Edição 256 | 28 Abril 2008

O mundo do trabalho no Brasil. Mudanças e desafios

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Patricia Fachin

Chegou o momento de rejeitar o sistema e unir esforços para edificar um novo princípio, com base nos valores da justiça e da solidariedade, considera Waldemar Rossi

As reivindicações aclamadas nas greves de 1968 trouxeram uma vitória política para os trabalhadores, considera Waldemar Rossi, ao relembrar a greve de Osasco, em 1968. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele comenta que só a partir de 1978 o movimento sindical retomou as lutas coletivas e relembra as dificuldades de levar informações aos trabalhadores sobre o que ocorria na política dos militares. Ao avaliar a função da CUT ele afirma: “Ela se tornou correia de transmissão do governo”. E acrescenta: “Desde a chegada do Lula à Presidência”, a CUT “vem apoiando todas as propostas de Reformas da Constituição que se dão em detrimento dos interesses dos trabalhadores”.
Waldemar Rossi foi um dos fundadores da Pastoral Operária, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e importante líder sindical metalúrgico em São Paulo. Uma informação mais completa sobre sua trajetória pode ser encontrada na entrevista “A trajetória de um típico militante operário”, feita pela IHU On-Line e publicada em 01-05-2007 no sítio WWW.unisinos.br/ihu.

IHU On-Line - O senhor acompanhou de perto a militância operária há quatro décadas. As reivindicações da greve de Osasco contribuíram para as conquistas dos trabalhadores no decorrer dos anos?
Waldemar Rossi
- A greve de Osasco  se deu numa seqüência de movimentos contra os atos da ditadura militar. Vale lembrar que no ano de 1968 criou-se o MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho), a fim de protestar contra os Decretos-Lei que arrochavam os salários. No dia 1º de maio daquele ano, os trabalhadores da Grande São Paulo organizaram sua celebração na Praça da Sé. Por um grande equívoco dos pelegos de plantão (interventores sindicais nomeados pelos militares) o governador “biônico”, Roberto de Abreu Sodré  - também nomeado pelos militares – foi convidado para o ato. A massa presente, que abarrotou a praça, se irritou e começou seu protesto lançando objetos sobre os ocupantes do palanque, impedindo a fala do governador. Todos tiveram que fugir de lá para não serem massacrados. Em seguida, os trabalhadores derrubaram o palanque e lhe atearam fogo. Enquanto os pelegos levavam o governador para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, as oposições, tendo em seu comando a direção do sindicato dos metalúrgicos de Osasco, saiu em passeata pela cidade, fazendo seus protestos. No mês seguinte, uma série de greves aconteceu no Brasil, com destaque para as de Contagem e de Osasco, reivindicando o fim do arrocho, entre outras exigências. 

Foram os primeiros atos coletivos de resistência operária à ditadura militar. Se não houve, na época, vitórias econômicas, ficou a vitória política, pois os trabalhadores deixaram claro que não iriam calar diante da falta de liberdade e dos ataques aos seus direitos. A ditadura reagiu com muita violência, obrigando os trabalhadores ao recuo, gerando uma longa pausa nas ações abertas. Porém, não conseguiram interromper o trabalho de organização clandestina nos locais de trabalho. O resultado disso tudo foi colhido a partir de 1978, quando o movimento sindical retomou as lutas coletivas.

