Edição 253 | 07 Abril 2008

“Uma legitimação da relação civil constitui um direito humano no desenho das políticas para a construção de novas cidadanias”

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Graziela Wolfart

Darío García fala sobre “homens que se apaixonam por outros homens”, ao abordar o tema da homossexualidade

Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, o professor e pesquisador Darío García, da Pontificia Universidad Javeriana, de Bogotá (PUJB), fala sobre a importância de “compreender o amor entre iguais como um sentimento humano, que permite a um sujeito sair de si mesmo para transcender a outro, expressado na cotidianidade para outorgar-se um sentido à existência e constituir-se em horizonte de realização humana”. Ao comentar sobre a relação afetiva entre homens, ele aponta o desafio de vencer o chamado “patriarcado gay” e aborda o desafio da humanização das relações e das uniões entre iguais para vivenciar a plenitude humana com dignidade.
Hemberg Dario Garcia Garzon é autor do livro Cruzando los umbrales del secreto: acercamiento a una sociología de la sexualidad (Bogotá: Editorial Pontificia Universidad Javeriana, 2004). A obra foi inspirada em sua dissertação de mestrado, defendida na Universidad Nacional De Colombia (UNDC), quando desenvolveu um estudo sociológico das ofertas estilísticas das Casas de Banho para Homens, em Bogotá. É licenciado em Filosofia e Ciências Religiosas, pela Universidad Santo Tomas, de Bogotá, e em Teologia, pela Pontificia Universidad Javeriana - Bogotá (PUJB), onde atualmente é professor no Departamento de Teologia. Confira a entrevista:

IHU On-Line - O que deve ser considerado quando falamos de uma sociologia da sexualidade?
Darío García
- Quando falamos de sociologia da sexualidade, devemos considerá-la como uma disciplina acadêmica que pretende aproximar-se do sexo para abordá-lo como um fato social, ou seja, como uma ação construída pelos/as sujeitos através das relações sociais sobre o dado biológico outorgado pela natureza dos corpos. Assim, a partir das ferramentas conceituais de Pierre Bourdieu,  podemos considerar a sociologia da sexualidade como um campo epistemológico, no qual o sexo constitui um capital simbólico criado pelos/as sujeitos, e se configura no objeto de luta e de crenças nos jogos sociais. Conseqüentemente, o sexo pode compreender-se como uma propriedade e uma prática. De um lado, corresponde ao dado físico-anatômico por lei natural, referente para distinguir a diferença sexual biológica, como também dispositivo do coito e da reprodução. Por outro lado, corresponde ao dado sociocultural, construído a partir das relações sociais, constitutivo das representações simbólicas, mas, ao mesmo tempo, configurado no dispositivo da expressão do desejo, do prazer e do gozo. Cabe acrescentar que o sexo igualmente se converte no dispositivo das lógicas da produção e do consumo de uma identidade. E é importante lembrar também que a idéia de falar de sociologia da sexualidade emerge no final do século XIX, na escola de sociologia franco-espanhola. Seu principal representante é Oscar Gausch, que promulga uma des-biologização da compreensão do sexo e da intimidade. 

IHU On-Line - O senhor pesquisou o universo das casas de banho para homens. O que esse ambiente revela sobre o homossexualismo que o senhor destaca como mais fascinante?
Darío García
- Antes de qualquer coisa, esclareço que, semanticamente, é preferível aludir à homossexualidade, e não ao homossexualismo, com o objetivo de evitar mencioná-lo como um vício ou uma patologia. Assim, prefiro usar a expressão “homens que se apaixonam por outros homens”, dado que, se falarmos de homossexualidade, nos referimos por oposição à heterossexualidade. A expressão “homens que se apaixonam por outros homens” é metafórica, a fim de aludir a uma experiência existencial de amor entre iguais, conforme o significado de paixão, segundo o sociólogo Giddens:  “Era, em outros tempos, uma palavra referida ao êxtase e à devoção religiosa. Se referia justamente a esses momentos no qual o indivíduo se sente em contato com forças cósmicas, com um mundo situado mais além da experiência cotidiana […] a noção de paixão perdeu quase por completo este significado e se secularizou, confinando-se principalmente ao terreno do sexual. No comportamento sexual, se distinguiu sempre entre o prazer e a procriação. No entanto, ao criarem-se os novos nexos entre sexualidade e intimidade, a sexualidade se separou da procriação muito mais plenamente que antes. A sexualidade ficou duplamente constituída como meio de realização própria e como instrumento primordial e expressão da intimidade” (Giddens, 1995, p. 207, 209). Conseqüentemente, o fascinante que descobri na casa de banho para homens é o fato de considerá-la como um campo de luta em torno do capital viril, e como um objeto de luta entre seus ocupantes. Quando me refiro ao capital viril, faço alusão a um conteúdo simbólico do homem ideal, buscado naquele espaço, dotado de beleza, juventude e hiper-anatomia genital. Também considero que o capital viril está associado ao pênis como um órgão flutuante e desejado pelos ocupantes, constituindo a divindade simbólica em seus psiquismos, e, deste modo, uma experiência religiosa entre os sujeitos, porque é o objeto de adoração. Assim, a casa de banho se configura em um lugar físico, transferido desde os psiquismos, no qual se adora o pênis nos corpos masculinos dos sujeitos, neste sentido, como um templo sagrado dedicado à ritualização do pênis em seu estado ereto. Como caráter de observação, uma descoberta importante se refere à identificação da reprodução do machismo entre homens nas lógicas de produção e consumo do mercado gay, porque alguns tratam os outros homens como se fossem mulheres, e a magnificação exagerada do pênis constitui relações assimétricas, ao ponto que se pode equiparar com a reprodução do patriarcado, e deste modo, pode aludir-se a uma espécie de “patriarcado gay”.

IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre a relação civil homossexual? Essa aprovação jurídica contribui em que sentido para entendermos as transformações na sociedade contemporânea?
Darío García
- A relação civil homossexual está associada às lutas de emancipação dos sujeitos que vivem o acontecimento dos “homens que se apaixonam por outros homens”, que são objeto das formas de violência simbólica expressadas através da homofobia, como uma expressão inconsciente da misoginia. Deste modo, uma legitimação da relação civil constitui um direito humano no desenho das políticas para a construção de novas cidadanias e na autenticidade das formas de ser da dignidade humana. Esta aprovação jurídica na sociedade contemporânea pode ser uma das manifestações da descolonização das culturas, as quais têm sido submetidas pelas estruturas androcêntricas, patriarcais e machistas. Isto constitui um ponto de partida para devir as compreensões legitimadas das formas de intimidade que haviam sido reprimidas e reprovadas na tradição das sociedades marcadas por uma moral ortodoxa. 

IHU On-Line - Como essa questão do casamento gay é vista pela sociedade e pela Igreja da Colômbia? Acha que o povo latino-americano encara com mais ou menos preconceito as uniões homoafetivas?
Darío García
- Cabe aqui mencionar a homofobia, não tanto como uma aversão, mas como um temor, que se produz no inconsciente dos/as sujeitos diante do caso dos “homens que se apaixonam por outros homens”. Esta delimitação nos permite compreender porque existe uma repulsa à união e à convivência entre iguais. O caso, para o catolicismo, segue uma antropologia teológica,que é heterossexista, coitocêntrica e reproducionista, dado que o fundamento é o contexto judeu-cristão e alude à bendição de Deus à fertilidade e à prole. Deste modo, a sacramentalidade para vincular a união entre iguais é inadmissível para a cristandade, e em particular para o catolicismo. Mesmo que a dimensão da sacramentalidade não seja possível em razão do imaginário da sodomia e do pecado nefando, é importante aludir à importância que as comunidades de crentes devem outorgar-lhe em respeito às uniões entre iguais, dado que isto permite arrematar-lhes uma posição eclesial da dignidade humana, a possibilidade para o desenho de hermenêuticas teológicas que permitam discorrer na tolerância, e o melhoramento na qualidade de vida para evitar formas discriminatórias e/ou excludentes. 

IHU On-Line - Como definir o amor homossexual? Como se dá a troca de carinhos e a ajuda mútua entre casais gays?
Darío García
- É importante aludir novamente à expressão “patriarcado gay”, pela magnificência do pênis, para demarcar que isto pode gerar relações de assimetrias e dominação entre homens, não só no trato entre seus corpos, mas também no jogo de funções, nas quais se observam o jogo do imediatismo do lúdico, hedônico e erótico das relações entre homens, contextualizadas nas lógicas de produção e consumo do mercado gay. A delimitação mencionada permite identificar os entraves que, às vezes, nos impedem de compreender o amor entre iguais como um sentimento humano, que permite a um sujeito sair de si mesmo para transcender a outro, expressado na cotidianidade para outorgar-se um sentido à existência e constituir-se em horizonte de realização humana.
 
IHU On-Line - Como os homens gays lidam com a questão da masculinidade e da virilidade? 
Darío García
- Nos deparamos ante as lutas das visões errôneas, ante os “homens que se apaixonam por outros homens” porque os associamos a estados psíquicos e comportamentais mulheris, outorgando-lhes adjetivações com uma linguagem excludente feminilizada, por exemplo, “louca”, “maricas” etc. Mas cabe aludir também às mesmas auto-identificações que alguns deles fazem de si mesmos nas formas de feminilização de sua identidade, se auto-considerando e se auto-referindo como se fossem mulheres. Por exemplo, em suas linguagens, adotam uma alusão ao papel feminino e em suas ademães caricaturizam as posturas femininas. Esta questão de trabalhar a masculinidade e a virilidade se constitui em um desafio, porque a maioria dos “homens que se apaixonam por outros homens” se preocupa e antepõe a orientação sexual aos assuntos de reflexão acerca de sua masculinidade. Da mesma forma, na maioria dos casos, evadem uma atitude crítica ante as formas de compreensão da virilidade, reproduzida nas lógicas de uma espécie de machismo gay. Este pode associar-se, como mencionei, a uma estrutura de “patriarcado gay” latente nas lógicas de produção e consumo gay, os quais impõem no inconsciente coletivo dos sujeitos que os freqüentam uma forma de ser identitária hegemônica. Deste modo, estas lógicas poderiam configurar-se em dispositivos de dominação. Assim, podemos compreender que o “gay” pode se converter em um dilema, porque o que denominamos “gay” como um lugar de libertação para uma livre expressão dos sujeitos pode constituir-se em estado de alienação. Isto se constitui no desafio da humanização das relações e das uniões entre iguais para vivenciar a plenitude humana com dignidade.

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