Edição 240 | 22 Outubro 2007

Perfil Popular - Osmar Nunes Xavier

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Não é de hoje que o esporte faz parte da vida de Osmar Nunes Xavier, 58 anos. No entanto, o gosto pela pelas atividades físicas se intensificou em 2002, quando Osmar se aposentou, após 44 anos de trabalho no ramo metalúrgico. Ao saber, pelo jornal, que a Unisinos oferecia práticas esportivas gratuitamente para alunos da terceira idade, ele se interessou e resolveu encarar o desafio. E, para aquecer, Osmar vai a pé de sua casa, no bairro Santa Tereza, em São Leopoldo, até a universidade. Em entrevista concedida à revista IHU On-Line, ao término de um jogo de câmbio, Osmar falou dos benefícios do esporte, além dos ensinamentos do pai, dos filhos e da infância humilde, que lhe fez desenvolver a criatividade para ter com o que brincar. Confira, a seguir, a entrevista:

Origens – Foi no bairro Santa Tereza, em São Leopoldo, que Osmar Nunes Xavier nasceu e mora até hoje. “Praticamente estudei, fiz a minha formação e trabalhei a maior parte da minha vida também em São Leopoldo”, revela. Para Osmar, depois de Porto Alegre, São Leopoldo é melhor município, quanto ao comércio, empresa e vida noturna. “Até uns anos atrás, era um dos grandes pólos metalúrgicos”, salienta.

Família – “Somos nove irmãos: cinco homens e quatro mulheres”, conta Osmar que é o mais novo, com 58 anos. Como os irmãos mais velhos já trabalhavam, o convívio maior foi com as irmãs. E Osmar afirma que, embora a família fosse numerosa, não havia espaço para brigas. “Meu pai conseguiu nos dar uma educação que a gente se tolerava bastante”, destaca. O pai de Osmar era colono, do Morro dos Bois, localizado entre Gravataí e a Lomba Grande. “Ele começou carreteando farinha para São Leopoldo. Depois, resolveu se estabelecer por aqui. Ele conseguiu ser funcionário público, e fazia o tratamento hidráulico na cidade.” Quanto à mãe, dona-de-casa, Osmar tem recordações vagas, pois ela faleceu quando ele tinha quatro anos de idade.

Infância – “Como o meu pai era sozinho e funcionário público, ele nos criou com dificuldades financeiras.” Osmar recorda que alimentação nunca faltou, ao contrário dos brinquedos. “A gente olhava os brinquedos e fazia. Os carrinhos de lomba eram feitos com rodas de eucalipto, e ia para o fogão à lenha com o ferro quente e furava, porque não tínhamos ferramentas.” Apesar do sacrifício, Osmar reconhece que este período de sua vida foi muito bom e “fez com que a gente desenvolvesse a criatividade”, avalia.

Estudos – “Nunca fui um bom estudante, mas me considero um privilegiado, porque meus irmãos tiveram que começar a trabalhar cedo, e eu consegui ficar até a 2ª série do Ginásio só estudando”, revela Osmar. Aos 14 anos, ele teve a carteira de trabalho assinada pela primeira vez, quando passou a estudar no Senai, onde fazia o curso de mecânica à tarde. E ainda estudava à noite para concluir os estudos. A força para não abrir mão do conhecimento veio do seu pai. “O que levou o meu pai a me colocar no Senai foi o fato de eu aprender uma profissão, mesmo que não gostasse, e ainda ter uma renda, na época, meio salário mínimo. Ele estudou até o 3º ano primário e transmitiu para nós que a chave para abrir as oportunidades era o estudo. O depois vai depender do que tu tem na cabeça. E isso eu transmiti para os meus filhos.” Para garantir a profissão, Osmar estudou eletromecânica na Escola Técnica Frederico Schmidt. “Depois disso, eu casei e parei de estudar um tempo”, conta. Ao sentir que o curso técnico já não seria mais suficiente, Osmar decidiu voltar para a sala de aula. “Naquela época, por volta de 1976, aqui na Unisinos, existia o curso de Engenharia Operacional, de 44 cadeiras. Mas a maioria das empresas não aceitava as pessoas como engenheiros, mas como técnicos ‘melhorados’”, lembra.

Trabalho – As experiências profissionais de Osmar se dividem em diversas empresas, como a Arplac, pioneira em calçados injetados, e as metalúrgica Maxiforja e Usimec. No entanto, foi na Rossi, especializada em armamentos, que sua carreira se solidificou. “Quando estudei no Frederico Schmidt eu precisava estagiar para conseguir o diploma e, por isso, tinha que ir para uma empresa maior. Então, em 1971 eu fui para a Amadeo Rossi e acabei ficando lá por 20 anos”, destaca.

Casamento – Aos 24 anos, Osmar casou com Maria Inês, mas o matrimônio não estava nos seus planos. “Às vezes, as coisas muito planejadas acabam não se realizando ou não dando certo, por receio ou qualquer probleminha pequeno. Outras vezes, as coisas acontecem aos ‘trambolhões’ e dão certo. Esse foi o meu caso. Eu não estava preparado, mas recebi ajuda da minha família, principalmente da minha sogra.”

