Edição 246 | 03 Dezembro 2007

O respeito pelo embrião é compatível com a pesquisa de células estaminais

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Karen Lebacqz

Com base nas questões propostas pela equipe da IHU On-Line, a pesquisadora Karen Lebacqz, ex-professora de Ética Teológica da Pacific School of Religion, em Berkeley, Califórnia, produziu o seguinte artigo, enviado com exclusividade, à revista. Favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias, a pesquisadora afirma que é possível realizar tais pesquisas com respeito ao embrião. “Se respeito significa valorar a vida e existência de uma entidade em si mesma e não simplesmente por seu uso instrumental para meus fins, então certamente um embrião pode realmente ser respeitado. Eu entendo o respeito neste sentido mais amplo e creio que ele se aplica aos embriões e não simplesmente aos seres autônomos”. Confira mais detalhes no artigo a seguir:

Eu defendo que todas as entidades vivas merecem ser tratadas com valor e isso inclui o embrião. No entanto, eu apoio a pesquisa com células embrionárias estaminais e creio que ela pode ser conduzida de um modo que respeite o embrião.

O que significa “respeitar” algo? Freqüentemente, “respeito” é entendido num sentido kantiano. Neste sentido, respeito significa honrar a autonomia e a capacidade de decisão de uma pessoa. Se este é o sentido básico do respeito, então o respeito não se aplicaria a um embrião, que não é autônomo e não pode tomar decisões. Por isso, alguns pensam que não há problema referente ao respeito com o embrião: ele não é uma entidade à qual se aplica “respeito”.

No entanto, é possível um significado mais amplo de respeito. Se respeito significa valorar a vida e existência de uma entidade em si mesma e não simplesmente por seu uso instrumental para meus fins, então certamente um embrião pode realmente ser respeitado. Eu entendo o respeito neste sentido mais amplo e creio que ele se aplica aos embriões e não simplesmente aos seres autônomos.

Mas, então, o que requer o respeito? Em primeiro lugar, significa tratar algo enquanto isso tem valor em si mesmo, e não simplesmente um valor instrumental para mim. Isso significa que os embriões não podem simplesmente ser “usados” na pesquisa, sem considerar o valor fundamental do embrião. Este é o primeiro sentido do respeito, e ele impõe limites no uso de embriões em pesquisas. Em segundo lugar, respeito significa honrar moralmente características relevantes de entidades ou formas de vida. Quando se desenvolvem, os seres humanos adquirem características moralmente relevantes. Isto é importante quando se trata de determinar o que pode ser feito com embriões em pesquisas.

Por exemplo: a maioria dos adultos é autônomo e suas próprias decisões sobre cuidados médicos ou participação em pesquisas deveria ser respeitada, mesmo quando pensamos que eles estão enganados. Um adulto pode escolher participar em pesquisa de risco, e o respeito requer que nós honremos esta escolha, mesmo quando dela discordamos. As crianças, de outra parte, não são autônomas, e os adultos devem decidir por elas, no que se refere aos cuidados médicos ou à participação em pesquisas. Respeitar um adulto significa honrar suas decisões pessoais. Respeitar uma criança, no entanto, significa tomar decisões por ela baseada nos melhores interesses de longo termo da mesma. Respeito não significa honrar a capacidade de decisão das crianças, já que as crianças ainda não são autônomas. Isto também se aplicaria como verdade aos embriões.

Embora as crianças não sejam autônomas, elas, no entanto, são capazes de sentir dor. A capacidade de sofrer é moralmente relevante. Por isso, as crianças devem ser preservadas do sofrimento dentro do possível. Às vezes, no entanto, devemos sujeitar crianças a um sofrimento a fim de servir seus melhores interesses – por exemplo, com tratamentos médicos penosos. Mas, já que uma entidade em desenvolvimento tem a capacidade de sofrer, o respeito requer que o sofrimento seja prevenido ou minimizado. Isto também se aplica à pesquisa com animais: já que eles são capazes de sentir dor, o respeito pelos animais requer que a dor seja prevenida ou minimizada.

Um embrião precoce, como o embrião envolvido em células estaminais no estágio de blastócitos, não tem a capacidade de sofrer. Nenhuma intervenção causará dor a uma entidade que ainda não possui o substrato neural para sentir dor, e por isso a desagregação deste embrião não vai causar dor. Conseqüentemente, o “respeito” não requer proteção do sofrimento (ou da desagregação que acompanha a pesquisa com células estaminais).

Se não há autonomia nem capacidade de sofrer, então o respeito não pode, certamente, ser aplicado nestes sentidos. Porém, como fica o valor da vida em si mesma? O respeito requer que o embrião seja mantido vivo, porque sua vida é valiosa? A maioria das objeções à pesquisa com células estaminais envolve objeções referentes à morte do embrião. A destruição da vida parece ser uma clara violação do respeito.

Mas será mesmo? Aqui, é importante relembrar o contexto: a maioria dos embriões usados na pesquisa com células estaminais é derivada de um processo de fertilização in vitro e não há intenção de implantá-los. Eles são considerados embriões “excessivos”, e eles ou serão destruídos imediatamente, ou congelados por um período de anos, até que eles deteriorem até o ponto em que não poderiam ser implantados; e, então, eles serão destruídos. Em ambos os casos, o “destino” do embrião é a morte. Usando-se o embrião em pesquisa com células estaminais, muda este destino. Ele não dará vida ao embrião como uma criança, mas ele trará a possibilidade de uma vida estendida na forma de uma linha de células estaminais. Isso preserva o embrião de uma simples morte e lhe dá nova forma de vida. Se “respeito” por uma entidade requer valorar sua verdadeira existência, parece-me que o respeito por um blastócito pode resultar no esforço de mantê-lo vivo através da criação de uma linha de células estaminais. Dada a escolha entre implantar o embrião num útero para gerar uma criança ou criar uma linha de células estaminais, eu escolheria a implantação, porque eu creio que isto é uma forma mais plena de vida. Mas, dada a escolha entre a morte e a vida na forma de uma linha de células estaminais, eu defendo que o respeito pode requerer o esforço de preservar a vida criando uma linha de células estaminais.

Em síntese, a pesquisa com células estaminais não desrespeita o blastócito . Ela não viola a autonomia, não causa sofrimento, e preserva e protege a vida em formação, enquanto, de outra forma, haveria morte. Por todas estas razões, eu creio que a pesquisa com células estaminais é compatível com o respeito pelo embrião precoce.

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