Edição 356 | 04 Abril 2011

A necessidade de uma outra política macroeconômica

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Patrícia Fachin

IHU On-Line – Muitas empresas chinesas são estatais e estão comprando terras no Brasil. A partir deste fato, é possível pensar que o Estado chinês está se apropriando, de alguma maneira, do território brasileiro? Ao invés de comprar commodities brasileiras, eles poderão, no futuro, comprar suas próprias matérias-primas em terras brasileiras, ou melhor, chinesas? Como fica a concorrência e a relação dos países nesse sentido?

David Kupfer –


IHU On-Line - Dilma anunciou a criação do “grupo China” para estudar a relação comercial com o país. Como vê essa iniciativa? Trata-se de uma estratégia para conseguir a penetração de empresas brasileiras no mercado chinês?

David Kupfer –
É uma estratégia necessária porque o Brasil não pode romper com a China. Por um lado, a relação com os chineses é positiva porque ela trouxe uma mudança no eixo dinâmico da economia mundial, a qual é boa para o Brasil. O país não pode ser contra isso, mas deve ter uma posição mais firme diante desse novo impulso. O que a China propõe para o Brasil hoje é o mesmo que os EUA propuseram há 50 anos. De algum modo, a resposta brasileira foi tanto de aproximação quanto de muita contestação das posições americanas. Apesar disso, está estabelecendo uma relação parecida com os chineses.


IHU On-Line - Como vê a posição do governo brasileiro diante do pré-sal? Seria este o momento de o país guinar para outro modelo econômico, sustentado pela economia de baixo carbono?

David Kupfer –
Não tenho dúvidas de que o Brasil tem de investir no pré-sal. Deixo a futurologia para os futurólogos e, se alguém achar que o petróleo irá acabar em 2030 ou 2050, tudo bem. Até lá, o petróleo é e seguirá sendo um tremendo ativo, de importância econômica fundamental pelo que pode significar de divisas e desenvolvimento. Além do mais, é um ativo geopolítico importantíssimo e é com ele que o Brasil pode sair desse andar de baixo em que a China está querendo nos colocar.
O Brasil tem que investir no petróleo sem se tornar dependente. Então, tem de desenvolver novas fontes de energia, os biocombustíveis, a economia de baixo carbono. O país não pode ser binário: investir tudo ou desistir.


IHU On-Line - Que política econômica é necessária para que a atividade industrial gire na direção do desenvolvimento tecnológico, tal como o senhor propõe em seus estudos? O que Dilma sinaliza nesse sentido? O Brasil está preparado para investir nessa área?

David Kupfer –
Penso que a indústria ainda não está preparada. O problema da inovação no Brasil é amplo e tem raízes tanto na estrutura da indústria quanto no comportamento das empresas e do governo. Então, são raízes estruturais e comportamentais.
A raiz estrutural mais imediata é o fato de que a economia brasileira não remunera a inovação, quer dizer, não há incentivo porque os setores em que se consegue dispor de empresas mais robustas, que poderiam se deixar atrair pela inovação, são maduros tecnologicamente enquanto os setores mais dinâmicos do ponto de vista inovativo resentem-se da ausência de uma capacitação empresarial compatível.
Outra questão tem a ver com o fato de que o empresariado brasileiro demonstra uma enorme aversão ao risco – talvez por questões justificáveis, porque enfrentou muitas dificuldades ao longo dos últimos 30 anos. O risco tecnológico, que é realmente muito elevado, parece não muito atrativo quando cotejado com a segurança de se manter a produção industrial limitada aos produtos de menor conteúdo tecnológico. O governo, por sua vez, tem muitas restrições legais, jurídicas e organizacionais para transferir recursos para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, especialmente no que diz respeito aos financiamentos a fundo perdido, que são muito importantes na questão de ciência e tecnologia. Então, o Brasil não tem um modelo eficaz para o financiamento dos grandes projetos estruturantes de ciência e tecnologia nacionais.
Finalmente, o país não consegue fazer a ciência e a tecnologia convergirem. Cada uma tem uma lógica e seguem orientações diferentes. À medida que o objetivo da inovação vai ganhando importância, fica mais claro que existe um problema de longa data: casar política industrial com política tecnológica. Estamos descobrindo, porém, que, além desse problema antigo, existe outro que estava escondido: fazer as políticas científica e tecnológica andarem juntas. Então, há um problema ainda maior do que se imaginava: fazer a política industrial, tecnológica e científica convergirem. Esse é um processo longo e não se deve esperar avanços rápidos. Já se avançou bastante em relação ao que existia há 25 anos. Ocorre que se avançou bastante em relação à realidade do Brasil, mas em termos de comparação internacional, se avançou pouco e o país está ficando para trás.


