Edição 337 | 09 Agosto 2010

A missão de ser luz e sinal para os outros

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Graziela Wolfart

 

IHU On-Line - Como o trabalho do SARES se enquadra na proposta dos CIAS e na missão da Companhia de Jesus?

Roberto Jaramillo - Desde 2003, quando algumas das Igrejas locais pediram aos jesuítas da Amazônia colaborar especialmente na ação, reflexão e educação no “campo do social”, o SARES (que nunca quis ser um Centro, mas um Serviço) está desenvolvendo um trabalho que pretender responder a alguns desses desafios desde a Fé Cristã, sempre em diálogo aberto com outras crenças religiosas. O “social” é responsabilidade e desafio de todos os seres humanos e em todo tipo de trabalho; por isso, sem renunciar a nossa particular perspectiva de fé cristã e a nossa missão como Igreja Católica, ninguém está excluído nas atividades do SARES; nem do quadro de funcionários, muito menos dos participantes nas suas atividades. É verdade que este fator não tem sido sempre pacífico e não é uma coisa definitivamente resolvida: há discussões, perspectivas, acentos diversos. O que é claro é que o SARES, em sua inspiração primeira, e na sua orientação “política” atual continua a ser um projeto (1) interinstitucional, (2) independente de qualquer tendência ou partido político, (3) de clara inspiração cristã e liderado por instituições da Igreja Católica, (4) plural em sua maneira de pensar, discutir e analisar a realidade, (5) sem alinhamentos ideológicos qualquer que eles sejam, (6) com práticas institucionais de transparência administrativa e financeira e (7) aberto ao diálogo e às parcerias que fortaleçam a capacidade dos pobres na luta pelos seus direitos. Estas sete notas características do SARES atualizam bem as intuições fundamentais dos serviços dos CIAS como serviço próprio da missão da Companhia de Jesus.

IHU On-Line - Qual a especificidade do SARES em relação aos demais CIAS jesuítas? O fato de estar em uma região de fronteiras e de ter sido criado mais recentemente influencia de alguma forma em suas atividades?

Roberto Jaramillo - Eu não me sinto suficiente conhecedor da realidade dos outros CIAS da Companhia para indicar a especificidade do nosso serviço em relação ao seu conjunto; aliás acho que cada CIAS deve e tem que ser bem diferente em suas preocupações e suas práticas, porque cada um deve responder a realidades locais ou regionais diferenciadas. Para nós, o serviço que presta o IHU ou o CEPAT com sua análise da conjuntura é fundamental; e o SARES não teria condições para fazê-lo com tal perspectiva e tanta competência. Mas o que o SARES está fazendo na Amazônia está fazendo-o bem: formação social oferecida a lideranças populares da cidade de Manaus e do interior do Estado (em parceria com o programa de extensão da Universidade Federal do Amazonas - UFAM), formação ética e social de lideranças políticas (num programa reconhecido pela UNICAP como curso de especialização), espaços periódicos de discussão e debate sobre questões de interesse público, assessoria e acompanhamento regular a várias organizações e lutas populares (por terreno e habitação, defesa do meio ambiente), entre outros serviços que se prestam. A perspectiva amazônica está fortemente presente, sim. Somos o único CIAS em três milhões de quilômetros na redondeza. O SARES tem, sem dúvida, o desafio de falar “daqui” e “para o povo daqui”; e isso imprime uma perspectiva particular que não poucas vezes destoa daqueles que querem falar “daqui” sem estar e sem conhecer “aqui”, e que geralmente falam “para outros que não são daqui”. Tudo isso parece um mero jogo de palavras; mas não é assim. Acredito que o SARES, mesmo sendo pequeno, tem uma palavra nova a dizer e um aporte fundamental nesta dinâmica de “pensar localmente e agir globalmente” e, ao mesmo tempo, “agir localmente com uma capacidade de pensar as coisas globalmente”. Respondendo a essa mão dupla, o SARES está agora articulando e construindo um projeto importante: o observatório pan amazônico de políticas regionais; um intento de mapear, entender e oferecer instrumentos de ação sobre políticas educativas e culturais, democráticas e socioambientais que afetam transnacionalmente a panamazônia.   

