Edição 367 | 27 Junho 2011

Igreja e internet: uma relação de amor e ódio

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Patricia Fachin



IHU On-Line – Como se dá a interação entre fiel, Igreja e Deus no ambiente digital brasileiro?

Moisés Sbardelotto – São as “ações entre” sistema e fiel que possibilitam a comunicação e a construção de sentido religioso na internet. De outra forma, isso não ocorreria. Na pesquisa, analiso essas interações por meio de três eixos conceituais – interface (as materialidades gráficas dos sítios católicos), discurso (coisa falada e escrita nos sítios católicos) e ritual (operações, atos e práticas do fiel).
Com relação à interface, o sagrado que é acessado pelo fiel passa por diversos níveis de codificação por parte do sistema. Analisamos quatro deles: 1) a tela; 2) periféricos como teclado e mouse; 3) a estrutura organizacional das informações (menus); e 4) a composição gráfica das páginas em que se encontram disponíveis os serviços e rituais católicos. Ou seja, a interação é possibilitada porque o fiel decodifica o sagrado a partir da configuração computacional ofertada pelo sistema. Por meio de instrumentos e aparatos físicos e simbólicos, o fiel “manipula” o sagrado ofertado e organizado pelo sistema e navega pelos seus meandros da forma como preferir. Por meio da interface, o sistema informa ao usuário seus limites e possibilidades, e este comunica ao sistema suas intenções. O sistema indica ao fiel não apenas uma forma de ler o sagrado, mas também uma forma de lidar com o sagrado, que raramente é neutra ou automática: ela carrega consigo sentidos e afeta a mensagem transmitida.
Por outro lado, o contato entre fiel e sagrado passa pelo discurso, pela narração da fé, pela “realidade material de coisa pronunciada ou escrita”, nas palavras de Michel Foucault . Nos sítios brasileiros, esse discurso é construído a partir de três atores: o fiel (o internauta); um “outro” (com quem o fiel dialoga e intercede junto ao sagrado); e um “Outro”, o destinatário último (Deus, Nossa Senhora ou os santos, por exemplo). É por meio do discurso, portanto, que se gera o sentido religioso nos sítios católicos. Nele, é possível perceber virtualmente entidades como o “enunciador” e o “enunciatário” – que estão inscritas e vivem no interior do texto –, assim como as regras para as interações entre eles, já que o discurso não é simplesmente “aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”, como também aponta Foucault.
Por último, o fiel interage com o sagrado por meio de rituais. Até então celebrados no templo físico, eles agora se deslocam para o ambiente online (como, por exemplo, as “velas virtuais”, o “terço virtual”, a “adoração ao Santíssimo”, missas etc.). Por isso, os chamados rituais online são atos e práticas de fé desenvolvidos pelo fiel por meio de ações e operações de construção de sentido em interação com o sistema católico online para a busca de uma experiência religiosa. O ritual online, portanto, esclarece mecanismos e processualidades fundamentais do fenômeno religioso contemporâneo. Tudo isso, analisado mais detalhadamente, estará disponível no Cadernos IHU, n. 35, que sintetiza a pesquisa.

IHU On-Line – Como o religioso pode ser explicado e entendido em uma sociedade em midiatização?

Moisés Sbardelotto – O que se constata hoje é um desvio do olhar do fiel dos templos tradicionais para os novos templos digitais, que estimulam, sob novos formatos e protocolos, a experimentação de uma prática religiosa que encontra suas raízes na realidade offline (como o “acender de velas”), mas que agora é ressignificada para o ambiente digital. Existe algo que faz com que o indivíduo prefira praticar a sua fé na internet, em vez de fazer isso na igreja de seu bairro.
Portanto, se a comunicação (suas lógicas, seus dispositivos, suas operações) está em constante evolução, a religião, ao fazer uso dela, também acompanha essa evolução e é por ela impelida a algo diferente do que tradicionalmente era. É essa complexidade da interface entre o fenômeno da comunicação (a partir de suas ocorrências concretas, como o caso da internet) e o fenômeno religioso (a partir da utilização dos dispositivos comunicacionais para a sua ocorrência) que exige maior atenção por parte da Igreja e dos pesquisadores.

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