Edição 339 | 16 Agosto 2010

Limitar a propriedade é democratizar o campo e a sociedade

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Márcia Junges

 

IHU On-Line – Como a bancada ruralista reagiu à proposta do plebiscito de setembro?

Sérgio Sauer – Confesso que não vi ou li nenhuma manifestação mais clara de representantes da Bancada Ruralista à proposta de limitação ou de uma consulta à população brasileira sobre este tema, inclusive porque a principal preocupação do momento é o processo eleitoral. No entanto, a prática mais comum deste setor é a negação explícita e incondicional de qualquer tipo de avanços no campo de termos de reconhecimento de direitos ou da democracia. As reações da Bancada Ruralista, por exemplo, ao texto do III Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) são sintomáticas do que estou dizendo. Associando a outros setores retrógrados da sociedade, o setor ruralista “leu” aquele artigo que propõe negociação entre as partes, com o intuito de evitar conflitos nos despejos em casos de ocupações de terras, como uma negação do direito de propriedade. Ou seja, não há qualquer possibilidade de negociação ou de mediação nos casos em que há disputa pela terra, nem mesmo a partir da perspectiva dos direitos humanos.
Parece-me que esta manifestação em relação ao III PNDH evidencia a posição do setor ruralista a qualquer proposta ou política voltada para a democratização das relações no campo. Consequentemente, se ainda não houve reações públicas ao plebiscito, ou melhor, à proposta de limite à propriedade da terra, estas virão rapidamente.
O mais importante, no entanto, é que a proposta de limite deve necessariamente passar pelo Congresso; deve ser aprovada como lei ou emenda à Constituição. Sem sombra de dúvidas, essa é uma barreira a mais, pois a Bancada Ruralista continua tendo uma representação significativa nas duas Casas Legislativas.

IHU On-Line – O clamor popular pela terra, expresso pelo plebiscito, corre o risco de ser criminalizado, como outras demandas dos movimentos sociais? Por quê?

Sérgio Sauer – Como disse, as reações a possíveis avanços no campo dos direitos são imediatas e tendem a ser sempre muito aguerridas. Nesse sentido, entendo que a tendência será mesmo de criminalizar (aqui entendido como uma tentativa de atribuir à ação do outro um caráter de transgressão da lei ou da ordem!) a iniciativa, acusando as entidades organizadoras como promotoras de “distúrbio” ou desrespeitar a lei e a Constituição (que garante o direito de propriedade). No entanto, as ações de criminalização (sempre entendendo a criminalização como aquela ação que imputa ou procura imputar ao outro a responsabilidade por um crime, ou pela violação de uma lei ou da ordem) se tornaram, nos anos mais recentes, na principal estratégia dos setores conservadores. Não é uma prática nova, mas vem se tornando cada vez mais comum e está no contexto das disputas por diferentes projetos de sociedade. A criminalização é, portanto, um mecanismo utilizado para deslegitimar as reivindicações e lutas dos movimentos sociais e entidades populares, sempre com o intuito de isolar estas lutas e bloquear apoio de outros setores também populares. Consequentemente, mais importante que as reações contrárias dos setores que querem manter a concentração da terra e as injustiças no campo, é o apoio e a participação dos setores organizados da sociedade: estudantes, profissionais, lideranças sindicais etc. ,no sentido de promover o debate sobre esta problemática que afeta o conjunto da sociedade brasileira.

IHU On-Line – Como a sociedade compreende esse debate da limitação da propriedade da terra?

Sérgio Sauer – Um dos problemas centrais deste debate – e os meios de comunicação ajudam nessa distorção – é que a opinião pública tende a restringir a problemática da terra e da concentração fundiária como um problema exclusivo ao campo, dos sem terras. Ou seja, os prejuízos sociais, ambientais, econômicos e políticos da alta concentração da propriedade da terra não são vistos como um problema do conjunto da sociedade. Por exemplo, não é frequente se fazer associações entre o êxodo rural – expulsão das pessoas do campo – como a principal causa de problemas urbanos como o crescimento desordenado das cidades, a favelização, a pressão social sobre os recursos para infraestrutura nas cidades, etc. É preciso colocar em perspectiva e entender a problemática da terra como um tema que diz respeito a toda a sociedade, tanto no sentido de evitar os efeitos perversos da concentração como no sentido de que a preservação deste bem finito é um dever e um direito de todas as pessoas. O plebiscito, pelo menos é isto que eu espero, deve ser um momento de diálogo com a sociedade a respeito deste tema tão importante. Para a necessidade delimitar o uso de um bem que pertence a toda a sociedade!

Leia mais...
Confira outra entrevista concedida por Sérgio Sauer à IHU On-Line.
* Ações de criminalização mostram o autoritarismo das instituições, publicada na edição 266, de 28-07-2008, intitulada Movimentos sociais. Criminalização é um atentado à democracia

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