Edição 246 | 03 Dezembro 2007

Uma mudança radical no panorama das células-tronco

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IHU Online

O Prof. Dr. Lluís Montoliu é pesquisador científico do Departamento de Biologia Molecular e Celular do Centro Nacional de Biotecnologia, com sede em Madrid, na Espanha. Licenciado e doutor em Ciências Biológicas pela Universidad de Barcelona, desde 1991 trabalha em diversos projetos no campo da transgênese animal. Na entrevista que concedeu por e-mail, com exclusividade para a IHU On-Line, Montoliu fala sobre as implicações éticas do debate em torno das células-tronco embrionárias e sobre os avanços das recentes descobertas na área. Confira.

IHU On-Line - Quais seriam os maiores avanços da clonagem terapêutica e da relação entre a clonagem e as células-tronco humanas?
Lluís Montoliu -
Como sabemos, lamentavelmente, as propostas de clonagem terapêutica, descritas e verificadas em ratos, não puderam se aplicar, todavia, em células humanas. O trabalho do pesquisador sul-coreano Woo Suk Hwang , que supostamente descreveu a obtenção de células-tronco a partir de embriões humanos clonados, tem sido considerado uma fraude. Hoje, apesar de haver equipes dispostas a prová-lo, não temos constância técnica de que a clonagem terapêutica em seres humanos constitua uma alternativa viável, reprodutível, para a medicina regenerativa ou reparadora, ainda que o desenho teórico seja prometedor e a possibilidade de gerar células com a identidade do paciente-receptor-doador continue sendo muito atrativa. A vantagem principal das células-tronco de origem embrionária, frente às células tronco de origem adulta, somáticas, radicava em sua plasticidade. Hoje em dia, com o recente descobrimento das células-tronco pluripotentes  induzidas, a partir de células da pele (realizado, de forma independente, por duas equipes lideradas por Yamanaka  e Thomson ), o panorama mudou radicalmente e pode ser que já não seja tão necessária a clonagem terapêutica. Ao menos, o que sim é certo, é que descobrimos novas alternativas para obter células pluripotentes que se parecem muito às células-tronco embrionárias.

IHU On-Line - Quais são as principais expectativas na sociedade em relação aos avanços científicos relacionados à clonagem terapêutica? As células-tronco embrionárias podem resolver todos os problemas da medicina regenerativa?
Lluís Montoliu -
Em modelos animais, especificamente em ratos, os únicos nos quais se tem podido avaliar, de fato, a clonagem terapêutica, a resposta é que é uma alternativa muito prometedora para obter linhagens celulares específicas com a identidade genética do paciente-receptor. Entendo que as expectativas da sociedade frente a todas estas técnicas são enormes, logicamente, mas a partir dos âmbitos científicos devemos responder com tranqüilidade, sistematicidade e prudência, e continuar pesquisando o processo.

IHU On-Line - Como o senhor vê a recente descoberta da nova técnica de produzir células-tronco a partir de células adultas da pele? Elas agem como as células-tronco embrionárias? Têm o mesmo potencial de regeneração? Essa descoberta pode realmente provocar mudanças na utilização de embriões?
Lluís Montoliu –
Depois do nascimento de Dolly (1996) e da obtenção das primeiras células-tronco embrionárias humanas (1998), este talvez seja o experimento mais surpreendente, inesperado e prometedor neste campo. Os primeiros dados vieram da equipe de Yamanaka em 2006, em ratos. Estes mesmos experimentos foram reproduzidos pelo laboratório de Jaenisch  em 2007, e, finalmente, também este ano, a mesma equipe de Yamanaka e a de Thomson, a que descobriu as células embrionárias pluripotentes humanas, tem replicado os experimentos em células humanas. Com efeito, a modificação genética de algumas células da pele mediante a introdução de quatro genes induz que aquelas se reprogramem e convertam em células-tronco pluripotentes, praticamente indistinguíveis das células-tronco pluripotentes embrionárias. É um descobrimento formidável. Pelo que sabemos, tem um potencial regenerador idêntico ao das células embrionárias, ainda que, todavia, seja preciso pesquisar muito antes de passar este descobrimento às clínicas. A modificação genética das células não é inócua e pode causar problemas secundários, pois se usam vírus (retrovírus) para vincular os genes à célula, que, nestes momentos, não poderia ser usada em aplicações clínicas humanas, pelo perigo potencial que acarretam. Porém, se é possível reativar os mesmos genes que agora se tem aportado externamente, ou seja, despertar os próprios genes das células da pele, então poderemos pensar numa eventual passagem às aplicações nas clínicas. E, com efeito, estes estudos permitem prever uma diminuição no uso de embriões, posto que eles já não seriam necessários para obter células-tronco pluripotentes, que também poderiam induzir-se a partir de células da pele, ou de outros lugares do corpo.

