Edição 252 | 31 Março 2008

O Brasil e a pesquisa em nanotecnologias

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Greyce Vargas

Ronaldo Giro trata das possibilidades dos produtos desenvolvidos através das nanotecnologias e sobre o aproveitamento dos profissionais brasileiros competentes nessa área

Desde 2004, o professor Ronaldo Giro desenvolve, na Universidade de São Paulo (USP), uma pesquisa que poderá aumentar a eficiência luminosa de dispositivos como a lâmpada elétrica, ao mesmo tempo em que esse dispositivo necessitaria de menos energia elétrica para operar, utilizando-se os conhecimentos da área de nanotecnologias. Inúmeros estudos envolvendo as nanotecnologias estão em desenvolvimento no país. Entretanto “o grande gargalo do Brasil é que ele não aproveita as pessoas formadas. Não há vaga de trabalho para quem estuda as nanotecnologias porque a indústria não absorve”, disse ele, nesta entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.
Ronaldo Giro é doutor em física, pela Universidade de Campinas (Unicamp), e pós-doutor, pela USP, onde, atualmente, realizada a pesquisa Estudo da interface entre o metal e o polímero em dispositivos orgânicos emissores de luz. Confira a entrevista.

IHU On-Line – De que forma o estudo da interface entre o metal e o polímero, que é o seu foco de pesquisa, nos dispositivos orgânicos, que são emissores de luz, contribuem para a evolução da sociedade atual?
Ronaldo Giro
– O principal objetivo desse estudo é melhorar a eficiência luminosa desse dispositivo. A maior contribuição para a sociedade, por sua vez, é de economia de energia elétrica na área de iluminação. Eu penso em aplicar esses dispositivos, atualmente, na área de displays. Então, se traria uma economia muito grande a essa área de estado sólido, e no futuro poderia substituir as luminárias de tungstênio e até fluorescente.

IHU On-Line – Quais são os resultados que o senhor já percebeu com essa pesquisa?
Ronaldo Giro
– Aqui no Brasil, já existe um potencial humano bem razoável, pois em torno de 600 pessoas já estão bem formadas nessa área. O nosso objetivo é entender a injeção de portadores elétron na interface, porque, hoje, o gargalo dessa tecnologia é justamente isso: você tem, na interface metal e orgânica, áreas em que o elétron entra pelo dispositivo e outras em que ele não entra. Nas regiões em que entra, forma correntes muito intensas, que faz com que o tempo de vida desse dispositivo diminua bastante. O nosso objetivo é tentar encontrar respostas de por qual razão acontece isso. Apesar de chegar já no estágio de comercialização, a sociedade vai receber o dispositivo com essas falhas ainda. Ele funciona, mas podia ter uma vida útil muito maior.

IHU On-Line – Já existe algum consenso das nanotecnologias em relação à sua pesquisa?
Ronaldo Giro
– Quando nós falamos em nano, significa falar de uma escala que até então a sociedades ainda não tinham alcançado. Tudo o que vimos de dispositivos estão na escala microscópica, agora que começamos a chegar à escala nano. Logo, teremos transistor na escala nanométrica. O interessante disso é que, quando você vai diminuindo a escala, percebe propriedades que até então nunca eram vistas. Com isso, você passa a controlar propriedades óticas. Por exemplo, a emissão de luz pode ser controlada na faixa certa do espectro, assim como a absorção de luz. Então, você começa a otimizar propriedades que antes eram praticamente impossíveis. Isso serve para se entender como fazer uma engenharia átomo a átomo.

IHU On-Line – Depois de tantas transformações e criações, o homem pode, de repente, perder o seu espaço e dar lugar as tecnologias com inteligência artificial?
Ronaldo Giro
– Não, eu creio que o homem nunca será substituível. Ele é criativo e nem uma máquina conseguirá substituí-lo. Somos seres muito complexos. Acredito que isso só venha para complementar e facilitar a vida do ser humano. Conforme as tecnologias surgem, nos adaptamos e evoluímos, de forma que a sociedade pode ficar tranqüila. As tecnologias artificiais só trarão facilidades para nossas vidas, mais eficiência para economia de energia. Para você ter uma idéia, 30% da energia elétrica é consumida com iluminação. Isso é muito. Se você consegue fazer um dispositivo que tem o dobro de eficiência de uma lâmpada fluorescente – que hoje é a mais eficiente –, você faz uma economia absurda. A nanotecnologia trará melhora à qualidade de vida e à economia mundial. Ela não vem competir com o homem, mas atuar como um plus em sua vida.

