Edição 241 | 29 Outubro 2007

Lúcia Segala Géa

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IHU Online

Trabalhando há doze anos na Unisinos, a professora Lúcia Géa encontrou uma maneira diferente de expandir os conhecimentos dos seus alunos em sua área de atuação, a Arquitetura. Ela une conceitos da História, da Antropologia e da Sociologia para transmitir aos seus alunos experiências de vida, além do embasamento técnico. Sua relação com a História começou ainda na infância, quando teve a oportunidade de morar fora de Porto Alegre, sua cidade natal, e conhecer outras culturas e costumes. O gosto se intensificou, no momento em que Lúcia pode juntar suas preferências, a História e a Arquitetura, no mestrado de História do Brasil, desenvolvido na PUCRS. Em entrevista concedida por Lúcia à revista IHU On-Line, ela destaca as principais passagens de sua vida, nas quais os colegas de Faculdade e os irmãos, além das experiências profissionais, tiveram papel fundamental. Confira, a seguir, a entrevista:

Origens – Meu pai é bancário, e minha mãe administrava a empresa que o meu pai tinha, de papel cartaz e pastas. Nasci em Porto Alegre e, algumas vezes, morei fora da cidade. Na minha infância, fomos para Salvador, na Bahia, pois o meu pai trabalhou lá durante um ano. Ficamos quase quatro meses em Salvador e, por questões de trabalho, meu pai resolveu retornar para o Sul. Então, a minha família tem um pouco essa mistura de vários lugares. A cada férias, íamos para um lugar diferente, pois não tínhamos o hábito de ir para a mesma praia veranear. Talvez essa experiência tenha sido muito boa para me colocar diante do mundo, e não ser uma pessoa que se criou nasceu e viveu sempre no mesmo lugar.

Irmãos – Tenho um irmão que é três anos mais velho do que eu, que estou com 44 anos, e outros dois que são oito anos mais velhos. A gente tinha um arranjo interessante no nosso cotidiano que era o “dois a dois”: os dois mais velhos e os dois mais novos. Com esse meu irmão que é um pouco mais velho eu tenho mais afinidade, porque era o meu companheiro de brincadeiras. Depois de fazer os temas, tinha o horário de brincar. E aí era muito bom, porque o local em que a gente morou, o bairro Cristal, era muito tranqüilo. Tínhamos a facilidade de poder ir pra rua brincar, e não ter a preocupação que temos hoje com a segurança. Sempre fui muito moleca: gostava de andar de bicicleta, carrinho de rolimã, subir em árvores e construir cabanas. A coisa mais importante que a gente tinha era a liberdade e a solidariedade, além de ter a proteção e a referência nos irmãos.

Estudos – Sempre adorei ir para a escola. Eu era muito certinha. Era bom ir para a escola, não só pelo estudo, mas pelas brincadeiras e por encontrar os amiguinhos. Estudei até o que corresponderia, hoje, ao Ensino Fundamental escolas públicas, que eram consideradas as mais fortes. Quando a estrutura e a qualidade destas escolas começaram a cair, meus pais me matricularam no Colégio Maria Imaculada, onde eu fiz o Magistério. Essa foi a minha primeira experiência de trabalho em sala de aula, dando aula para crianças.

Graduação – Uma coisa que a minha mãe cultivou em mim foi o hábito de ir a museus e ver exposições. A minha mãe pinta, então tem um lado da família que gosta de arte, e isso sempre foi uma boa referência. Não sei dizer bem como fui gostar de arquitetura. Aos 17 anos, tive minha primeira assinatura na carteira de trabalho, quando comecei a dar aula para crianças de 1ª série no Colégio Santo Antônio Pão dos Pobres. Fiz o vestibular na Universidade Ritter dos Reis, 18 anos, passei e comecei a estudar, mas ainda dando aulas. Quando vi que não ia dar mais para conciliar, optei por apenas estudar. Foram anos muito bons de faculdade e de muita transformação.

