Edição 241 | 29 Outubro 2007

Resiliência: um processo psicológico dinâmico

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IHU Online

A psicóloga Michele Poletto acredita que a resiliência é uma característica comum do ser humano. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ela afirma que, “ao longo da história, o ser humano lidou com adversidades e suas trajetórias de enfrentamento, superação e adaptação. As milhões de adversidades vividas ao longo dos anos é uma prova da força e da superação do ser humano”.

Poletto possui graduação em Psicologia, pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e mestrado em Psicologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a dissertação intitulada “Contextos Ecológicos de Promoção de Resiliência para Jovens em Situação de Risco”. Atualmente, é doutoranda em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e psicoterapeuta em formação no Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre (CEP-PA). Tem experiência na área de Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: resiliência, psicologia positiva, populações em situação de risco, fatores de risco e fatores de proteção, protagonismo juvenil, trabalho infanto-juvenil, relações de trabalho, segurança e qualidade de vida no trabalho.

IHU On-Line - Qual é a principal característica do processo de resiliência em crianças e adolescentes, principalmente naqueles que vivem em situação de vulnerabilidade?
Michele Poletto -
A resiliência implica no enfrentamento de uma situação de risco, é um processo psicológico dinâmico. Ela é entendida a partir da interação dinâmica existente entre as características individuais e a complexidade do contexto social. O processo de resiliência opera na presença de risco para produzir conseqüências que auxiliam os indivíduos a enfrentarem e superarem problemas e adversidades na vida. A principal característica do processo de resiliência, tanto de crianças e adolescentes como de qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade, é o engajamento em uma situação de risco, seu enfrentamento, superação e adaptação diante de algo adverso.
 
IHU On-Line - O que dizer de crianças que têm a responsabilidade de cuidar de crianças menores? Como elas vivem e constroem a resiliência?
Michele Poletto -
O período da infância é voltado para o aprendizado, para a brincadeira, para as experiências novas, mas precisa da supervisão de um adulto que possa exercer a função de continência, proteção, orientação e cuidado. No entanto, muitas famílias, por suas dificuldades econômicas severas e pela falta de políticas públicas adequadas e protetivas aos que necessitam, precisam do auxilio dos filhos maiores para o cuidado dos irmãos. Certamente, é uma responsabilidade que faz com que a criança cuidadora fique sobrecarregada e talvez tenha prejuízos no seu desenvolvimento. Mas não se pode condenar a vida dessa criança, pois se ela tiver recursos internos (competência social, apego seguro, auto-eficácia etc.), uma rede de apoio social e afetiva (amigos próximos, parentes afetivos, por exemplo) e coesão ecológica (relacionamentos afetivos positivos e saudáveis), ela possivelmente poderá dar conta dessa situação e enfrentá-la sem maiores prejuízos ao seu desenvolvimento. Evidentemente, ela amadurecerá mais cedo como também, antecipadamente a outras crianças, terá clareza da realidade que está ao seu redor.
 
IHU On-Line - Como se dá o processo de resiliência em uma criança que sofreu o trauma da morte de uma pessoa querida, como pai e mãe, por exemplo?
Michele Poletto -
Perdas tão significativas sempre deixam marcas, mas vai depender de como a criança percebe o momento de adversidade. Evidente que a morte trará dores, mas se ela tiver pessoas próximas que a acolham, dêem carinho e proteção e que essa criança consiga significar essa perda de um modo menos traumático, ela poderá superar esse momento e seguir bem no seu desenvolvimento e na sua vida.
 
IHU On-Line - Crianças que aprendem a ser resilientes tornam-se adultos menos vulneráveis ao estresse da vida cotidiana?
Michele Poletto -
Não sei se essa seria a melhor palavra, “aprender” a ser resiliente, mas a dar conta, com seus recursos (pessoais e com relacionamentos seguros e afetivos) das situações adversas de vida. O processo de resiliência não é estático. A pessoa poderá apresentar em alguns momentos processos de resiliência e dar conta dos momentos de vida adversos, mas isso não garante que ela sempre lidará bem com o estresse. Mas evidentemente que uma infância saudável e segura “mune”, de certa forma, o adulto para lidar bem com as experiências difíceis.
 