IHU On-Line - O senhor comentou, em outra entrevista concedida à IHU On-Line, que a greve de Osasco foi uma experiência muito alta para o momento político da época. E disse ainda que a precipitação, fruto de uma visão política revolucionaria equivocada, levou à cassação de toda a diretoria e ao fim daquelas comissões  de fábrica. Quais foram as principais limitações da greve? Seus objetivos foram alcançados?
Waldemar Rossi
- A composição da classe operária passava por profundas mudanças, uma vez que se iniciava imensa propaganda daquilo que seria o futuro “milagre econômico brasileiro” e muitos trabalhadores rurais e urbanos de cidades interioranas se mudavam para as grandes cidades. Assim, muita gente não tinha ainda a visão nem a prática de lutas do operariado mais antigo. Além disso, os trabalhadores já estavam sem direção política há quatro anos e “seus motores não estavam tão aquecidos”, embora houvesse muita decepção e revolta com os militares. Havia também o esforço dos pelegos de transformar os sindicatos em órgão assistencialista, substituindo em substituição às suas lutas. Não estávamos politicamente organizados em nível nacional para fazer tal enfrentamento, enquanto que os militares estavam em pé de guerra, dispostos a garantir as mudanças a que tinham se proposto. Seu poder de fogo era muito forte. Logo, a correlação de forças era profundamente desfavorável para a classe. Afirmo que muitos revolucionários da época, atuantes no movimento sindical, estavam embevecidos pela onda dos movimentos sociais franceses e nele se inspiravam, sem levar em conta que as realidades política e econômica eram muito diferentes entre os dois mundos. Não por menos, os militares retomaram a iniciativa cassando as direções, forçando as empresas a acabar com as comissões de fábrica. 

IHU On-Line - Lula esteve presente nas greves da década de 1970, principalmente no ABC paulista. Hoje, presidente, ele já criticou várias vezes possíveis ações de greves, até mesmo entre funcionários públicos. Como o senhor percebe essa postura?
Waldemar Rossi
- Lula começou a participar das greves dos anos 1978 a 1981 porque era, e ainda é, possuidor de uma grande intuição. A começar pela greve da Scânia, em maio de 1978, realizada sem a participação da direção do sindicato, que pegou Lula desprevenido. Segundo relatos de membros organizadores daquele movimento, Lula chegou a propor a continuidade das negociações com o retorno ao trabalho, proposta que foi rejeitada pelos trabalhadores. A greve da Scânia continuou e irradiou para outras indústrias do ABC e de São Paulo.

As insatisfações dos operários aumentavam, assim como seu nível de consciência política, fazendo com que as direções sindicais do ABC arregaçassem as mangas. Foram as assembléias sindicais que mostraram ser necessário avançar em defesa dos direitos da classe e em busca de novas conquistas. Nisso, o Lula teve destaque porque soube compreender esses anseios. Porém, na greve dos metalúrgicos de São Paulo de 1978, Lula esteve presente no palanque e defendeu o fim da greve, sendo vaiado pelos milhares operários presente à Rua do Carmo, abarrotada.

Em 1980, o ABC entrou em greve. Os trabalhadores, reunidos no estádio da Vila Euclides, totalmente tomado, aguardavam pelas negociações entre Comissão Sindical e o empresariado. Segundo relato de um dos membros da Comissão de Negociação, a direção sindical tinha deixado o encontro disposta a defender a proposta patronal. Porém, ao chegar ao estádio, Lula percebeu a disposição da categoria em não abrir mão de suas reivindicações e usou a palavra para defender a continuidade da paralisação, para grande surpresa dos empresários do setor.

Se os bons tempos das lutas operárias mostravam que seus dirigentes não eram defensores tão convictos de greves, outros acontecimentos podem mostrar qual era de fato a cabeça do Lula. Em 1995, os professores paulistas entraram em greve contra o desmonte da educação estadual posta em prática pelo Governador Covas.  Numa das suas andanças por São Paulo, Lula chegou a defender o fim daquela greve, surpreendendo até os professores petistas. Também naquele ano os petroleiros deflagraram greve nacional contra a privatização da Petrobras que FHC  começava a encaminhar. Em entrevista aos jornalistas, Lula também defendeu o fim da greve, causando a revolta do conjunto daquela categoria e insatisfação dentro do PT. A contradição mais evidente se deu quando, dois dias depois, a Cives (organização de empresários brasileiros ligados ao PT) publicou nota defendendo os trabalhadores e sua greve e condenando FHC. Portanto, não há surpresas se Lula, hoje na presidência da República, se coloca contra as greves, até porque essas podem trazer complicações para seu mandato.
 
