Edição 342 | 06 Setembro 2010

Grandes grupos industriais são donos do Rio Uruguai

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Graziela Wolfart

"As hidrelétricas são obras gigantes, de lucros vultuosos e estão totalmente atreladas a um modelo explorador e exportador que nada tem a ver com o desenvolvimento equilibrado e equitativo das regiões do país", afirmam Lucia Ortiz e Bruna Cristina Engel

"A produção de metano é outro problema ambiental grave que pouco se discute. A hidrelétrica vendida com energia limpa e renovável é na verdade uma falsa solução para o combate às mudanças climáticas, pois produz grandes quantidades de metano devido à massa verde submersa pelo lago e sedimentos carreados pelo rio e depositados no fundo do lago. As hidrelétricas podem ter o mesmo grau de poluição de uma termelétrica", afirmam Lucia Ortiz e Bruna Cristina Engel, da Organização Não-Governamental Amigos da Terra Brasil, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Elas contribuem para o debate levantado na última edição da revista, sobre as hidrelétricas no Rio Grande do Sul.

Lucia Ortiz é coordenadora do Núcleo Amigos da Terra e do GT Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. É geóloga e mestre em Geociências.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como os Amigos da Terra Brasil definem hoje a política de construção de hidrelétricas no Brasil e no Rio Grande do Sul, principalmente na região do Alto Uruguai?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - Uma política atrasada que prioriza os interesses do setor industrial sem avaliar outras dimensões senão a econômica. Enquanto o setor elétrico apresenta supostas novas estratégias de comunicação e de opções técnicas, como as tais “usinas plataforma”, os projetos são os mesmos inventariados que lotearam os rios brasileiros na ditadura militar e são impostos com o mesmo autoritarismo que desconsidera outras opções e demandas por melhores condições de vida por parte das populações regionais.

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o setor industrial foi responsável pelo consumo de 46,1% da energia elétrica em 2008, enquanto o setor residencial por apenas 24%. Este desbalanço na distribuição de energia deve-se ao fato da concentração no Brasil dos setores industriais eletrointensivos, voltados à exportação de alumínio, ferro, aço, celulose e a produção de cimento, que tem na água e na energia barata uma fonte de lucro. Obviamente as indústrias são o principal consumidor de energia no país e batem constantemente seus recordes de consumo: no mês de julho consumiram 15.915 GWh (Gigawatts hora), 13,7% a mais que o mesmo período do ano passado.

Cresce demanda total por energia elétrica

Dados da EPE revelam também que a demanda total por energia elétrica cresceu 8,5% comparada com igual período do ano passado. A leitura que pode ser feita desses dados é o aumento do poder de consumo da atividade industrial, e o resultado disso são mais investimentos em construção de hidrelétricas. Para o Brasil crescer, precisamos de mais energiai Essa é a frase que ouvimos durante décadas e que caracteriza um sistema de crescimento econômico atrelado a processos industriais altamente dependentes de grande quantidade de energia e bens naturais que não vêem na destruição dos rios um limite para o seu crescimento. Com financiamento público através do BNDES (principalmente fundos de pensão), licenciamento ambiental feito a toque de caixa, audiências públicas de fachada e atropelo da legislação ambiental, grandes grupos industriais como a Votorantin Cimento, Alcoa Alumínio S.A., Vale, Gerdau, CPFL Energia, GDF Suez, CSN, Camargo Corrêa, Andrade Gutierres, Bradesco e outros são considerados os donos do rio Uruguai. As hidrelétricas são projetadas e construídas sem respeito pela população local e sem objetivar o seu abastecimento energético. A energia gerada e lançada no SIN – Sistema Interligado Nacional – atende a demanda de indústrias instaladas em todo o Brasil. Ou seja, se a Alcoa está precisando de energia para transformar a bauxita lá no Pará e é oportuno construir uma hidrelétrica aqui no sul, ela o faz, joga a energia produzida no SIN e paga um valor subsidiado muito inferior ao MWhora que pagamos os cidadãos e cidadãs brasileiros. A região do rio Uruguai não é diferente do resto do país. O rio Uruguai é um rio de corredeiras encalhado na serra da mata atlântica, entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e com alto potencial elétrico, 12.816 MW ou 5,1% do potencial nacional, dos quais 5.186MW já foram aproveitados e o restante está inventariado. As sete usinas já instaladas geram aproximadamente R,2bi anuais de lucro para os consórcios que possuem a concessão das usinas. As hidrelétricas são obras gigantes, de lucros vultuosos e estão totalmente atreladas a um modelo explorador e exportador que nada tem a ver com o desenvolvimento equilibrado e equitativo das regiões do país.

IHU On-Line - Como entender a desenfreada expansão de hidrelétricas no Brasil e no Rio Grande do Sul? O que está na origem disso?

Lucia Ortiz e Bruna Engel - Ainda na época do regime militar o Brasil iniciou uma abertura aos investimentos internacionais e à colonização da região norte do país. Para atender a demanda crescente por energia que as mineradoras precisavam, o Estado inventariou os rios brasileiros de forma a aproveitar cada MW em potencial existente. Exemplo dessa política são as megarepresas de Tucuruí e Itaipu. Muitos daqueles projetos hidrelétricos foram arquivados por serem inviáveis tecnicamente, ou polêmicos demais, como as dezenas de hidrelétricas projetadas para o coração da Amazônia que hoje estão sendo impostas goela a abaixo com a justificativa do crescimento do país. A partir dos anos 1990 com a privatização do setor elétrico houve, além do aumento do desemprego e da precarização do trabalho, um período de ausência do planejamento energético por parte do Estado que levou à crise de energia de 2001, quando se iniciou uma nova onda de retomada de antigos projetos de aproveitamento hidrelétrico projetados no regime militar. Um planejamento setorial voltado a apresentar oportunidades de negócios, desvinculado de um projeto de futuro para o país. A usina de Barra Grande no rio Pelotas é um exemplo disso, com histórico de irregularidades e mobilizações que não foram suficientes para barrá-la. Outra é a UHE Garibaldi, no rio Canoas, ambas nas cabeceiras do rio Uruguai. A UHE Garibaldi, com LP emitida pela FATMA – SC, está locada dentro do PAC e visa atender a demanda crescente por energia principalmente na região sudeste do país onde se dá a maior concentração de indústrias eletrointensivas.

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