IHU On-Line - Em que sentido a resiliência contribui para mostrar a força do ser humano?
Michele Poletto -
Os primeiros pesquisadores de resiliência achavam que ela era privilégio de algumas pessoas. No entanto, as pesquisas foram mostrando que ela é uma característica comum do ser humano. Ao longo da história, o ser humano lidou com adversidades e suas trajetórias de enfrentamento, superação e adaptação. As milhões de adversidades vividas ao longo dos anos é uma prova da força e da superação do ser humano.
 
IHU On-Line – Quais são os maiores desafios e avanços da pesquisa sobre resiliência e psicologia positiva? Em que a área mais evoluiu a partir de sua história, desde seu surgimento?
Michele Poletto –
Dentre as áreas que a resiliência e a Psicologia positiva mais evoluiu e propagou suas concepções, posso citar alguns exemplos:

a) Na Psicologia Comunitária – mudança de foco ao estudar as conseqüências da pobreza e da exclusão social para a resiliência e o entendimento dos fatores de risco e de proteção;

b) Na Psicologia Clínica – processo de desconstrução do modelo médico e aumenta a ênfase na identificação de fatores positivos, forças e qualidade de vida;

c) Na Psicologia Organizacional: norteando trabalhos sobre planejamento de carreira, orientação vocacional, relações interpessoais nas organizações, políticas de recursos humanos: qualidade de vida no trabalho, bem-estar.

Um dos desafios é o esclarecimento quanto ao uso do termo. Deve-se atentar para a banalização e o uso indevido do termo resiliência. Para se falar de resiliência, é preciso haver o enfrentamento de uma situação de risco, na qual mecanismos de proteção (recursos pessoais, relações afetivas seguras e positivas) irão possibilitar a significação, a superação do evento adverso.

A Psicologia Positiva busca o entendimento dos processos e fatores que proporcionam o desenvolvimento psicológico sadio. Além disso, lhe interessa saber quais elementos implicam o fortalecimento e a construção de competências nos indivíduos. A resiliência, por suas características, é um dos conceitos que se enquadra nesse novo olhar da psicologia. Nos próximos anos, como já há reflexos disso, mais estudos terão como foco o desenvolvimento e os aspectos saudáveis do ser humano, investigando todas as potencialidades inerentes a ele: criatividade, fé, alegria, otimismo, esperança, sabedoria, perdão, entre outras.

A resiliência e a Psicologia Positiva mostram ao ser humano, talvez mais especificamente, à comunidade científica, a necessidade de resgate das potencialidades da natureza humana, não apenas competente para criar e operar máquinas. Além disso, muito se sabe sobre as psicopatologias, e talvez o maior desafio da Psicologia positiva e da resiliência seja servir como um dos suportes para estudos de todos os tipos que busquem compreensões dos processos saudáveis, das potencialidades, das habilidades e da força do ser humano.

IHU On-Line - Pode resgatar as origens do termo "resiliência"?
Michele Poletto -
Originariamente, o termo resiliência surgiu da Física e refere-se à habilidade de uma substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade. Invulnerabilidade ou invencibilidade são precursores da definição do termo resiliência na Psicologia. A invulnerabilidade significaria uma resistência absoluta ao estresse, uma característica não sujeita a mudanças. No entanto, com os avanços dos estudos, os pesquisadores constataram que a resiliência não tinha a ver com invencibilidade, mas com a possibilidade de enfrentamento, adaptação e superação. Os primeiros estudos sobre resiliência a compreendiam como sendo um atributo individual: a pessoa teria ou não resiliência. Porém, na seqüência, os pesquisadores foram mostrando que a resiliência não era um fenômeno estático, mas um processo psicológico complexo que envolvia os recursos pessoais, ambientais, relacionais e o engajamento na situação adversa para a sua posterior superação.

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