Edição 367 | 27 Junho 2011

A política social brasileira e o estado de bem-estar

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Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin



IHU On-Line – Que política pública seria necessária para acabar com a miséria e a pobreza brasileiras?

Jorge Abrahão de Castro – No caso brasileiro, penso que seja fundamental fazer chegar aos indivíduos e suas famílias pobres os elementos de ampliação das habilidades e capacidades, além daqueles meios que permitam a plena realização desses atributos. No entanto, enquanto tudo isso não gera o efeito de prover a renda necessária ao padrão de bem-estar desejável, uma das políticas centrais deve continuar a ser a transferência de renda. Há um conjunto da população pobre que tem educação formal muita baixa, ou nenhuma educação, entre outras carências, além de ter uma frágil ligação com o mercado de trabalho. Não adianta pensar que vai haver instantaneamente uma estrutura de geração de renda no mercado para essas pessoas, pois suas conexões com o mercado são muito ruins. É preciso, nestes casos, em primeiro lugar, dar-lhe condições mínimas de bem-estar, assim como à sua família. Ou seja, transferir renda monetária. Conjugado a isso, há as tarefas permanentes do Estado, ou pelo menos deveria ser, de produzir e prover bens e serviços sociais fundamentais às pessoas (educação, saúde, saneamento básico, serviços socioassistenciais, etc.) em quantidade e qualidade necessária. Além disso, é tarefa fundamental da política pública estabelecer um conjunto de programas e ações geradoras de possibilidades para que os indivíduos possam exercer suas habilidades e capacidades, mediante maior ampliação de possibilidades geradoras de renda e trabalho. No limite, o Estado deve garantir o emprego e renda das pessoas naquilo que o mercado não dá conta, permitindo que as pessoas possam construir suas rendas e vidas através do trabalho e sendo remuneradas para tal.

IHU On-Line – Como avalia o plano recém lançado da presidenta Dilma de erradicar a miséria brasileira?

Jorge Abrahão de Castro – Primeiramente, penso que o governo da presidenta Dilma foi bastante corajoso, porque erradicar a pobreza extrema, considerando a linha de 70 reais (é bastante próximo do critério estabelecido pela ONU para as metas do milênio), é um grande desafio e de grande dificuldade. Considerando os países que assinaram as metas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, seríamos o primeiro país a erradicar a pobreza extrema nesse curto período de tempo. Por outro lado, é uma ação complexa, porque os extremamente pobres, apesar de sua homogeneidade nas carências, estão heterogeneamente distribuídos nas localidades e nas regiões do país, o que vai exigir muita competência e governança. Não se trata, portanto, de uma operacionalização trivial. Não vai ser fácil levar o plano em todas suas nuances adiante. Entretanto, isso vai significar uma ação muito importante para o Brasil e o mundo. Para o mundo pelo efeito de demonstração, de que é possível erradicar a miséria, desde que se tome isso como uma prioridade de governo. Para o país, pelo efeito concreto da eliminação de uma situação inaceitável para uma nação que se pretende ser desenvolvida. Além disso, teria um efeito muito importante para a economia brasileira, porque esse conjunto da população estaria entrando nas estruturas de consumo, tornando-se um importante vetor permanente de demanda de bens e serviços no mercado interno. Também será um elemento importante para implementar a participação social, para ampliar a experiência do próprio governo em lidar com um conjunto da população que fica normalmente esquecido. Essas pessoas, às vezes, são lembradas nos livros, mas esquecidas na prática. Por isso, penso que a iniciativa do governo Dilma é tão importante. A estratégia proposta de trabalhar com transferência, inclusão produtiva de bens e serviços é, no meu entender, correta. Penso que é algo fundamental iniciar esse tripé de forma objetiva, mediante a busca, identificação e institucionalização dos que estão fora do sistema. A ampliação do Bolsa Família para aqueles que estavam fora e a inclusão de um número maior de crianças é outra forma adequada. As crianças também serão, de início, beneficiadas. A inclusão produtiva voltada para o meio rural foi também lembrada. A pobreza extrema brasileira está muito focada no meio rural, mas este, em termos de políticas públicas de ação produtiva, é mais homogênea. Já de início para as famílias rurais, foi estruturado o acesso a determinados recursos a fundo perdido para incrementar sua estrutura produtiva. Por outro lado, há também uma preocupação ambiental com a oferta de uma espécie de bolsa ambiental para a população pobre cuidar do meio ambiente. Ainda falta muita coisa a ser desenhada, como, por exemplo, a forma como fazer chegar saneamento a essa parte da população que não a possui, para que não tenhamos pessoas vivendo no meio do esgoto, em favelas precárias. É um exercício válido, importante e que irá exigir muito do governo e da sociedade, uma vez que o governo colocou isso como uma ação sua, mas a fiscalização será feita fundamentalmente pela sociedade, que irá contribuir nesse movimento.

IHU On-Line – Como o senhor avalia o financiamento público social? Que percentual do PIB é destinado à área social?

Jorge Abrahão de Castro – Calculamos que algo em torno de 23% é o que é abarcado pela política social. Ou seja, quase ¼ da economia brasileira gira em torno dessa estrutura. Metade disso vai para as estruturas de previdência social. Esse é um vetor importante, principalmente o da previdência do sistema geral, que atinge a população brasileira. Já a previdência do setor público é um gasto que não é redistributivo, porque há maiores salários e garantia de previdências completas. Outra parte importante do gasto social é a educação e a saúde. O gasto em educação gira atualmente em torno de 5% do PIB. Há uma discussão atual de ampliar esse valor um pouco mais, o que será importante para ampliar a oferta e melhorar a qualidade, e que pode ser fundamental para quebrar o ciclo da pobreza. O investimento em saúde, por sua vez, atinge 3,5% do PIB. A assistência social, que inclui o Bolsa Família, gasta cerca de 1% do PIB. A área de trabalho e renda também atinge cerca de 1% do PIB, e os gastos principais são com o seguro desemprego e abonos. Esse é o núcleo duro do gasto com a política social. No Brasil, o gasto com o social é um dos mais elevados da América do Sul, mas é bem mais baixo daqueles que são efetuados pelos países desenvolvidos. O lado ruim do atual sistema de financiamento social está na estrutura tributária, que é muito regressiva. Por exemplo, as pessoas que estão na extrema pobreza acabam pagando muito imposto de forma indireta.

IHU On-Line – Que investimentos em educação são mais urgentes?

Jorge Abrahão de Castro – Essa é uma discussão que está ocorrendo agora em torno do Plano Nacional de Educação – PNE. Temos necessidades de acesso e de qualidade. O acesso deve ser expandido consideravelmente para as crianças mais pobres como, por exemplo, a necessidade da oferta de mais creches. No ensino médio, há problema de frequência na escolarização. Mas ainda precisamos melhorar quantitativamente. A educação profissional é uma urgência. No ensino superior, o acesso é muito baixo em termos públicos, com preponderância do ensino privado. Olhando por esse lado, digo que temos um problema de acesso. Lateralmente a isso, há a questão da qualidade. É preciso oferecer escolas de qualidade, nas quais a criança possa ter acesso desde sua mais tenra idade. Isso vai fazer outro país. Tudo isso tem que ser permeado pela saúde e pela alimentação. Nossa escola pública precisa melhorar muito e, para tanto, vai precisar de mais recursos que os atualmente disponíveis.

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