IHU On-Line - A partir da missão de estar a serviço da fé e de promover a justiça, o que significa ser jesuíta no século XXI?

Roberto Jaramillo - Ninguém foi mais clarividente do que a Congregação Geral XXXII da Companhia de Jesus quando falou do jesuíta como um ser que “se sente pecador e, no entanto, é chamado a ser companheiro de Jesus”. Fé e justiça, diálogo intercultural e diálogo inter-religioso são notas características da missão da Companhia hoje. Na realização dessa missão, cada um de nós, e a própria Companhia como um “Corpo Apostólico”, se sente cada dia convidado a reconhecer sua própria situação ao mesmo tempo limitada e pecadora, e a fazer um ato de confiança em Jesus - companheiro maior que nos chamou a colaborar com Ele, sabendo que há necessidade de “fazer tudo como se só dependesse de nós, e esperar tudo com a certeza de que finalmente depende de Deus”. Assim, confiado na misericórdia e no chamado divino, o jesuíta (a Companhia) sai ao encontro de realidades e de “nações” (povos, comunidades, realidades humanas) muitas vezes desconhecidas, situadas nas fronteiras do mundo e das sociedades onde outros não querem ou não podem ir: nas mais variadas ciências (desde a filosofia e a teologia, até a economia ou a astronomia), na luta social, nos afazeres da ação política, na diversidade de culturas, nas diferentes religiões, enfim, nas encruzilhadas onde parece que a palavra de Fé estivesse ontologicamente ausente ou onde ela é positivamente rechaçada; e ali consegue discernir a presença divina e ser luz e sinal para os outros. Esse é um verdadeiro Jesuíta.

IHU On-Line - Qual a importância do trabalho dos CIAS para que a Companhia de Jesus faça sua parte na construção da nova sociedade do futuro que se configura?

Roberto Jaramillo - Por sermos chamados a fazer presente a palavra da Fé e a servir à Igreja toda no meio de realidades que se movem entre limites e fronteiras, os jesuítas se destacaram na história da astronomia, da missiologia, da linguística, da antropologia, da filosofia, das artes plásticas, entre outros muitos campos. A tradição que une a Companhia de Jesus e o serviço educativo (em diversos níveis da educação) é fruto desse pioneirismo jesuítico. Os Centros de Investigação e Ação Social (CIAS), em sua diversidade, vêm ao encontro de uma mais apurada compreensão da realidade humana e social: tanto em termos da práxis política como em termos epistemológicos. Por isso eles vêm não para substituir ou para desqualificar o que antes se fazia - dentro do marco de compreensão da época – mas para somar e contribuir na compreensão e transformação dos problemas humanos. Houve um tempo no qual se fazia quase uma contraposição entre o apostolado social e o apostolado educativo; graças a Deus evoluímos, e acho esses tempos superados. O que sim é necessário e ainda nos falta crescer muito, segundo a minha compreensão da situação atual, é na capacidade de trabalharmos juntos, de nos fecundarmos mutuamente, de ousar caminhos de integração produzindo novas formas de conhecimento, na capacidade e decisão de romper paradigmas acadêmicos e práticos caducos (e certamente econômica, política e ideologicamente interessados ou comprometidos) e de criar novas “ratio”, novas “escolas”, novos processos de aprendizado/transformação da realidade humana e social a partir de todas e qualquer ciência. Tomara que possamos cada vez mais confiar uns nos outros e fazer caminhos juntos, abertos à tarefa de conhecer a realidade de maneira cada vez mais séria e profunda, livres de todo preconceito e cada vez mais das determinações que nos impõem de fora (dos produtores, dos comunicadores, dos legisladores, dos poderosos), sempre ao serviço da libertação  e da vida digna para todas as pessoas, o que só pode começar resgatando primeiro e principalmente os mais pobres. 
 

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