Edição 250 | 10 Março 2008

Olívia Carmem Pires de Almeida

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Bruna Quadros

Há dois anos, Olívia Carmem Pires de Almeida se dedica ao trabalho na Pastoral da Criança, na Vila Brás, em São Leopoldo, onde mora. Mesmo não sendo remunerada, a dedicação às 46 crianças é intensa. Aos oito anos de idade, Olívia, por necessidade, precisou abrir mão da infância, e passou a trabalhar como babá. O sonho de ser professora também ficou para trás, e, hoje, aos 52 anos de idade, desejos materiais não interessam. O que ele mais quer é “ver o povo ser mais amigo”. Ao falar da perda dos pais, a emoção toma conta de Olívia. É por eles que ela está voltando a morar em Ijuí, “para não deixar um passado esquecido”. Durante a conversa com a reportagem da revista IHU On-Line, uma frase de Olívia foi a mais marcante: “Quando saí de casa, arrumei outra mãe, que foi Nossa Senhora”. Confira, a seguir, a entrevista que abre a editoria Perfil Popular, em 2008:

Origens – Ajuricaba, no interior do Estado, é a cidade natal de Olívia Carmem Pires de Almeida. “Até os meus seis anos, nós moramos lá. Depois, nós fomos para Panambi, onde meus pais moraram durante mais de 40 anos”, conta. Olívia, que é a segunda entre 13 filhos, relembra que se criou na colônia, trabalhando em tudo o que podia. “Quando eu tinha 14 anos, o meu pai se acidentou e perdeu um dos braços. Com isso, tiraram as terras dele (nós trabalhávamos nas terras dos outros) e, então, ele espalhou os filhos para trabalhar. Eu fui trabalhar em uma casa de comércio, na colônia. Fiquei lá por nove meses. Depois, voltei pra casa para ajudar o pai na rocinha”, comenta. Hoje, Olívia está com 52 anos, e faz 35 que deixou a vida no campo, “mas vivo sempre com o espírito de agricultora”, afirma.

Infância – A marca da infância de Olívia foi o esforço. “Desde os oito anos de idade, eu ficava nas casas cuidando de crianças para poder ganhar o meu vestido, ganhar a minha comida e ajudar os meus irmãos”, conta Olívia.

Trabalho – Aos 17 anos, Olívia começou a trabalhar na cidade grande, deixando a vida na colônia para trás. “Trabalhei sempre como doméstica, porque estudei só até a 3ª série primária. Eu sonhei muito em ser professora, mas não pude”, lamenta. Embora não tenha tido um emprego que lhe pagasse corretamente, com seus direitos, Olívia se orgulha por nunca ter faltado pão na sua mesa. “Muitas vezes, eu fiz as contas e não dava para colocar os meus filhos em uma escolhinha ou uma creche. Então, eu os levava junto para fazer limpeza em alguma casa, ou, quando pegava roupas para passar, passava empurrando com o pé o carrinho do bebê”, lembra.

Casamento – Olívia se casou aos 22 anos, com Getulio, em Cruz Alta. De lá, devido à falta de emprego na cidade, foi morar em Ijuí. “O meu sonho era de ser mãe, mas eu não queria que meu filho não tivesse um pai presente. Arrumei um companheiro que está comigo há 30 anos”, destaca, orgulhosa. Olívia diz que tinha medo do casamento, mas “minha mãe me preparou muito. Ela ameaçava dizendo que se eu aparecesse em casa com filho e sem marido, era para eu voltar para onde fiz o filho”, conta. Hoje, Olívia é mãe de três filhos: Adriano, 28 anos; Jarbas, 26; e o Rogério, 18. “Minha família é tudo para mim”, ressalta. O segredo para tantos anos de casamento é entender o significado do “sim”, dito no altar. “Não adianta casar num dia e separar no outro, porque os filhos ficam, e acaba sobrando para a Pastoral da Criança, a Prefeitura, o Governo se preocupar com essas crianças”, salienta.

São Leopoldo – Olívia deixou Ijuí para morar em São Leopoldo por causa do seu filho mais velho, que já estava morando aqui. “Ele começou a caminhada com a Igreja lá em Ijuí, onde foi líder de grupo de jovens durante cinco anos, na comunidade. Durante sete anos, eu dei aula de catequese, e o meu marido sempre participou na diretoria da Igreja. Inclusive, a Igreja que está montada lá no bairro onde morei em Ijuí fomos nós que ajudamos a construir, desde o primeiro tijolo”, enfatiza Olívia. Através do emprego do seu filho na Prefeitura de São Leopoldo, uma nova oportunidade surgiu para Olívia. “Arrumaram uma casa na Vila Braz, no Colégio João Goulart, porque a gente não tinha dinheiro para pagar aluguel; ou a gente comia ou pagava o aluguel. Vim para morar um ano, mas gostei e acabei ficando”, afirma.

