Edição 338 | 11 Agosto 2010

A concentração do investimento e da produção em poucos setores

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Patrícia Fachin

IHU On-Line - O senhor fala em falso dilema entre "fortalecimento" versus "não fortalecimento" do BNDES. Pode nos explicar essa ideia?

 

Mansueto Almeida - Sim, muitos acham que se você critica algumas operações do BNDES, você seria contra o banco e a política industrial. Esse não é o debate. Há muitos economistas, entre os quais me incluo, que acham o papel do BNDES importante para economia brasileira e para promoção do investimento industrial. O que alerto com as minhas criticas é que, como hoje há uma carência de recursos para o BNDES, temos que estabelecer quais operações são prioritárias para o banco. Há operações que o BNDES faz que poderiam ser estruturadas no mercado de capitais e com crédito privado sem a interferência do banco. Para mim, as empresas pequenas e médias no Vale dos Sinos  são tão ou mais importantes que a Petrobrás e os frigoríficos e precisam de mais crédito público do que a Petrobrás. Apenas no ano passado, o BNDES emprestou R$ 25 bilhões para a Petrobrás. Como esse dinheiro não estava parado no banco, o Tesouro Nacional teve que aumentar sua dívida para viabilizar essa operação. Poderia ter emprestado menos para a Petrobrás e disponibilizar mais dinheiro para programas voltados para as empresas pequenas e médias.

IHU On-Line – Ainda sobre esse assunto, o senhor disse, em um de seus artigos, que o Tesouro Nacional aumentou a dívida pública para emprestar R$ 100 bilhões em 2009 e R$ 80 bilhões em 2010 para o BNDES, a taxa de juros subsidiadas. Quais as implicações econômicas e sociais dessa política para o país? Quais os custos das políticas de investimentos do BNDES?

Mansueto Almeida - Essa política tem custos e benefícios e o custo dessa política não é pequeno. Há dois tipos de custo. Primeiro, o custo do diferencial de juros, já que para conseguir esse dinheiro o Tesouro Nacional tem que emitir uma dívida que paga SELIC  (hoje, 10,75% ao ano) e empresta os recursos para o BNDES cobrando uma taxa de juros menor, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) que hoje é de 6% ao ano. Calculando o que o BNDES paga ao Tesouro e quanto o Tesouro paga aos investidores, temos um buraco de cerca de R$ 8 bilhões ao ano. Há ainda um segundo custo que é o orçamentário que o Tesouro Nacional concede diretamente ao BNDES e a bancos que são agentes financeiros do BNDES para que alguns dos programas no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) tenham uma taxa de juros até mesmo menor do que a TJLP. Esse segundo custo monta a R$ 5 bilhões ao ano, segundo declaração do Ministro da Fazenda Guido Mantega, e diminui o resultado primário.
Quando se soma os dois custos que falei acima (custo financeiro do diferencial de juros mais o custo orçamentário do subsídio ao PSI) chega-se à conclusão que os empréstimos ao BNDES têm hoje um custo para o contribuinte de cerca de R$ 13 bilhões ao ano.
Por isso, o banco precisa se comunicar melhor com a sociedade e mostrar de que forma esses recursos estão sendo utilizados. Apenas falar que os recursos são utilizados para fomentar o investimento e a produção na economia brasileira não é suficiente. O grande problema é que hoje não se têm ideia dos impactos econômicos e sociais dessa política. Há empresas que são beneficiadas que não precisariam do apoio do BNDES por estarem no grupo das mais competitivas do Brasil e há outras que precisam e enfrentam dificuldade de acesso a esses recursos.

IHU On-Line - O governo tem dado amplo apoio a gigantes nacionais, em especial aos frigoríficos. O que isso significa, neste momento?

Mansueto Almeida - O BNDES que teria que responder essa questão. Por exemplo, o que está estabelecido na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) para o setor de carnes? A PDP fala em (i) Consolidar o Brasil como o maior exportador mundial de proteína animal; (ii) Fazer do Complexo Carnes o principal setor exportador do agronegócio brasileiro. Nada é dito sobre uma política de concentração do setor ou mesmo a criação de campeãs nacionais. Os maiores desafios identificados na PDP para o setor de carnes são: ampliar o acesso a mercados com a eliminação das barreiras comerciais; melhorar o status sanitário da pecuária nacional; modernizar e ampliar a infra-estrutura logística; garantir o abastecimento de insumos para a produção animal; aumentar o número de matrizes no rebanho nacional; e agregar valor à carne exportada. De que forma a maior concentração do setor de carnes no Brasil com o apoio excessivo aos frigoríficos ajuda no alcance dos objetivos acima? Apenas uma maior concentração do mercado não implica na eliminação das barreiras comerciais nem tão pouco na melhoria do status sanitário nem mesmo na modernização da infra-estrutura logística. A concentração de mercado e a formação de grandes empresas nacionais no setor pode até ser positivo, mas precisa ser explicado pelo BNDES que executa tal política.

IHU On-Line – E o que isso pode significar em relação ao avanço do agronegócio no país?

Mansueto Almeida - Sinceramente, o que enxergo é que teremos setores mais concentrados e a formação de grandes empresas nacionais nesses setores. A parte boa é que com empresas maiores passamos a ter mais controle na cadeia global de produção de alguns produtos. Isso sem dúvida será positivo para as empresas. Mas qual o ganho para os fornecedores dessas empresas? Essa estratégia aumenta a inserção dos pequenos e médios produtores brasileiros no comércio internacional? E qual o ganho para a sociedade? A simples concentração do setor de agronegócios não significa benefícios líquidos e certos para todos os participantes nesta cadeia no Brasil nem mesmo para a sociedade brasileira.

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