Edição 241 | 29 Outubro 2007

Resiliência é encontrar forças para transformar dificuldades em perspectivas de ação

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IHU Online

Pequenas atitudes, como acolher e escutar, ajudam a construir crianças e adolescentes resilientes, disse Joviana Quintes Avanci, psicóloga, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ela, além da família, os profissionais da saúde e de educação são os maiores responsáveis por esse processo de auxilio aos jovens. Ela ressalta que a resiliência é uma capacidade “construída desde o nascimento e, se cuidada e bem desenvolvida, oferece proteção às crianças, adolescentes e adultos para lidarem com adversidades da vida”. No entanto, o grande desafio ainda é “mostrar e ajudar” esses jovens a “encontrar forças para transforma dificuldades em perspectivas de ação”, explica. 



Avanci, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, possui graduação em Psicologia, pela Universidade Gama Filho, e mestrado em Saúde da Mulher e da Criança, pela Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Pública. Atua principalmente nos seguintes temas: adolescente, violência, problema de comportamento. Sobre os temas, ela publicou os livros Labirinto de Espelhos. A formação da auto-estima na infância e adolescência (Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004) e Resiliência. Enfatizando a proteção dos adolescentes (Porto Alegre: Atmed, 2006).

IHU On-Line - Os principais traumas das crianças estão interligados com as relações familiares?
Joviana Avanci -
Quando estamos falando de crianças, o universo familiar é o palco onde os eventos podem se tornar mais traumáticos. No entanto, hoje em dia, a criança convive em outros ambientes que podem também acarretar traumas ao seu desenvolvimento, por exemplo, a violência vivida na comunidade onde reside. Portanto, cabe também à família oferecer proteção às crianças que vivenciaram eventos traumáticos fora da rede familiar através de apoio e afeto. Há várias linhas teóricas sobre trauma, mas o mais importante é o aspecto da subjetividade, como cada um pode viver um evento potencialmente estressor; como vive, elabora e pode superá-lo. E há ainda aqueles eventos não tidos como estressores, mas que podem desencadear muito sofrimento.

IHU On-Line - A resiliência pode ser vista como um processo de proteção e defesa para crianças e adolescentes?
Joviana Avanci -
Sim, a resiliência é uma capacidade que é construída desde o nascimento (possivelmente até antes) e, se cuidada e bem desenvolvida, oferece proteção às crianças, adolescentes e adultos para lidarem com adversidades da vida.

IHU On-Line - A partir de suas pesquisas, como a senhora percebe a atuação de crianças e adolescentes com situações difíceis e traumáticas da vida? Eles demoram a se tornarem resilientes?
Joviana Avanci -
Todos nós lidamos diariamente com situações difíceis de vida, desde o nascimento. A capacidade de resiliência independe dos eventos difíceis que as pessoas possam ter vivido. No nosso trabalho, identificamos apenas os seguintes eventos relacionados à capacidade de resiliência: a vivência de violência psicológica (humilhações, depreciações, são apenas algumas formas dessa forma de violência), o testemunho de agressão física entre os pais e relação sexual com eles. Esses eventos foram muito mais mencionados entre os jovens menos resilientes. No entanto, a resiliência está muito mais ligada à proteção que cerca a criança e o adolescente. Adolescentes que vivenciam muitas adversidades terão que contar com mais proteção, de ambiente e ligada às características pessoais, para lidarem com as situações difíceis. 

IHU On-Line - Como ocorre o processo de resiliência na infância e na adolescência? Traumas, perdas ocasionados nessas fases da vida são mais difíceis de serem superados?
Joviana Avanci -
Essa pergunta não é nada simples. A resiliência é uma capacidade construída diariamente, desde a concepção da criança. O mais importante na construção da capacidade de resiliência é como a proteção é dada a uma criança e um adolescente, especialmente nos momentos difíceis, proteção através de afeto, compreensão e no fortalecimento das características pessoais. Quanto à segunda pergunta, há muitas teorias sobre essa questão: uns defendem que os traumas ocorridos na infância causam mais prejuízo, outros já não acreditam nisso. Eu penso que o mais importante é o que aconteceu antes, durante e depois que o trauma aconteceu. É a forma como os adultos ou cuidadores lidam com os acontecimentos difíceis da vida que podem causar mais ou menos danos às crianças e adolescentes, mais do que os eventos em si.

IHU On-Line - De que maneira a resiliência ajuda a combater a violência? Como desenvolver a resiliência na sociedade?
Joviana Avanci -
A resiliência é um instrumento importante porque enfoca o aspecto da saúde do indivíduo, fortalecendo o que cada um tem de positivo. O enfoque é na proteção e não no risco. Essa abordagem pode ser muito útil a programas de prevenção e atendimento à população infanto-juvenil. Além disso, a resiliência pode ser pensada não apenas no aspecto individual, mas também institucional e ao nível da comunidade.

IHU On-Line - É possível aplicar o processo de resiliência nos atendimentos cotidianos, em hospitais públicos? De que maneira?
Joviana Avanci -
Claro que sim. Primeiramente, é preciso que o profissional tenha em mente que seu paciente tem um potencial de superação de dificuldades, que pode estar mais ou menos desenvolvido. Isso independe de ser rico ou pobre. É preciso desenraizar representações negativas, principalmente às famílias em situações de maior risco e vulnerabilidade. Além disso, a resiliência pode ser promovida através de apoio, expresso de várias formas, na superação dos problemas.

IHU On-Line - O que ainda pode ser realizado nessa área? Em que medida os profissionais da saúde podem ajudar crianças e adolescentes a superar dificuldades?
Joviana Avanci -
Há muito o que fazer e descobrir ainda. Pesquisas sobre resiliência no Brasil ainda são muito incipientes, especialmente sobre a efetividade do estímulo dessa capacidade em programas de prevenção e atendimento. Os profissionais de saúde, e incluo os de educação, são, juntamente com a família, os maiores responsáveis na construção de resiliência em crianças e adolescentes. Muitas são as estratégias que podem ser utilizadas. Cito apenas a capacidade de acolher e escutar como passo importante na promoção da saúde. O desafio é mostrar e ajudar a criança e o adolescente que viveu uma adversidade a encontrar forças para transformar dificuldades em perspectivas de ação.

IHU On-Line - O que a Saúde Coletiva, constituída nos limites biológicos e sociais, pode fazer para melhorar e estimular a capacidade e sensibilidade dos profissionais da área a incorporarem a resiliência no sistema de saúde?
Joviana Avanci -
A área da saúde  tem dado espaço a esse enfoque de promoção da saúde, na ênfase dos aspectos positivos do indivíduo. Mas há muito o que fazer, pois a área da saúde está mais acostumada a lidar com a doença e o risco.  

 

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