IHU On-Line - Em 1967, o senhor, junto com outros trabalhadores, lançou as sementes de um novo sindicalismo. Dizem que uma das principais dificuldades na época era lutar sob um sistema ditatorial. Esse foi o problema maior?
Waldemar Rossi
- Não restam dúvidas: lançar um movimento contra a estrutura sindical fascista, herdada de Getúlio Vargas, em plena ditadura militar, era e foi um grande desafio. Porém, outros problemas entraram em cena naquela época: as modificações que a classe operária sofria, com a entrada de trabalhadores oriundos do campo, exigiam um enorme esforço para desmistificar a promessa do sistema em dar-lhes amplas condições de trabalho, salário e de vida. Era muito difícil levar as informações aos trabalhadores sobre o que de fato ocorria com a política dos militares. Precisávamos inventar instrumentos de comunicação bem rudimentares para superar a falta de espaços a mídia e nos jornais dos sindicatos. Outros fatores eram os ideais revolucionários que ganhavam corpo no Brasil e na América Latina e que colocavam o movimento sindical em segundo plano, pois a ênfase se dava na derrubada da ditadura militar, sobretudo através da luta armada. Foi nesse contexto que aprendemos a fazer política classista.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a relação entre as centrais sindicais e o governo? Há uma relação de poder e conciliação entre eles? Onde ficam os direitos do trabalhador nesse contexto?
Waldemar Rossi
- Infelizmente, do meu ponto de vista, Lula usou o movimento sindical para alavancar sua chegada ao poder. A CUT foi a grande conquista dos anos 1980, como instrumento autônomo dos trabalhadores e deveria ser o carro-chefe das nossas lutas de conjunto. Mas deveria desenvolver uma prática verdadeiramente solidária entre todos os trabalhadores, independentemente de sua pertença a categorias mais organizadas e numerosas ou menos organizadas e mais frágeis. Não foi o que aconteceu. A CUT nunca planejou ou desenvolveu um trabalho de conjunto em benefício da classe operária. As lutas que se sucederam foram por categorias e de forma quase sempre isoladas umas das outras.

Aos poucos, Lula foi moldando a CUT segundo os interesses do Partido dos Trabalhadores, em sua luta para chegar ao poder político no país. Que o PT tivesse tal objetivo, era até possível entender, ainda que desprezando um dos seus objetivos mais nobres que era elaborar um projeto alternativo para a nação brasileira, tornando-se, pois, um partido comum, um partido que somente busca espaços no poder. Que a CUT ficasse subordinada a esse objetivo é revoltante. Quem, como nós, teve a chance de acompanhar por dentro as orientações que a tendência majoritária do PT (Articulação) – comandada por Lula – impunha à CUT percebeu os progressivos desvios de seus rumos. Tanto que há várias publicações que revelam tais desvios políticos e ideológicos, como A CUT por dentro e por fora (Petrópolis: Vozes, 1988), por exemplo, de Vito Giannotti  e Sebastião de Oliveira Neto, entre outras publicações e comentários.

A CUT, contrariando as expectativas do conjunto dos trabalhadores, tornou-se “correia de transmissão do governo” (já era tal correia em relação ao PT) e, desde a chegada do Lula à presidência, vem apoiando todas as propostas de reformas da Constituição que se dão em detrimento dos interesses dos trabalhadores. As demais centrais sindicais, surgidas entre os anos de 1980 e 90, todas elas foram obra do peleguismo com patrocínio de empresas nacionais e internacionais, cuja tarefa inicial era se opor à CUT e dividir a classe trabalhadora. Delas já não dava para esperar nada de positivo, ao contrário do que os trabalhadores esperavam da CUT.

Felizmente, como também acontecia no tempo da ditadura, existem muitas pessoas no movimento sindical com os olhos abertos e que se mantêm fiéis aos compromissos com a sua classe. Por isso mesmo é que um forte movimento de resistência aos tais desmandos nasce dentro da própria CUT e com o passar do tempo vai ganhando força entre os sindicatos brasileiros. Assim se formou a Conlutas e a Intersindical,  ambas agregando dirigentes, sindicalistas e sindicatos que romperam com a CUT e demais centrais, hoje infelizmente todas apelegadas.

