Edição 378 | 31 Outubro 2011

“O homem no cerne do acontecimento vivo”

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Márcia Junges

 

 

IHU On-Line – Como avalia a questão do corpo e do mundo percebido a partir da obra de Merleau-Ponty?

Vitória Espósito – Retomando a obra Fenomenologia da percepção, lembramos que Merleau-Ponty coloca alguns pontos os quais consideramos fundamentais para apreender a questão corpo e mundo percebido. Nela encontramos os elementos para a viragem epistemológica que se coloca como ponte indispensável para compreensão, na sequência de seus estudos, de certos termos como movimento, profundidade, reversibilidade, quiasma, o visível e o invisível e o de carne como matéria comum entre corpos videntes e corpos visíveis.

Dessa forma, em Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty contrasta o pensamento do empirista inglês de Bacon (1561-1626) ao idealismo racionalista de Descartes (1596-1650). Vale lembrar que o empirismo dessa época considerava que o conhecimento advinha da experiência, enfatizando nesse pensar o método indutivo, pelo qual os fatos particulares são objeto de agrupamentos, experiências e comprovação para se chegar aos conceitos gerais, ao conhecimento. Ainda que esse modo de explicar as coisas se assentava em um modo de compreender o “mundo como algo já dado”. Dessa forma, o comportamento humano era visto como uma simples reação a estímulos externos captados pelos órgãos dos sentidos e registrados no cérebro como percepções. Nesse raciocínio, homem e mundo estão indelevelmente separados. Nessa concepção, o comportamento humano e o psiquismo reduzem-se às suas manifestações objetivas, a reações passíveis de verificação. O resultado, o homem deixando de ser responsável pelo mundo e, dele, irremediavelmente separado.

No segundo caso, o pensamento cartesiano estabelecia a primazia daquele que pensa sobre o objeto pensado, utilizando para isso o método indutivo. O mundo é algo a ser considerado pelo sujeito que o pensa; o comportamento humano é o resultante de uma consciência constituinte de natureza externa (divina) ao sujeito.

 A partir dessas duas correntes do pensamento, considerou Merleau-Ponty que dadas as especificidade de cada concepção, embora diferentes, estas se completavam. Em ambas, o mundo era considerado algo que está aí. O homem, um ser não participante dessa construção, pois ele era algo “já dado”, e a existência em ambos ocorria de forma independente. Dessa maneira, perdia-se de vista a experiência perceptiva concreta, conexão imprescindível entre homem e mundo, síntese que somente seria encontrada posteriormente, por meio do “corpo próprio”.

 

Corporeidade do corpo

E como ocorre tal síntese? Merleau-Ponty considera que o mundo-vida (Lebenswelt) traz uma estrutura significativa que lhe é própria e fundada nas ordens humana, física e biológica. Coloca ainda a ideia de corpo próprio, corpo que é “carne” e que habita a “carne do mundo”. Considera ainda, que é com o corpo encarnado que o homem passa a ser visto como fundamento de uma espacialidade (síntese espacial). Ao reconhecer-se um corpo próprio, situado num determinado lugar do espaço (o presente), é que se viabiliza um afastamento. Afastamento como elemento decisivo que lhe permite projetar um duplo horizonte (o passado e o futuro), produzir movimentos, reversibilidades. Dessa forma, situado na corporeidade do corpo – o corpo encarnado – passa a ser assumido como ponto referencial; o espaço aberto, o vazio a ser habitado pelo corpo em movimento, o que lhe possibilita o existir dialético (homem-mundo).

Apreender esses três grandes momentos do pensamento filosófico e científico de Merleau- Ponty e seus desmembramentos foi crucial e serviu como ponto de referência para leitura que trazemos nesse momento.

 

IHU On-Line – Você delinearia alguma proximidade entre Paulo Freire e Merleau-Ponty? Por quê?

Vitória Espósito – Penso que, se não há uma proximidade, não há também nada que a contradiga. Naturalmente, Merleau-Ponty foi um filósofo de grande expressão no seu tempo. Seu compromisso político, assim como o de Paulo Freire, foi uma característica que o marcou e a toda sua obra projetando-o no cenário de sua época. O mesmo se deu com nosso querido e sempre mestre Paulo Freire. Considero que a relação de proximidade entre ambos constitui-se um tema a ser estudado com o carinho e respeito que ambos merecem.


 

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