Edição 246 | 03 Dezembro 2007

Perfil Popular - Izaque Bauer

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Há 10 anos, Izaque Bauer trocou o interior do Estado pelo município de São Leopoldo. Embora fosse cidade grande, ele enfrentou muitas dificuldades como morador da Cooperativa Progresso, no bairro Rio dos Sinos. Isso porque era uma área invadida, onde não havia as mínimas condições de moradia. Outra dificuldade foi a falta de oportunidades de emprego, resultado dos estudos que ele só conseguiu concluir anos mais tarde. Através do contato do Instituto Humanitas Unisinos com a Cooperativa, ele teve acesso às oficinas da Economia Solidária que, segundo ele, são válidas não somente para a profissão, mas para a vida.Confira, a seguir, a entrevista concedida por ele à Revista IHU On-Line:

Origens – Izaque é natural de Catuípe, uma cidade bem no interior do Estado. “De Catuípe, quando eu tinha uns cinco anos, a gente foi para Jóia, porque o meu pai era envolvido com a Igreja Assembléia de Deus, e também por causa do serviço dele, como eletricista de carros”, conta ele. Sua mãe trabalhava em casa. Quando Izaque estava com seis anos, ela faleceu. “Ela sofria de ataque epilético. Um dia ela teve um ataque, caiu dentro do tanque e morreu”, destaca. Com isso, seu pai voltou para Catuípe e, em menos de um ano, casou de novo. “Geralmente, quando morre a mãe e o pai casa de novo, é um transtorno para os filhos. Mas nós tivemos sorte, porque quem ele escolheu a gente chama de mãe até hoje”, ressalta Izaque, que é o mais velho de cinco irmãos.

Infância – “Minha infância foi curta, porque na colônia tu trabalha desde muito cedo. Mas considero que foi boa”, afirma Izaque. Como morava no interior, Izaque teve a oportunidade de brincar livremente. “A gente brincava no campo, tinha rio para pescar, tinha como caçar. É um tipo de coisa que hoje em dia as crianças nem sabem o que é. Só que a gente também trabalhava na roça. De 11 anos em diante, a gente só tinha o sábado e o domingo para brincar”, lamenta.

Lembranças – Da mãe biológica, Izaque tem poucas lembranças. “Tenho a imagem das feições dela, mas do dia-a-dia não lembro de quase nada”, conta. Há alguns episódios que marcaram, infelizmente, pela dramaticidade. “Tenho gravado na cabeça um dia que o pai estava saindo para o trabalho, eu estava chorando e ela foi me buscar na beira da estrada, onde a gente morava, lá fora. Também me lembro dela caída, dentro de casa, quando teve um ataque epilético, e eu chamando gente para ajudar”, relata.

Relacionamento – Izaque conta que com o seu pai, dos 14 anos em diante, a relação foi difícil. “Ele era crente. Mas abandonou a religião e acabou se tornando alcoólatra. Com isso, a gente acabou se desentendendo, e eu fui embora de casa”, salienta. Há mais de 20 anos, Izaque não vê o pai.

Casamento – Aos 15 anos, Izaque voltou para Catuípe. Cinco anos mais tarde, casou e foi morar em Santa Rosa. Ele afirma que queria casar, “mas tudo o que tu fizer no atropelo acaba, de alguma forma, dando errado”. Por isso, a união terminou, após nove anos. Ficaram dois filhos: Maria Fernanda, de 18 anos, e Marcos Felipe, de 14. “Hoje, a gente está separado por uma distância grande, porque me separei da minha esposa. Mas ser pai é uma experiência muito boa”, define. Ele conta que com a separação houve uma dificuldade de relacionamento com os filhos. “Eles nunca aceitam esse tipo de coisa”, afirma.

São Leopoldo – “Vim para cá em 1998, quando me separei”, conta Izaque. Ele escolheu São Leopoldo porque sua irmã morava aqui. Mas, na verdade, Izaque não veio para morar. “O meu plano era só passear e eu queria ir trabalhar no Mato Grosso, no beneficiamento de grãos, secadoras de soja, trigo e milho, o que eu fazia em Santa Rosa. Mas eu cheguei aí e acabei casando de novo”, comenta. A nova esposa tem três filhos, que Izaque criou como se fossem dele. “Tenho uma experiência como pai de duas maneiras: de dois que vi nascer e dos que eu criei como filhos e me consideram como pai”, destaca.

Cooperativa Progresso – Ficar em São Leopoldo não foi fácil, segundo Izaque. “Quando tu vem do interior a realidade é diferente, até mesmo em matéria de trabalho. O que se fazia aqui com calçados em curtume eu não entendia nada. Em metalúrgica, que eu tinha alguma experiência, me deparei com o problema da falta de estudo. Ai, eu fui trabalhar na construção civil, onde fiquei por quatro anos e fui morar na Cooperativa Progresso, onde moro até hoje”, comenta. Sua esposa estava desempregada, porque a empresa na qual ela trabalhava havia fechado. E Izaque também estava fora do mercado de trabalho. “Como não tínhamos como pagar aluguel, ficamos sabendo do loteamento, uma invasão, e fomos”, conta. E recorda as dificuldades. “Mesmo lá fora, no interior, eu tinha casa boa, eu tinha água e luz. Vim para a cidade grande e acabei indo morar no mato. Teve épocas que dava vontade de desistir, principalmente no inverno. Não tinha como instalar um banheiro, um chuveiro. Tudo era precário. Se passou seis meses com o risco de despejo. A gente passou muito tempo lutando com a Prefeitura e com a Câmara de Vereadores, até que foi comprada a área e fundada a Cooperativa Habitacional Progresso”, salienta.

