Edição 364 | 06 Junho 2011

A loucura como produção e construção sociais

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Márcia Junges



IHU On-Line - Hegel  afirmou que a loucura não seria a perda abstrata da razão: “A loucura é um simples desarranjo, uma simples contradição no interior da razão, que continua presente”. Como podemos compreender essa concepção de loucura face aos métodos tradicionais de tratamento e “cura”?

Guilherme Branco - Alguém realmente deseja curar? Quem é o curador? Um juiz, um psiquiatra, uma assistente social, um psicólogo, um pai de santo, um pastor, quem afinal, é que cura? O que significa “curar”? Quem deseja ser curado, e qual é o sentido de cura para os pacientes (o termo é bom!) deste processo? Um band-aid é um curativo, não?

IHU On-Line - Sob quais aspectos sanidade e loucura são construções sociais que demonstram o poder dos “saudáveis” sobre os “dementes”?

Guilherme Branco - O mundo político, na atualidade, disse Foucault certa vez, funciona nos moldes dos hospitais psiquiátricos. A afirmação foi feita numa das vindas de Foucault ao Brasil, quando permitiu que a Revista Manchete (que hoje seria a Caras) publicasse um pequeno texto com o sugestivo título O mundo é um grande hospício. A publicação ocorreu em 16 de junho de 1973. O texto, no Dits et écrits, tem o número 126. Cito: “Hoje, o mundo está em vias de evoluir para um modelo hospitalar, e o governo adquire uma função terapêutica” (Dits et écrits, vol II, 19994, p. 433). “O mundo é um grande hospício no qual os governantes são psicólogos, e o povo, os pacientes” (p. 434). O que está em jogo neste modelo político-terapêutico? A adequação das pessoas ao padrão de desenvolvimento social. Assim, em muitos países, assistentes sociais ensinam as famílias a adequar seus orçamentos domésticos; terapeutas ensinam pessoas a não se deixarem levar pela compulsão ao consumo; pedagogos e economistas tornam-se obsedados pela questão da mão de obra qualificada, médicos ensinam cuidados com a saúde, e por aí vai. Neste gigantesco “hospital”, as pessoas são incitadas a viverem segundo um certo padrão de normalidade, de saúde, de “comportamento”.

IHU On-Line - Como podemos compreender que a experiência da loucura foi “confiscada” pela razão? O que isso demonstra sobre o biopoder ao qual somos submetidos?

Guilherme Branco - Vivemos em um mundo no qual a razão tende a excessos, em nome da ciência, da técnica, malgrado as vantagens trazidas pelas construções e invenções da técnica e do conhecimento em geral. Nem todos os efeitos da ciência e da técnica são negativos. Muita coisa boa veio disto. Mas nunca devemos esquecer que foram grandes competências técnicas que idealizaram, construíram e fizeram e ainda fazem funcionar as diferentes modalidades de campos de extermínio, antes e agora. Por extensão, temos que visualizar os malefícios produzidos pela racionalidade ocidental, e não nos iludirmos quanto a seus efeitos.

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