Volta – Embora goste de da cidade de São Leopoldo, Olívia está voltando para Ijuí, onde morou durante 27 anos. Além da falta de emprego para o marido, o retorno está relacionado com um motivo muito especial. “Quando meus pais morreram, deixaram um sítio de mais de 3 hectares, e a maioria dos meus irmãos não quer vender. Então, para não deixar um passado esquecido, estou indo morar lá”, confessa. Lá, o marido ainda não tem emprego fixo, “mas tem os biscates que, pelo menos para comer, dá”, avalia Olívia.

Militância - Olívia conta que sempre participou do Movimento dos Pequenos Agricultores. “Já fui para Brasília conhecer e lutar pelos direitos”, destaca. Em 2003, foi recebida pelo presidente Lula, ao lado de 1.500 mulheres companheiras na luta. “Ficamos acampados durante três dias, sofrendo bastante, mas com o objetivo de fazer com que as leis sejam cumpridas”, afirma. Além deste, Olívia já se envolveu em outros movimentos. “Quando os meus filhos estavam no colégio e as professoras me chamavam, eu ia sempre para as mobilizações do CPERS. Nunca deixei de lutar pelo melhor”, revela.

Economia Solidária – “Fiz um curso de customização de roupas com a Primeira-Dama de São Leopoldo. Daí, eu fui conhecendo outras mulheres que me levaram até a Dica, do curso de Economia Solidária da Unisinos”, explica Olívia. Ela, que participou do curso no ano passado, gostou muito do aprendizado.

Trabalho na Pastoral – O trabalho na Pastoral da Criança, na Vila Braz, em São Leopoldo, começou através da Igreja. E esta não foi a única graça alcançada. “Pela Igreja, eu consegui tudo o que eu tenho, porque ali, tu escuta o Evangelho e, conforme o palestrante, se é o ministro da eucaristia ou o padre, toca o coração da gente”, diz. Na rua onde mora, o trabalho atende a 46 crianças e é desenvolvido por três pessoas. “Além das aulas de catequese, a gente orienta as mães, ensina como se faz o soro caseiro, para evitar a desnutrição. Este é um trabalho voluntário, mas parece que eu ganho muito salário”, salienta.

Valores – Nunca roubar, nem se prostituir. Estes foram os principais ensinamentos que Olívia recebeu dos pais. “Quando eu saí de casa, arrumei outra mãe, que foi a Nossa Senhora. Eu sempre pedi para que ela não me deixasse cair na tentação de viver por viver; eu tinha que ter um objetivo. E ela sempre me atendeu”, destaca.

Igreja – O envolvimento de Olívia com a Igreja teve a influência dos seus pais. “Eu sempre quis muito entrar e entrei. Mesmo sem estudos, tenho o certificado de catequista”, conta. Embora esteja de mudança para Ijuí, Olívia vai voltar todos os meses, em função do curso de Teologia dos Leigos, em Novo Hamburgo. “Ganhei este presente do meu filho. No final do ano, vou receber o certificado”, comenta orgulhosa.

– Para Olívia, a fé é a raiz de tudo. “Se tu não tem fé no Criador, tu tá perdida”, ressalta.

Sonho – “De ver o povo ser mais amigo. De eu dizer um ‘bom dia’ e a pessoa me responder com alegria”, ressalta. A falta de resposta em um ato tão simples entristece Olívia. “Isso me dói por dentro, porque Deus também não quer isso. Eu sou muito alegre e gosto de ver essa alegria nas pessoas. Até quando eu sei de uma coisa triste, de uma morte, por exemplo, eu fico alegre, porque aquela pessoa precisa de mim”, enfatiza.

Momentos marcantes – Não há como se comover ao recordar dos pais e se dar conta da falta que eles fazem. Com o rosto molhado de lágrimas, Olívia contou que perder os pais (o pai morreu há 15 anos e mãe há dois) foi a sua maior tristeza. “O momento mais feliz foi quando eu encontrei o meu esposo, Getulio, que aceitou o meu jeito e a minha história. Quando ele entrou na minha vida, não achei que fosse ser sério, mas está durando há 30 anos”, destaca.

Política brasileira – “Com o Lula no Governo, as coisas melhoraram para nós que somos um povo ‘lascado’”, afirma Olívia. Ela recorda que sofreu muito e criou os seus filhos no tempo dos “grandes”. “Só entrava no Governo quem tinha estudo, mas não sabia da nossa realidade aqui em São Leopoldo, Panambi. Para mim, Lula é o nosso Deus e ainda vai fazer muito por nós”, acredita.

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