Trabalho – Izaque trabalhou quatro anos na construção civil, como servente e pedreiro. “Acabei saindo porque a construção civil oscila muito e tu não tem estabilidade”, conta. Em 2001, ele foi trabalhar no setor de asfalto, na Pavicom, em Novo Hamburgo. “Saí em junho do ano passado e me fizeram um convite para eu participar da cooperativa, que têm núcleo de reciclagem, artesanato, construção civil e costura. Eu resolvi tentar e, para mim, é uma experiência boa. Atualmente, estou ajudando na construção civil, mas ainda estou aprendendo, até mesmo para dar um auxílio mais técnico, fazendo essas oficinas da Economia Solidária aqui na Unisinos”, ressalta.

Economia Solidária – Izaque chegou até a Unisinos através do projeto do Instituto Humanitas, que mantém contato com a Cooperativa. “Estou fazendo as oficinas para conseguir aperfeiçoar o trabalho dentro da Cooperativa”, justifica. Há um mês, ele participou das oficinas pela primeira vez e afirma que aprendeu muito. “Tu acaba pegando aquelas experiências das outras pessoas e junta com alguma coisa que tu aprendeu, ou descobriu no teu dia-a-dia e isso acaba tendo uma perspectiva. Te ajuda para o trabalho e pessoalmente. Te ajuda a compreender um pouco melhor até mesmo na relação do dia-a-dia, como ser humano, e o teu conhecimento se torna bem mais amplo”, avalia.

Estudos – Izaque pôde estudar até a 4ª série primária. “Quando eu era criança, o meu sonho era estudar. Mas o meu pai tinha uma outra perspectiva e não incentivava nem deixava estudar”, conta. Há quatro anos, fez um provão aplicado pela Delegacia de Ensino e concluiu o 1º Grau. No ano passado, ele começou a fazer o 2º Grau, mas não conseguiu conciliar com o trabalho. “O que me levou a voltar aos estudos foi a falta de oportunidades de emprego. Além de entrar o fator idade, se tu não tiver o mínimo de estudo, tu não consegue nada. E juntei isso a vontade que eu sempre tive de voltar a estudar”, destaca.

Qualidade de ensino – “Nas escolas públicas ainda tem alguma deficiência. Não sei se é a maneira como explicam ou as crianças, hoje, estão muito ligadas a outras coisas, como televisão, e, por isso, têm uma dificuldade maior para o aprendizado”, afirma Izaque sobre o ensino no país. Hoje, ele reconhece que os estudos fazem falta na vida. Por isso, incentiva os filhos a estudar. “Sempre digo para eles: trabalhei a vida inteira no pesado e sempre gostei do meu trabalho. Mas, provavelmente, a minha geração foi a última que nasceu para ser burro de carga. Então, digo que se eles não aprenderem, não vão ter oportunidade”, conta. 

Política brasileira – Izaque acredita que alguma coisa foi feita pelo país, mas acha que ainda é pouco. “Eu esperava mais. Gostaria de ver melhorias no ensino e na segurança”, comenta. Mas o que ele realmente gostaria é que se aplicasse a ética. “Tem muito o que fazer e o Governo poderia fazer, se colocasse o interesse da população na frente do dele”, enfatiza. 

Lazer – Assistir programas de televisão e filmes, além de andar de bicicleta são os passa-tempos de Izaque. “Mas o meu hobby mesmo é a leitura”, afirma. Ele descobriu o gosto pela leitura sozinho. Lê o tempo inteiro e de tudo um pouco, livros, biografias, mas tem suas predileções. “Gosto de ficção, mas a história é uma coisa que me fascina bastante. Também já li as biografias de Marx, Stalin, da maioria dos líderes políticos”, revela.

Religião – “Não sigo nenhuma religião. Mas acredito em Deus. Acredito que Ele nos deu tudo, força, inteligência, e o máximo que a gente pode pedir é que Ele olhe por nós”, relata Izaque. Para ele, na maioria das religiões, as pessoas acham que Deus tem que sempre fazer alguma coisa pelas pessoas. “Mas para Deus descer de lá não é bem assim. Seria irracional dizer que Deus não existe. E afirmar que Deus interfere no dia-a-dia, ser religioso ao extremo, seria ilógico”, avalia. E completa: “Se Ele nos deu o caminhar, não precisa nos levar pela mão”.

Sonho – “Nunca tive muitos sonhos. Sempre trabalhei e acredito que os meus sonhos, lentamente, foram se realizando”, afirma Izaque. Ele conta que nunca precisou pagar aluguel, mas não tinha casa ou terreno próprio. “Hoje, eu tenho uma casa boa, grande, de alvenaria”, destaca. Além de ter conseguido adquirir sua própria casa, o maior sonho de Izaque é ver os filhos bem encaminhados na vida. “Que eles não passem as dificuldades que eu e a mãe deles passamos”, ressalta.

Momentos marcantes – “Eu acho que um dos momentos mais felizes foi quando nasceu a minha primeira filha”, destaca Izaque. A morte de sua avó materna, quando ele estava com 11 anos de idade, é considerada a maior tristeza. “Como a minha mãe tinha falecido, era com ela que eu me identificava”, lembra. Para Izaque, se a vida for feita só de alegrias, perde a graça. “As tristezas servem para ti dar valor aos momentos felizes”, conclui.

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