Edição 256 | 28 Abril 2008

Osasco: uma lembrança simbólica

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Patricia Fachin

Os sindicatos estão muito interligados com o Estado, prejudicando assim os interesses trabalhistas. As mobilizações deram lugar “aos lobbies que atuam nos corredores e nas ante-salas dos palácios”, avalia Francisco Weffort

“O sindicato de Osasco, como sindicato, limitou-se à greve. A participação política de alguns dos seus líderes e militantes é coisa paralela ou, mais ainda, posterior à greve”, comenta Francisco Weffort, sociólogo, ao recordar a greve de Osasco, em São Paulo. Para ele, o movimento cresceu depois dos anos 1970 e 80, mas acabou unindo-se a líderes e a partidos políticos. Assim, avalia, “o sindicalismo se tornou cada vez mais ligado aos governos” e “com a eleição do Lula, esta tendência se tornou ainda mais acentuada.”
Weffort é doutor em Ciências Políticas, pela Universidade de São Paulo (USP), na qual atuou como professor. Foi ministro da Cultura e do Estado durante o governo FHC, entre 1995 e 2002, e, entre 2003 e 2007, foi pesquisador do Instituto de Estudos Políticos e Sociais.  
Confira a entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

IHU On-Line – O senhor participou da greve de Osasco? Quais são os limites de unir militantes e trabalhadores em plena ditadura?
Francisco Weffort
- Não participei da greve. Apenas pesquisei e escrevi um estudo sobre ela. A militância em plena ditadura tinha a evidente desvantagem de enfrentar os riscos da repressão. Mas tinha também a vantagem, não tão evidente, mas real, da clareza dos objetivos. Em princípio, o governo era adversário porque era ditatorial. Do mesmo modo, o patrão, que, até segunda ordem, era sempre um aliado do governo. Nestas circunstâncias, os militantes atuavam sempre (ou quase sempre) em defesa da democracia. A defesa dos interesses dos trabalhadores de certo modo coincidia com a defesa da democracia.
 
IHU On-Line - Como o senhor descreve aquele momento político brasileiro? A correlação de forças com os militares e empresários foi desfavorável para o movimento sindical?
Francisco Weffort
- A correlação de forças era desfavorável ao movimento sindical. Do lado do governo, estava sempre a convicção de que toda greve era em príncipio subversiva. Por isso, o movimento sindical tinha sempre um caráter suspeito aos olhos do governo. Mesmo os “pelegos”, os que se aproximavam mais do governo, eram duvidosos, do ângulo do governo. Todo o movimento da sociedade civil, exceto para apoiar o governo, era suspeito de desequilibrar a ordem política.
 
IHU On-Line - Alguns militantes da época da greve de Osasco contam que a mobilização foi organizada a partir das fábricas, mas com orientação política dos sindicatos. Como o senhor avalia esse momento? A orientação dos sindicatos era pertinente?
Francisco Weffort
- No caso de Osasco, em 1968, isso era verdade. O sindicato teve participação ativa na greve, embora disfarçada. Não podia admitir sua participação porque isso seria motivo de intervenção do Ministério do Trabalho, como de fato acabou ocorrendo. Creio que a orientação do sindicato era o que se poderia esperar de um sindicato numa democracia. Neste sentido, era normal e pertinente defesa salarial dos trabalhadores. O problema era que estávamos em uma ditadura.

Depois da greve - e em alguns casos mesmo antes –, alguns líderes se ligaram a grupos de ação armada, buscando responder com violência a violência do regime. Essa orientação, que foi a de vários grupos de esquerda a partir de 1968, acabou levando a oposição a uma situação ainda mais desastrosa do que a que já conhecíamos desde 1964. Mas, note-se bem, o sindicato de Osasco, como sindicato, limitou-se à greve. A participação política de alguns dos seus líderes e militantes é coisa paralela ou, mais ainda, posterior à greve.

IHU On-Line - O senhor percebeu mudanças na luta sindical brasileira, no decorrer desses 40 anos? A partir de que momento as transformações começaram e por quê?
Francisco Weffort
- O movimento cresceu muito depois de 1978. E particularmente depois de 1985. Cresceu e politizou-se, ou seja, aliou-se a líderes políticos e a partidos políticos, ou formou novos líderes e novos partidos. O Lula e o PT são os produtos mais importantes deste processo de politização do sindicalismo, mas não os únicos. Por outro lado, cresceu muito a participação do funcionalismo público, dos bancários, dos professores etc., tornando o movimento sindical basicamente um movimento de classe média. Além disso, o sindicalismo se politizou no sentido de que se tornou cada vez mais ligado aos governos, seja em nível municipal e estadual, seja em nível federal. Com a eleição do Lula, esta tendência se tornou ainda mais acentuada.
  
IHU On-Line - Por que essas mobilizações entre estudantes e operários não ocorrem mais na conjuntura atual? O espírito militante está adormecido?
Francisco Weffort
- As mobilizações não ocorrem porque seus líderes estão todos no governo (seja este municipal, estadual ou federal). E, quando os líderes não estão no governo, eles estão perto, sempre com alguma influência. As mobilizações deram lugar aos lobbies, ou seja, grupos de pressão que atuam nos corredores e nas ante-salas dos palácios.
 
IHU On-Line - O “novo sindicalismo” perdeu força na sociedade atual? Qual é a sua principal dificuldade de se manter, atualmente?
Francisco Weffort
- O sindicalismo perdeu força, tanto o novo quanto o velho. Hoje os sindicalistas se tornam facilmente vereadores, deputados, senadores e até governadores e presidentes. Numa situação como esta, o sindicalismo tende naturalmente a perder força.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a negociação para a aprovação da emenda constitucional que reduz a jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais? Segundo a proposta, os trabalhadores abririam mão de aprovar a ratificação pelo Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas iniciativas são vantajosas para os trabalhadores? De que maneira essas mudanças podem alterar as relações entre empregados e empregadores?
Francisco Weffort
- O problema grave do tipo de capitalismo em que vamos entrando desde os anos 1990 é que o emprego cresce muito menos do que o investimento de capital. Estamos recebendo enormes quantidades de investimentos desde a estabilização monetária do Plano Real e, não obstante, o emprego cresce num ritmo muito mais modesto. Um dos agravantes desta situação são os custos do trabalhador, do que está empregado, além do salário. Outro agravante são as dificuldades burocráticas para se admitir alguém, e mais ainda para se demitir alguém. É por isso que os sindicalistas aceitam abrir mão da Convenção 158 em troca de redução da jornada de 44 para 40 horas. Creio que a redução da jornada pode resultar em mais descanso e lazer para quem está empregado, mas não creio que vá resultar em mais oportunidades para quem está desempregado. Ao invés de criar novos empregos, vai resultar em mais estímulos para o aprimoramento do padrão tecnológico das empresas.

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