Colegas - Nós tínhamos muitos colegas do interior que vinham morar aqui, em repúblicas, e a gente acabou formando famílias paralelas. A minha mãe adotava esses colegas que sempre iam lá para a minha casa fazer os trabalhos. Lá em casa era o “QG” dos desgarrados. A mãe fazia café, chimarrão e bolinhos. Na formatura, aconteceu uma homenagem à dona Lola, por ter sido a mãe adotiva de todos. O tempo que passei na faculdade foi muito bom, não só pelo conhecimento adquirido, mas pelas relações humanas, pelo amadurecimento que me trouxe, por conviver com a diversidade das pessoas e visões de mundo diferentes.

Trabalho - Depois de formada, em 1986, resolvi fazer um curso de especialização na USP, em Computação Gráfica. Passei seis meses em São Paulo, onde havia oportunidades de trabalho, mas a relação custo-benefício não valia a pena. Então, resolvi voltar para Porto Alegre, e logo me chamaram para trabalhar em um escritório de arquitetura comercial, onde pude aplicar os conhecimentos de computação que, na época, eram uma grande novidade. Tenho uma experiência profissional variada, porque sempre quis experimentar coisas diferentes, para saber o que eu ia fazer realmente. Saí do escritório, por causa de um convite de trabalho temporário na Prefeitura, em projetos de construção de creches. Além de desenvolver os projetos junto com as arquitetas, eu ia às comunidades. Conheci um outro mundo, e foi uma experiência de vida maravilhosa, embora, no final, fosse um pouco frustrante, porque muitos dos projetos não foram construídos. Depois disso, encontrei uma ex-colega de faculdade, que me convidou para trabalhar com ela, fazendo projetos na área comercial. Logo que abriu o Shopping Praia de Belas, fizemos algumas lojas lá. Com uma dessas crises de governo, nossos clientes levaram um tombo e a gente sentiu isso no trabalho. Então, resolvemos parar com o escritório e cada uma foi fazer a sua vida.
 
Casamento – Tenho um histórico familiar de mulheres que casam tarde, para suas respectivas épocas. Eu não sei se casei tarde para os parâmetros da minha época, mas estava com 28 anos. A minha família nunca teve a preocupação de preparar os filhos para o casamento. Meu pai sempre me preparou para o trabalho e para saber lidar com as coisas da vida. Eu e o meu marido namoramos e casamos em um tempo rápido, dois anos. Não foi nada muito preparado, as coisas foram acontecendo. Mas a vida de casada é ótima, e eu recomendo, porque sou muito feliz e acho que isso reflete na maneira como a gente montou a família.

Mestrado - Por contatos, descobri o mestrado em História do Brasil, na PUCRS. Entrei na PUC em 1991, e o meu tema era a História da Habitação. Era um desafio estar em uma área diferente, com todo um aparato teórico novo para se apropriar, mas eu gosto de estudar, de ler. Até hoje uma das coisas que me move muito para a sala de aula é pegar um assunto novo, ter que pesquisar. Estou na Unisinos há 12 anos, e, se eu der sempre a mesma aula, do mesmo jeito, nem eu nem os alunos vamos agüentar. Isso faz parte da renovação, de querer buscar mais informação e conhecimento novo.

Escandinávia – Em 1994, o Osvaldo, meu marido, foi para a Noruega fazer parte do seu doutorado em Física. Eu estava fazendo mestrado aqui, mas suspendi a minha bolsa e fui junto. Fiquei lá trabalhando na biblioteca da Faculdade de Arquitetura. Foi ótimo, não só porque foi a primeira vez que eu fui para a Europa, mas porque tivemos a oportunidade de conhecer um outro modo de viver. Era uma cidade pequena, mas com tudo. O que mais me chamou a atenção foi qualidade de vida dos noruegueses. Lá não há grandes diferenças socioeconômicas. O bem-estar social é invejável, em termos de saúde, ensino, transporte e infra-estrutura urbana.