Filhos – Pai de três filhos: Alan, 34 anos, engenheiro mecânico; e os gêmeos Anderson, técnico em mecânica, e Anelise, pedagoga, de 28 anos, Osmar se orgulha em ter garantido que até os 18 anos eles só estudassem. “O que o meu pai nos passou, a necessidade da gente saber alguma coisa e ter uma profissão, eu consegui passar para eles. Uma das minhas metas era dar uma formação a eles e eu consegui”, ressalta. Mesmo ciente de que era preciso incentivar os filhos, Osmar admite: “Nunca dei o peixe, mas ensinei a pescar”.

Volta aos estudos – Quando tinha quase 30 anos, Osmar decidiu cursar Engenharia Operacional na Unisinos. Como estava há um bom tempo sem estudar, ele entrou para um cursinho pré-vestibular, e conseguiu passar na opção desejada. “O curso era de cerca de quatro anos, e uma boa parte do conteúdo eu já tinha visto no curso técnico. Quando entrei, fiz um semestre e extinguiram o Operacional, pelo não reconhecimento, e implantaram o curso de Engenharia Mecânica. Só que aumentou o número de cadeiras, de 44 para 76”, conta Osmar. Cursando três disciplinas por semestre, ele começou a fazer as contas: “são 76 cadeiras, três cadeiras por semestre, serão 15 anos de estudo, e já vou estar me aposentando”. Osmar chegou a fazer 30 cadeiras do curso, mas percebeu que os estudos estavam tomando o espaço da sua família. “Eu não podia sair com eles, tinha que me dedicar aos trabalhos de aula. Então, eu pensei: de que adianta eu me formar por uma questão de orgulho?”. Quando desistiu do curso superior, Osmar passou a fazer uma reserva para dar estudos aos seus filhos. Além disso, “comecei a fazer pequenos seminários, por conta da empresa”, conta. 

Atividade física na Unisinos - Osmar conta que se aposentou aos 48 anos. Isso foi em 1996, mas ele seguiu trabalhando até 2002. “Estava só eu e a minha esposa em casa, os filhos já estavam casados, e a gente não é de viajar”, explica. Apesar de já ter uma relação antiga com os esportes, a idéia de fazer atividade física na Unisinos surgiu por acaso. “Um dia, li no jornal que a universidade tinha um programa gratuito para a terceira idade. Aí, eu resolvi ir buscar informações, vim assistir às aulas, gostei e comecei a fazer.” Desde 2002, Osmar se dedica ao programa três vezes por semana e pratica modalidades distintas, como alongamento, musculação e jogos de câmbio. “Já venho de casa a pé para o corpo aquecer.”

 Benefícios do esporte – Osmar define a prática esportiva como um remédio ruim. “É muito melhor eu ficar em casa dormindo até 10h do que me levantar às 7h para vir pra Unisinos.” Mas ele reconhece que só tem a ganhar com a atividade física. “É preferível tomar esse remédio ruim três vezes por semana e não precisar tomar medicamentos, do que ficar em casa olhando televisão ou na janela, criando barriga e piorando o meu estado de saúde.” Além disso, Osmar comenta que o esporte é uma maneira de tirar os menores da rua e ensinar a viver em sociedade.

 Momentos marcantes – Para Osmar, a vida não é feita de um, dois ou três momentos felizes ou tristes. “É um somatório, e tu tem que botar tudo em uma balança para ver o que deu mais certo e tentar buscar o melhor”, avalia.

 Lazer – A pesca é o passatempo preferido de Osmar, tanto que ele chegou a comprar um barco. “De vez em quando, vou pescar no Rio dos Sinos ou no Rio Jacuí.” Antes, o futebol também era uma das formas de lazer, mas “eu tenho os joelhos ‘estourados’ e precisei parar”, destaca. Osmar também já ocupou o tempo de folga com competições de tênis, nas quais ganhou medalhas e taças. “Também fui campeão municipal de ping-pong e de futebol de salão.”
 
Religião – Embora tenha sido criado nos princípios da Igreja Católica, Osmar afirma que não é assíduo à religião. “Eu acho que não se pode aceitar as coisas de olhos fechados, porque o padre disse”. Osmar define a religião como um estado de espírito. “Se tu te sente bem indo rezar na igreja, tudo bem. Ser tu te sente bem rezando em casa ou caminhando na rua, faz isso, não precisa ir à Igreja. Isso não quer dizer que eu não aceite Deus.” E também não esconde que acredita no Criador. “Ele deve existir. Do contrário, como se justificaria todo esse mundo?”.

Política brasileira – Na visão de Osmar, antigamente, os políticos e a sociedade, em geral, eram mais honestos. “Quando eu era guri, a nossa casa não era chaveada. A gente fechava a porta para os gatos não entrarem, mas medo de que alguém entrasse para roubar não existia”, destaca. Além da segurança, a redução da maioridade penal é vista com inquietação por Osmar. “Por que um jovem é considerado apto para escolher um líder do país e não pode ser responsabilizado pelos seus próprios atos, em roubos e mortes?”. Osmar comenta que os governantes dizem que isso é um problema social do Brasil, porque não há emprego para todos. “Muitos dizem que porque o salário é baixo as pessoas se corrompem. Mas as autoridades também se corrompem, então esse não é um problema social, mas, sim, estrutural”, define.

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