Edição 378 | 31 Outubro 2011

O olhar criador a partir de Merleau-Ponty

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Márcia Junges

 

IHU On-Line – De que forma esse diálogo se dá em sala de aula?

 

Carmen S. G. Aranha – Parte da investigação sobre o olhar se funda na procura de estruturas que contribuam para a formação do conhecimento visual genuíno e repercutam nos processos do fazer artístico do estudante. Assim, nossa pesquisa levou-nos a algumas ideias-guias que auxiliam a compreensão de como o olhar se constrói em processos da educação e arte. Sob as asas de algumas frases-síntese, apontamos para algumas orientações baseadas em nossa própria experiência em relação à expressão criadora que pende das movimentações do “ver-pensar-fenomenológico”.

 

Ver é habitar o corpo e cifrar experiências

O corpo operante se movimenta no espaço da experiência. O ver se move no movimento do corpo, e os deslocamentos tencionam e inquietam o ser, penetram na atmosfera da consciência projetando traçados essenciais ou cifras visuais da vivência própria. É nesse movimento tencionado e inquietante que a ordem vicária vai se dissolvendo, que um princípio de desordem se instala para logo adiante se recompor em nova ordem, mais pessoal, reflexo de uma experiência visual genuína.

 

Ver é perceber os códigos e correlacioná-los

Nessa formação, a percepção carrega-se de sentidos visuais, ou seja, as tensões e inquietações codificam-se em elementos formais das artes visuais: linhas, formas, cores-luzes, materiais e técnicas. Essa codificação em cifras visuais são os próprios indícios para que um sistema de correlações se estabeleça como possibilidade de construção da linguagem, ou seja, ordene as linhas para engendrar as formas, ordene as formas e cores-luzes para engendrar os espaços, os espaços para engendrar as espacialidades, voluminosidades e profundidades; os materiais e as técnicas para engendrar as materialidades e as novas técnicas, as novas expressividades, as novas linhas, novas formas, novas cores-luzes, novos espaços, novas espacialidades...

 

Ver é dialogar

A possibilidade da construção da expressão visual-plástica atual reflete-se em muitos diálogos, um deles, nas linguagens artísticas nas mais diversas formas e nos mais variados conteúdos da arte. Ou seja, a visão e o corpo operante movimentam-se com as origens da linguagem artística caracterizando seus elementos espelhados em transformações da própria arte.

A codificação do ver se dá com a aproximação dos elementos da linguagem por meio do fazer artístico como uma possibilidade de construção de expressão genuína. A codificação torna-se olhar com sua movimentação no fazer artístico de sínteses das tensões e inquietações visuais.

A origem do olhar criador com a expressão criadora atual se dá no fazer artístico de correlações entre as tensões da razão construtiva, razão conceitual, expressividade perceptiva e simbólica.

 

IHU On-Line – Em que medida a filosofia de Merleau-Ponty nos ajuda a compreender a arte moderna?

 

Carmen S. G. Aranha – Segundo alguns autores, a filosofia de Merleau-Ponty está somente adequada às interpretações que envolvem a arte moderna. Seus preceitos se formam baseados em estruturas de pensamento que querem superar o distanciamento entre o sujeito e o objeto, legado esse que as ciências humanas tomaram das ciências exatas a partir de certos modelos baseados na física do século XVII com desdobramentos para o positivismo que assola todas as ciências no final do século XIX.

A superação da divisão sujeito/objeto em Merleau-Ponty se dará por meio de algumas perguntas radicais que situarão o ser em um corpo que reflete sua consciência. Afirma seu conhecimento com os sentidos advindos de suas vivências e afirmará que o ato que não se coloca à parte do fim ao qual está dirigido é o ato perceptivo, ou seja, a percepção e o percebido necessariamente têm uma modalidade essencial, pois ela está na consciência de alguma coisa, ou seja, na consciência que se intenciona nas coisas do mundo. Merleau-Ponty afirma que o conhecimento humano se dá com um pensar que não se dirige ao mundo como um objeto em si ou como uma impressão que se possa ter dele: cogitar é um ato de compreensão-interpretação dos significados do mundo, de suas estruturas ou de arranjos espontâneos de suas partes. “Ao nos dirigirmos aos objetos transcendentes não estamos tendo atos de introspecção, atos intuitivos ou fazendo alguma conversão irracional ou ocultista”.

“Na raiz de todas as nossas experiências e reflexões encontramos, então, um ser que imediatamente se reconhece, porque é o conhecimento de si mesmo e de todas as coisas que possibilitam conhecer sua própria existência, não pela observação de um fato dado, nem pela interferência de alguma ideia de si mesmo, mas pelo contato direto com o mundo”.

Esse modo de se situar no mundo de uma maneira una, nascendo nas coisas, traz no seu bojo uma concepção moderna porque arte e vida estarão juntas a partir do nascimento da linguagem artística pós-idade mimética. A arte moderna será um manifesto constante do homem ligado aos problemas dessa vida que o mundo moderno estava trazendo. Entretanto, determinadas noções pontyanas, a meu ver, são perfeitamente atuais e descrevem com muita pertinência certos atos de conhecimento na contemporaneidade.

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