente da Bacia do Atlântico, que é onde se dava a econômica mundial, entre Europa e EUA, para a Bacia do Pacífico. Nossa conexão para o Pacífico é ainda, dando a volta no subcontinente, pelo sul. Os EUA já fizeram a ferrovia que conecta o Atlântico ao Pacífico em 1890. Nós mal temos uma conexão de estradas decente entre o Atlântico e o Pacífico. Se olharmos toda a América Latina, veremos que a quase totalidade da nossa economia, tanto no Atlântico como no Brasil, como no lado do Pacífico, os principais pontos econômicos da América Latina são todos marítimos, portuários. Quando pegamos o mapa da América Latina, veremos que temos as atividades econômicas na borda do subcontinente, e no meio temos florestas, cerrado, gado, explorações de recursos naturais, mas não povoamento, organizações econômicas e coisas do gênero. Há essa imensa oportunidade da integração latino-americana ocupando seu interior e utilizando de maneira economicamente inteligente e sustentável em termos ambientais.

Leia mais...

>> Ladislau Dowbor já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira:

* Um dia sem carro e seus impactos ambientais e socioeconômicos. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU de 22-09-2010;
* De um capitalismo selvagem para um capitalismo decente: a evolução brasileira. Entrevista publicada na IHU On-Line número 322, de 22-03-2010;
* A construção do conhecimento é um processo colaborativo. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 27-11-2009;
* A crise financeira e o impacto ambiental. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 6-11-2008;
* Catástrofe em câmara lenta. Voltar ao bom senso. Eis o desafio! Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 18-5-2008;
* A inclusão produtiva como alternativa para o Brasil. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 8-7-2006.

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