Edição 343 | 13 Setembro 2010

Governar no Ocidente é exercer o poder como exceção

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Márcia Junges | Tradução Benno Dischinger

 

IHU On-Line - Além dos campos de concentração, quais são os espaços físicos onde se executou e se executam com mais radicalidade as biopolíticas contemporâneas? E em quais mecanismos simbólicos opera esse biopoder?

Edgardo Castro - A questão do espaço é, sem sombra de dúvida, uma questão central da política moderna e do modo em que a pensamos. Poder-se-ia dizer, inclusive, que, em relação ao século XIX, os conceitos políticos se espacializaram. O problema já não é o porvir, como todo o sentido de utopia que pode ter, senão o modo em que a política ou o político se relaciona com o espaço. O campo de concentração, paradigma da política ocidental para Agamben, é um conceito espacial, não temporal. Globalização também o é.

A questão dos espaços biopolíticos pode ter ao menos duas grandes respostas em Agamben. Em primeiro lugar, em relação com o espaço físico, o território ou os territórios que, por lei, se encontram fora da lei. Espaços onde a lei se aplica desaplicando-se, como os campos de concentração nazistas, mas também Guantánamo e os lugares de retenção dos aeroportos. Em segundo lugar, em relação com o espaço conceitual. A ideia de Agamben é que, na política ocidental, lei e exceção se sobrepõem. Governar no Ocidente é, por isso, exercer o poder na forma da exceção: os decretos-lei, as leis de necessidade e urgência, os poderes especiais delegados ou assumidos pelo executivo, etc. Neste sentido, o espaço da biopolítica coincide com o da política ocidental.

IHU On-Line - Se “o que resta de Auschwitz” é nosso presente e o biopoder nos (des)governa, qual é o espaço da autonomia e da liberdade?

Edgardo Castro - O que resta de Auschwitz (São Paulo: Boitempo, 2009) é muito mais do que um livro sobre biopolítica. Inclusive se poderia dizer que a biopolítica nem sequer é o tema central deste trabalho. Mais ainda, poder-se-ia dizer que ele trata do que na biopolítica não é biopolítica, pelo menos no sentido negativo do termo. O tema do livro, como diz o subtítulo, é o arquivo e o testemunho, quer dizer, as formas possíveis da subjetividade. Agamben encontra que a estrutura da subjetividade coincide com a do testemunho, é uma operação pela qual, ingressando na linguagem, quando diz “eu”, o animal humano se converte em sujeito e, ao mesmo tempo, se dessubjetiviza. Agamben quer, na parte final do livro, transladar esta ideia à noção foucaultiana de arquivo.
Os temas da autonomia e da liberdade não desempenham nesta obra um papel importante. E talvez tão pouco no resto dos trabalhos de Agamben. O problema para Agamben não é a autonomia, com toda a herança de Iluminismo que este conceito traz consigo. E tão pouco a liberdade e, neste caso, com todo o seu peso humanista; e sim, o conceito de potência. O sujeito se define pela potência. Sem dúvida, não se trata da potência de fazer algo, senão da potência, da capacidade, de poder não fazer algo. O que o autor denomina a “potência-de-não”. O homem é realmente humano na medida em que “pode-o-não”, pode não passar ao ato. As noções de autonomia e de liberdade deveriam ser, se não abandonadas, reinterpretadas sob este ângulo.

Potência-de-não

A questão da potência em Agamben é uma questão-chave. É onde seu pensamento alcança sua maior profundidade filosófica. Ele deve muito a Heidegger  neste ponto, sobretudo ao Heidegger que lê e interpreta a Metafísica de Aristóteles. Porém, sua leitura, pelo menos em meu modo de ver, precisamente no tema da potência, termina diferenciando-se de Heidegger. Se isto é assim, se a potência-de-não, exemplificada em Agamben com o personagem de Bartleby , de Melville , é o conceito-chave para pensar o animal humano, então nossos conceitos antropológicos e, portanto, também nossas práticas, as políticas entre outras, deveriam ser repensadas. Toda a ênfase na produção, no trabalho ou no êxito e a realização passariam, por exemplo, a um segundo plano. A forma da comunidade também teria outra fisionomia.

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