Edição 371 | 29 Agosto 2011

Uma filosofia para compreender a crise ambiental

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Márcia Junges



IHU On-Line - Pensando nas teorias morais desses dois filósofos, quais seriam os grandes desafios éticos da técnica contemporânea?

Helder Buenos Aires de Carvalho - Não dá para detalhar aqui esses desafios éticos, pois que o emprego da tecnociência na vida humana é bastante extenso e cheio de novidades no tocante à geração de questões éticas. Mas eu penso que Jonas e MacIntyre estão profundamente preocupados com a racionalidade instrumental que invadiu a vida humana em todas as suas esferas; e é aqui que reside o desafio fundamental para nós: como reverter essa invasão indevida da racionalidade tecnocientífica no mundo da vida sem perder os benefícios que essa mesma forma de racionalidade nos proporciona? Para Jonas, o grande desafio é como fazer com que a técnica volte a ser um instrumento para o homem e seus fins éticos, não o homem estar a serviço da racionalidade da técnica, esta autonomizando-se cada vez mais e enfraquecendo o universo ético da vida humana. Para MacIntyre, o esvaziamento valorativo promovido pelo fracasso do projeto iluminista em fundamentar racionalmente a moralidade abriu espaço para a colonização do mundo da vida pela racionalidade instrumental, fazendo com que as virtudes deixassem de ser centros morais para a identidade do agente moral e se reduzissem a fragmentos psicológicos de indivíduos separados e anteriores à vida social. O problema que se coloca para ele é que a mudança necessária para mudar isso passa por um reposicionamento da racionalidade ética no modo de agir e pensar contemporâneos, de modo que racionalidade dos fins, a racionalidade ética, não seja sobreposta ou dominada pela racionalidade dos meios, própria da racionalidade instrumental ou técnica. E isso tudo implica, na ótica dos dois filósofos, enfrentar uma mudança não só de natureza cognitiva, espiritual, mas também social e econômica profunda, o que é obviamente uma tarefa de gerações e bastante cheia de empecilhos.

IHU On-Line - Em que sentido a ética da responsabilidade de Jonas serve como base para a construção de uma teoria que dê conta da questão ambiental contemporânea?

Helder Buenos Aires de Carvalho - A questão ambiental contemporânea não pode ser compreendida adequadamente apenas como um problema de natureza biológica, de sobrevivência de algumas espécies, entre elas a humana, ou econômica, como se fosse resultante de algum modelo produtivo ineficiente ou fracassado. É justamente porque ela é resultante da intervenção humana de forma bem sucedida, pelo fato preciso de ter sido escandalosamente eficiente, que a compreensão adequada dela deve incluir a dimensão ética da responsabilidade tal como indicada por Jonas. Qualquer teoria que se proponha a dar conta da questão ambiental em sua plenitude não pode deixar de lado a responsabilidade humana na origem e na condução dela. A responsabilidade que os humanos adquiriram com o poder proporcionado pela tecnociência assumiu uma proporção tal que ela se tornou impensável a partir dos parâmetros da ética tradicional. A ética da responsabilidade de Jonas é uma base importante para dar conta da questão ambiental porque aponta para fatores absolutamente iniludíveis que a constituem. A crítica ao antropocentrismo e o reconhecimento da amplitude da responsabilidade humana não só com o presente, mas com o futuro, são componentes filosóficos importantes para se buscar soluções e alternativas para a manutenção e qualidade de vida como um todo no planeta, não só para nós, mas para as gerações futuras e os outros seres vivos.

IHU On-Line - Nesse sentido, o princípio responsabilidade poderia ser pensado como um imperativo ético? Por quê?

Helder Buenos Aires de Carvalho - O princípio responsabilidade proposto por Jonas é seguramente um imperativo ético, no sentido forte da palavra “imperativo”, na medida em que ele é a expressão da afirmação de um valor moral fundamental: a vida, não só a vida humana, mas a vida como tal, incluindo humanos e não humanos. E é um imperativo ético fundamental porque visa garantir a própria possibilidade da vida ética dos indivíduos humanos, qualquer que seja a configuração que ela assuma no futuro; é como que uma condição de possibilidade de toda e qualquer moralidade particular: sem a garantia de que haja vida humana no futuro, não haverá a possibilidade de qualquer ética, pois a ética, embora não antropocêntrica, é antropológica, no sentido de que, sem a vida humana e a liberdade que lhe é própria, não haverá ética. Se não nos colocarmos esse dever ético fundamental, de garantir a vida humana autêntica agora e no futuro, não haverá viabilidade para qualquer formulação ética particular. A preservação da vida é um imperativo ético que se coloca como exigência do próprio ser do humano, cuja vida biológica não pode ser separada da vida como um todo no planeta, ao mesmo tempo em que adquiriu a possibilidade de destruí-la, de dar fim a ela, alçando voo dessa mesma vida biológica, como que ilusoriamente querendo se apartar dela.

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