IHU On-Line - O senhor costuma dizer que os trabalhadores devem lutar sem tréguas contra o capital. O que significa lutar sem trégua, considerando que hoje existem centrais sindicais no Brasil que muitas vezes participam do jogo dos patrões, sem prestar contas aos sindicalizados do dinheiro adquirido?
Waldemar Rossi
- Lutar sem tréguas é ter convicção de que o capital não tem nenhum interesse em colaborar para a melhora das condições de vida dos trabalhadores; é saber que ao capital interessa somente o lucro e que para isso não vacila em usar de todos os meios de que dispõe para aumentar a exploração e a dominação. O capital não vacila em corromper trabalhadores, políticos, imprensa e a própria justiça de qualquer país. Deve-se distinguir quem são seus verdadeiros companheiros e não se deixar iludir por “dirigentes sindicais” que estão mancomunados com o patronato e a serviço deles, traindo os trabalhadores.
Entendendo isso, o trabalhador sabe que, se interromper a luta diária em defesa dos seus direitos e deixar de lutar ainda mais para fazê-los aumentar, estará deixando de remar rio acima e sendo carregado pela forte correnteza capitalista avassaladora. Lutar sem tréguas é se unir aos companheiros e companheiras de classe que não aceitam a submissão, e, sempre que necessário, rejeitar os instrumentos que já não são mais de luta e criar novos instrumentos eficazes e indispensáveis para o desenvolvimento dessa luta sem tréguas.

A experiência política atual também deve servir para o discernimento de que o modelo político vigente no mundo não tem condição de incluir o conjunto dos povos no usufruto dos bens que a natureza nos oferece e dos bens materiais socialmente produzidos pela coletividade humana. É entender que chegou o momento histórico de rejeitar o sistema e envidar esforços para que um novo sistema, com base nos valores da justiça e da solidariedade seja edificado.

IHU On-Line - Por que os sindicatos hoje atuam muito mais na defensiva do que no campo ofensivo? Os trabalhadores correm o risco de perder os direitos que já conquistaram?
Waldemar Rossi
- As centrais sindicais constituídas até os fins do século passado, com a exceção inicial da CUT, o foram para atender aos interesses do capital. Com a guinada histórica da CUT, não sobrou nada do antigo. Isso fragmentou e enfraqueceu a classe trabalhadora, permitindo o avanço acelerado do capital sobre os direitos trabalhistas conquistados com muito sangue. Os que restaram se viram com a “corda no pescoço”, tendo que lutar arduamente para denunciar toda essa bandalheira, procurando formar a consciência crítica dos trabalhadores e buscando a unificação das forças sociais para essa luta inglória e tentar deter a avalanche capitalista. Claríssimo está que estamos sendo roubados em nossos direitos.

IHU On-Line - Como o senhor percebe as propostas para uma reforma sindical? Se isso ocorresse no Brasil, levando em consideração a conjuntura atual, o trabalhador teria algum benefício?
Waldemar Rossi
- Pelo teor das propostas das reformas em andamento, não há uma só que seja do interesse do trabalhador. A reforma sindical, já ocorrida em parte, só fez criar as condições para que a superestrutura das centrais tenha muito dinheiro em caixa, reforçando a nova classe de pelegos que já se cristalizou no Brasil. A tendência é que outras mudanças venham com o tempo, visando a enfraquecer os sindicatos em suas bases, aumentando os poderes das centrais. Acontecendo outras reformas, se estará construindo uma estrutura muito pior que a deixada por Getúlio Vargas, porque tentará controlar com mão de ferro os sindicatos em suas bases.

IHU On-Line - Algum sindicato, atualmente, pode ser visto como um modelo a ser seguido?
Waldemar Rossi
- Sem dúvida, temos vários sindicatos que permaneceram fiéis às suas bases. Apesar das muitas deficiências, encontramos vários deles na Conlutas, na Intersindical e alguns que ainda não se alinharam, mas que também lutam para não entrar no rol dos que sucumbiram aos favores do capital. Cabe aos trabalhadores procurar conhecê-los em suas próprias cidades.

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