IHU On-Line – A política econômica do governo sinaliza também para o desenvolvimento social do país?

David Kupfer –
Essa é uma pergunta difícil. A diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento não é uma questão numérica, pois um país pode crescer 5% sem desenvolver ou crescer 3%, desenvolvendo. Desenvolvimento é crescimento mais alguma coisa. Para um estruturalista como eu, essa “alguma coisa” significa mudança estrutural. No caso específico do governo Lula, percebemos que a preocupação esteve focada em destravar o crescimento econômico. Principalmente o segundo governo Lula buscou crescimento econômico, mas não teve um foco claro na mudança estrutural.
O discurso de campanha da Dilma sinalizou para uma nova fase em que se buscaria mudança estrutural. Mas para ter a mudança estrutural de fato precisamos de um Estado com capacidade de planejar, uma política econômica baseada em planejamento. Evidentemente que não o planejamento antigo, tecnocrático, mas sim um planejamento indicativo, que aponte direções, que favoreça a coordenação das decisões empresariais, que reduza os riscos dos investidores etc. A questão é que planejar significa fazer escolhas, ou seja, financiar determinadas ações e não outras, apoiar certas iniciativas, valorizar determinadas empresas em vez de outras e, assim, sucessivamente.

A dúvida é se esse novo governo está se preparando para fazer escolhas. Ainda está muito cedo para dizer, mas neste momento o governo parece novamente estar focado no dilema inflação-crescimento. Existe uma preocupação legítima do governo em relação ao retorno da inflação, porque ela pode corroer o poder de compra, que está na essência do mecanismo de crescimento da economia brasileira.
Anteriormente, falei que o modelo de estabilização adotado no Brasil cria um ambiente hostil para a indústria, mas, por outro lado, que ele dava um “cala boca” para o setor, dizendo o seguinte: “A indústria perderá competitividade, os custos serão crescentes. No entanto, o mercado interno será comprador. O mercado interno, que não comprava nada, agora comprará muito”. Enquanto o mercado interno estiver crescendo seu poder de compra, a indústria consegue compensar a perda de competitividade. Mas se vem um processo inflacionário, que começa a corroer o poder de compra, mata-se a galinha dos ovos de ouro desse modelo chamado consumo de massas que está sendo praticado atualmente. Então, o governo tem muito medo da inflação por causa desses efeitos que ela pode gerar no ponto focal do modelo de crescimento que vem sendo adotado no Brasil e vem dando a hegemonia política ao partido da atual presidente.


IHU On-Line – Mesmo Dilma declarando que está preocupada com a erradicação da miséria, o objetivo é crescimento? Ou os dois poderão caminhar juntos neste governo?

David Kupfer –
Podem e devem caminhar juntos porque a demanda interna tem uma locomotiva e vários vagões. Desde os anos 1990, vem ocorrendo uma série de medidas de transferência de renda, formalização do emprego, aumento do salário mínimo que continuam colocando mais vagões no trem do consumo. O vagão que entrou na rodada anterior foi a chamada classe C, mas ainda é possível levar isso a diante, incluindo as classes D e E. Na hora em que se conseguir incorporar mais esses 30 milhões de pessoas ao consumo, mais fôlego será dado ao crescimento. A transformação chinesa é essa também. A diferença é que eles estão incorporando 300 milhões de pessoas por vagão ao invés de 30 milhões.


Leia Mais...

David Kupfer
já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Acesse na página eletrônica do IHU (WWW.ihu.unisinos.br).

• Desatar o nó cambial. Eis o desafio econômico brasileiro. Entrevista publicada nas Notícias do Dia em 21-12-2010

• A política cambial e o crescimento econômico. Entrevista publicada na edição 306, de 31-08-2009

• Pré-sal: uma nova perspectiva para o desenvolvimento econômico brasileiro. Entrevista publicada nas Notícias do Dia em 16-09-2008

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