Edição 373 | 12 Setembro 2011

Congresso Continental de Teologia: novas perguntas para alimentar a esperança

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Moisés Sbardelotto

María del Socorro Martínez – Exatamente, e pela própria Igreja, que começa a usar outras categorias, definindo o que é o central, uma Igreja para dentro. Há um freio muito forte, uma mudança de linguagem. Então é uma interrogação. João XXIII disse: “Abramos as janelas e as portas da Igreja”, mas agora elas voltaram a se fechar. Por isso, hoje, embora o Concílio seja um ponto de referência importante, é preciso vê-lo no momento presente. Há necessidades de novas coisas.

IHU On-Line – A teologia da libertação, e o próprio conceito de libertação, foi pensada em um contexto específico da América Latina. Hoje, vivemos em outro contexto, embora a libertação continue sendo necessária. Qual o significado da “libertação” hoje e como a teologia pode pensar essa categoria no contexto atual do continente americano?

Pablo Bonavía – É uma pergunta profunda. Vou respondê-la, talvez, indiretamente. No Fórum Social Mundial, um dos seus grandes porta-vozes que é Boaventura de Sousa Santos disse que a questão ecológica incidiu de tal maneira no conceito de libertação que, hoje em dia, ninguém pode exigir exclusivamente que algum outro grupo se encarregue dessa questão. Essa questão envolve a todos e a todas nós. Portanto, a questão ecológica está obrigando toda a humanidade a desaprender uma maneira de se relacionar entre si e com a natureza que tem, sobre o domínio sobre a natureza e sobre o outro, sua categoria privilegiada.
Então, o que eu vejo que tem ocorrido nos últimos anos é um aprofundamento do conceito de libertação. Mas a demanda de libertação torna-se, cada vez mais, clara, no sentido de que recém estamos nos dando conta de até que ponto a modernidade – e, dentro da modernidade, o conceito capitalista de desenvolvimento – tem levado a relações de dominação entre grupos sociais, de países entre si e da humanidade sobre a natureza. A libertação tem que incluir todos esses aspectos: e não no sentido de que alguns libertam outros, mas sim que todos nos encarregamos de um processo em que nos libertamos reciprocamente.

María del Socorro Martínez – A partir da figura de Jesus, eu continuo resgatando a opção pelos pobres, mas não só na forma como a entendemos nos anos 1970. Eu continuo acreditando no pobre como sujeito de revelação privilegiada. E acredito que, às vezes, o mundo quer esquecer que existem pobres – é como uma tentação. Sim, todos estamos em uma complexidade. Mesmo na questão ecológica – e isto está comprovado pelas Nações Unidas –, a maior repercussão é nos setores pobres. No entanto, quem mais resgata a natureza são os povos originários. Arriscam a vida para defender as florestas. Em um mundo tão díspar, alguns são muito ricos, e continua havendo uma maioria pobre, dois terços da humanidade.
Quando questionam a teologia da libertação, eu respondo: “No seguimento de Jesus, a libertação implica também em olhar o mundo a partir daí”. Como eu me comprometo com esse mundo e como o próprio pobre se compromete com a sua realidade? Eu tenho que olhar para aí, porque, do contrário, me afasto desse seguimento de Jesus, radical. A contribuição da teologia da libertação e da América Latina, em particular, continua sendo muito válida, e para o mundo inteiro. Então, não podemos nos eximir dessa libertação. Nessa tentativa de olhar a partir daí, há uma conversão, que não vem de nenhum outro lado. E qual o nosso papel? É uma pergunta muito profunda. Que libertação? Não é só a material, mas também – a vida digna.

Roberto Urbina – Na América Latina, a recepção e a aplicação do Concílio Vaticano II teve sua expressão na teologia da libertação como reflexão teológica. Essa é uma primeira relação e vinculação que é preciso fazer. E, ao fazer isso, a Igreja na América Latina reconhece esse sacramento de libertação nos pobres. E a partir daí é que nós olhamos a construção do Reino. No entanto, no conceito de libertação, há também uma libertação interior, individual e necessária, que é libertar a mim mesmo – essa é a conversão. E também é dessa libertação que estamos falando. Hoje em dia, esse conceito de “pobre” é muito mais complexo do que há 40 anos. Nessa complexidade, eu vejo alguns outros “rostos” (como diz Puebla e depois Aparecida, novamente): a pobreza digital, todas as pessoas que ficam fora desse mundo das redes sociais por falta de recursos, e não porque não querem.

Mas me chama a atenção a busca no campo da espiritualidade. Eu acho que se abriu, hoje em dia, na sociedade, uma busca de rostos de Deus que não são o único rosto de Deus que tínhamos há 50 anos. Hoje, há muitos rostos de Deus, e as buscas são muito variadas. Então, as perguntas que as pessoas se fazem hoje acerca de Deus e sobre si mesmas são também muito complexas e muito diversas. Aí está se produzindo um elemento que complexifica essa libertação e nos obriga a nos colocar nesse processo de busca. Assim como com o Concílio abriu os ouvidos para escutar o mundo, hoje nós também precisamos abrir os ouvidos e escutar as demandas, as perguntas, os desafios do mundo e olhar com muita atenção para perscrutar esses sinais dos tempos, como dizia o Concílio, e a partir daí construir o reino de Deus. 

María del Socorro Martínez – Na teologia da libertação, o primeiro momento é analisar a realidade. A agenda, por assim dizer, tem que ser ditada pela realidade, não por nós. O que está acontecendo no mundo atualmente e como perscrutar esses sinais? Isso é muito difícil, mas continua sendo muito válido. Hoje em dia, as mudanças da Igreja partem da doutrina, do magistério. Isso muda totalmente, porque é a Igreja que tem as respostas antes de ver a realidade. Nesse sentido, a teologia da libertação continua sendo uma diferença muito grande e, para nós, muito necessária e válida.

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