Sala de aula – Depois que voltei da Escandinávia, eu estava com a data marcada para apresentar a dissertação, e teve uma chamada da Unisinos, por edital. Participei da seleção, fui escolhida e comecei na universidade já com quatro disciplinas. E o trabalho que eu fiz no mestrado me abriu essa nova possibilidade de encontrar a História e ver uma outra área de conhecimento. E sempre estou juntando coisas da História, da Arquitetura da Antropologia, da Sociologia e, mais recentemente, do Design. Me formei arquiteta, mas sempre tive uma conexão muito grande com a  História. Quando fui fazer o mestrado, foi ligado à parte da história da cultura. Essa sede de saber como as pessoas vivem, quais são os hábitos e os costumes eu incorporo nas minhas aulas, tentando passar essas experiências de vida junto com a parte técnica.

 Filha - A Carolina veio depois de quase 10 anos de casamento, quando eu estava com 36 anos. Quando a Carol nasceu, foi uma felicidade, porque ela foi super desejada. Ela é uma menina muito alegre, sociável e tem um espírito muito forte de curiosidade. A Carolina se interessa muito por tudo. Ela tem uma habilidade boa com música, e agora está muito dedicada a desenhar, montar historinhas e fazer teatro. Eu a defino como uma criança muito feliz; ela passa isso no olhar.

Política brasileira – Estamos vivendo um período um pouco difícil. Primeiro, há uma dificuldade de a gente se reconhecer como cidadão, com os valores humanitários. O que mais me toca é um excesso de individualismo e a falta de generosidade e humanidade. Mas não vejo isso de uma forma pessimista. Como professora, tento passar valores de respeito e generosidade para os alunos, porque acho que não é só transmitir o conhecimento. Não sei bem até que ponto isso funciona, mas acredito que os alunos também olham para a gente e tentam buscar um exemplo, uma inspiração. Se a gente conseguir passar alguns desses, já é um começo.

Sonho – Meu grande sonho é que possamos viver melhor, de uma forma mais harmônica. Estamos vivendo com muita tensão, e há muita pressão no dia-a-dia. Eu quero que a minha filha tenha um mundo um pouco mais tranqüilo, mais destensionado.

Lazer – Adoro jardinagem. Agora, moro em apartamento, e o jardim virou um vaso. Também gosto de estar com os amigos e com a família para descontrair, além de ir ao cinema e viajar. 

Livro – Não tenho um livro específico. Gosto muito de obras, não só de história, mas também de romances de costumes. Também aprecio muito as biografias. Lembro de uma de que gostei muito: Meu último suspiro, sobre o cineasta Luis Buñuel. Cada momento tem um livro que nos toca de uma maneira diferente. 

Viagens – As viagens são feitas nas férias, e os destinos são variados. Os mais freqüentes são por perto. No máximo, praia em Santa Catarina, com a família. A gente vai para a prainha de Ibiraquera, que é bem tranqüila. Mas ir a Buenos Aires também é um bom programa. Se eu tivesse que escolher um lugar para voltar seria Paris, a mais fascinante das cidades que eu conheci na Europa. 

Unisinos – Gosto muito de trabalhar aqui. No curso de Arquitetura, a gente vem construindo várias coisas juntos. Eu já me sinto parte do curso. Aqui na universidade, entrei para a área de História da Arquitetura, que é o meu chão, embora eu transite por outras áreas. Aqui, tudo aconteceu meio rápido, porque logo que cheguei me colocaram em um cargo de supervisão, e uns anos depois eu fui para a coordenação do curso, onde fiquei por quatro anos. Foi uma experiência muito importante, acho que se amadurece muito em uma coordenação. Mais recentemente, comecei a participar das atividades da Escola de Design, em Porto Alegre.

Instituto Humanitas Unisinos – O Instituto tem um trabalho muito importante, em vários sentidos. É um lugar onde a gente vê a construção do pensamento. Vejo que o que nós, pesquisadores e pensadores, produzimos aqui na universidade está sendo posto para fora. E o trabalho do Instituto tem esse sentido de transbordar as coisas que vêm de dentro das cabeças das pessoas. Também é importante a oportunidade de a gente poder conhecer a cara dos colegas, sem a “roupa” de professores. Há coisas maiores que estão relacionadas, como eventos e pesquisas. O Humanitas é um coração que tem papel fundamental dentro e fora dos limites do câmpus.

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