IHU On-Line - O que o senhor apontaria como os grandes desafios éticos que envolvem as pesquisas sobre células-tronco embrionárias?
Lluís Montoliu -
O uso de embriões humanos, apesar de que seja para aplicações potencialmente benéficas, sempre implica em controvérsia, pois não todas as pessoas concedem ao embrião o mesmo status. O que para uns é um grupo de células com um potencial imenso de desenvolvimento (sempre e quando se implante no útero de uma mulher), para outros é um projeto de vida em si mesmo, que, levado o argumento ao extremo, se reveste de quase os mesmos direitos que os de uma pessoa humana. Este é o principal desafio ético, o debate sobre o status, a condição que se lhe atribui a um embrião em seus estágios pré-implantatórios. É um tema sobre o qual todo o mundo tem uma opinião, mas nele se mesclam dados técnicos, científicos, objetivos, crenças e valores, subjetivos, que correspondem ao âmbito pessoal de cada um, sendo todos respeitáveis.

IHU On-Line - Em quais são tipos de tratamento as células-tronco adultas ou somáticas podem ser utilizadas?
Lluís Montoliu -
Na teoria, nos mesmos procedimentos para os quais estariam indicadas as células-tronco pluripotentes embrionárias (ou, agora, induzidas). Em todo tecido que requer ser reparado ou regenerado, é possível induzir a diferenciação das células-tronco a esse tecido destino. Sobre o papel, o potencial diferenciador, a plasticidade das células embrionárias pluripotentes parecia superior à das células-tronco adultas, ainda que os recentes experimentos com células-tronco pluripotentes induzidas obrigam a repensar todo este esquema e talvez, estas células, sejam suficientes para obter qualquer tipo de células necessárias.

IHU On-Line - O senhor vislumbra a possibilidade de controlar o processo de diferenciação e proliferação das células-tronco embrionárias que, até então, é considerado imprevisível? O que podemos imaginar, do ponto de vista científico, se esse controle fosse possível?
Lluís Montoliu -
Em alguns casos, em modelos animais (em ratos) tem deixado de ser imprevisível. O processo diferenciador ocorre depois de uma cascata de acontecimentos, de induções, causado pela expressão de genes específicos, e/ou pela aparição de sinais provenientes de estímulos externos (por exemplo, hormonais e fatores de crescimento). Hoje em dia, é possível conduzir a diferenciação de células-tronco para neurônios, ou células mais especializadas, ainda que não conheçamos, até o momento, todas as chaves do processo. Será necessário realizar muito mais pesquisas para que o processo seja robusto, reproduzível e não submetido ao acaso de circunstâncias que escapam ao controle do pesquisador. Estou certo de que, cedo ou tarde, isto será possível. É questão de tempo e de recursos que se dediquem à pesquisa neste campo.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a posição da Igreja em relação ao uso de embriões para pesquisa com células-tronco?
Lluís Montoliu -
Cada grupo social, cada associação, é livre para manifestar sua posição sobre este e outros temas científicos. Todas as opiniões são respeitáveis. O dever do cientista é pesquisar, aportar conhecimento e desenhar estratégias que permitam melhorar a qualidade de vida da sociedade. O dever dos governantes é escutar a todos os representantes sociais, dotar-se da melhor informação técnica possível e, a partir de tudo isso, legislar e permitir, ou não, determinados desenvolvimentos científicos, segundo os quais considerem oportuno para a sociedade que representam.

IHU On-Line - Em que sentido podemos associar as descobertas e os avanços em pesquisas sobre células-tronco com a sede, o desejo do ser humano pela imortalidade e pela juventude eterna?  
Lluís Montoliu -
A busca da eterna juventude ou a luta contra o envelhecimento são dois temas de inquestionável interesse, provavelmente mais social do que científico. Em animais, se tem conseguido chegar a estender de forma muito considerável os anos de vida de muitas espécies. Com efeito, com os teóricos possíveis benefícios da medicina regenerativa não é um disparate pensar que se poderia estender a vida e, sobretudo, a “qualidade” de vida das pessoas alguns anos a mais. Biomedicamente falando, parece que nós, seres humanos, poderíamos chegar a viver uns 150 anos. No entanto, cabe perguntar-nos em que estado e em que condições. Em minha opinião, muito mais importante que viver 150 anos é viver os que nos cabe viver, mas da melhor maneira possível, desfrutando dos momentos, de todos os aspectos maravilhosos que a vida tem.

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