IHU On-Line – Mas alguns estudiosos falam que o homem tem cada vez mais tendência para se transformar num ciborgue, para transformar o seu corpo a partir das tecnologias e, no futuro, através das nanotecnologias. Que conseqüências essas transformações pode trazer para a sociedade?
Ronaldo Giro
– Nesse sentido, você tem razão. Há bastantes materiais biocompatíveis com o homem. Alguns podem, por exemplo, substituir um braço. Futuramente, até olhos biônicos poderão ser feitos. Mas eu não acredito que exista algo que seja mais complexo do que o cérebro humano, ou seja, nem uma máquina poderá substituí-lo. Apenas nós temos capacidade de nos adaptar e de achar respostas para situações adversas, respostas que uma máquina não tem. Se você coloca um robô, por exemplo, numa missão em Marte, você pode fazer o programa mais completo possível: se der alguma coisa errada, a missão é perdida. Só o homem tem capacidade de se adaptar e de tentar achar um jeito de resolver uma situação inesperada. Então, a nanotecnologia e a inteligência artificial, ou a evolução que possa vir a existir, não superam o cérebro humano. Podemos ter algo ciborgue se tivermos uma perna humana, um braço mecânico, uma visão mecânica, mas continuamos a ser humanos. Possibilitar realizar aquilo que nossa criatividade permitir é algo que as novas tecnologias fazem.

IHU On-Line – Como o senhor vê a situação da pesquisa na área de nanotecnologias hoje no país?
Ronaldo Giro
– A pesquisa no Brasil é um caso sério. Existe um grande esforço para que ela realmente deslanche. Então, começou a ser formada uma pós-graduação na área, que hoje é forte, com profissionais altamente competitivos. A Europa e os Estados Unidos já reconhecem essa realidade e vêm atrás da gente. No entanto, o grande gargalo do Brasil é que ele não aproveita as pessoas formadas. Não há vaga de trabalho quem estuda nanotecnologias, porque a indústria não absorve. A universidade não tem como contratar porque já está saturada e o empresário brasileiro não sabe o que é inovação, apenas o que é gestão. Então, precisa vir uma nova geração, que saiba o que é inovação, o que não acontecerá tão cedo. Eu, por exemplo, estou deixando o país para não ficar desemprego. É isso o que está acontecendo: estamos exportando mão-de-obra qualificada, porque não sabemos aproveitá-la aqui. Perde-se muito, porque uma pessoa na área de nanotecnologia pode gerar bilhões para o país. O ministro da Ciência e Tecnologia sabe, mas pouco pode ser feito, à medida que é um problema cultural do Brasil.

IHU On-Line – As nanotecnologias desenvolvidas hoje, aqui no Brasil, atendem às exigências da razoabilidade prática?
Ronaldo Giro
– Esse é o problema. Na parte acadêmica, nós estamos pé a pé com os países desenvolvidos. No entanto, o problema é que nada sai da área acadêmica para a prática. Nada chega à indústria ou a uma linha de produção, e depois à sociedade. Esse é o grande problema do Brasil. Não transformamos conhecimento em riqueza. No entanto, o problema não é da academia, e sim da sociedade. O Brasil concentra sua indústria na área extrativista e um pouco na área petroquímica. Essas empresas não têm mentalidade de ter fabricação de tecnologia própria e não estão interessadas em desenvolvê-la.
A inteligência artificial pode ser usada para facilitar o estudo mais automático e encontrar respostas para problemas muito complexos de estudos de matérias. Já a nanotecnologia é algo muito vasto. Vai da área de materiais, passa pela área de fármacos, entra na de agricultura, pode ser usada para tratamento de efluentes e conseguir eliminar materiais tóxicos e metais pesados. Ela também tem riscos. Não sabemos o que pode acontecer na natureza e nos seres humanos. É tudo novo, mas trará mais benefícios do que malefícios, com certeza. Tudo o que é novo desperta curiosidade e um certo medo, mas as oportunidades são imensas. A cada dia, o mercado mundial de nanotecnologias cresce. E as nações desenvolvidas olham com muita atenção para esse assunto, porque ele é estratégico para a economia e para a garantia da sobrevivência do Estado.

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