Edição 235 | 10 Setembro 2007

O futuro do capitalismo – Brazil, o filme, de Terry Gilliam

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IHU Online

Quarta com Cultura Unisinos - 2007

É difícil medir até que ponto nossa sociedade é mais burocrática que outras, mas desde a colonização do Brasil “criamos um sistema que muitas vezes é feito para não funcionar”, afirmou a professora Gláucia Angélica Campregher, docente na Unisinos, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ela, os motivos para a burocracia brasileira envolvem “amarras que impedem o livre desenvolvimento de todo e qualquer indivíduo”. Campregher é a debatedora do filme de Terry Gilliam, Brazil - O filme, no Quarta com Cultura Unisinos – 2007, que acontece nesta quarta-feira, 12-09-2007, na Livraria Cultura, em Porto Alegre.

Gláucia Campregher ensina nas Ciências Econômicas e Administrativas da Unisinos. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Viçosa, é mestre em Economia pela Unicamp, com a dissertação intitulada Desdobramentos lógico-históricos da ontologia do trabalho em Marx, e doutora em Economia, também pela Unicamp, tendo sua tese o título Contribuição à crítica da Economia Política do não-trabalho. Organizou a obra Marco referencial do Plano Plurianual RS/2004-2007 (Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria da Coordenação e Planejamento, 2002). Ela concedeu uma entrevista sobre a crise política nacional na 151ª edição da IHU On-Line, de 15-08-2005.  Na edição 155, de 12-09-2005, Campregher foi uma das especialistas a discutir a criação do Centro Celso Furtado.


Ficha Técnica
Título Original: Brazil
Gênero: Ficção Científica
Tempo de Duração: 131 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 1985
Estúdio: Universal Pictures / Embassy International Pictures
Direção: Terry Gilliam


Sinopse
Sam Lowry (Jonathan Pryce) vive num Estado totalitário, controlado pelos computadores e pela burocracia. Neste Estado, que lida com o terrorismo, todos são governados por fichas e cartões de crédito e ainda precisam pagar por tudo, até mesmo a permanência na prisão. Neste mundo opressivo, Sam acaba se apaixonando por Jill (Kim Greist), uma terrorista.

 

A invencível burocracia brasileira 
Entrevista com Gláucia Campregher


IHU On-Line - Em que aspectos Brazil – O filme se aproxima da realidade burocrática que vivemos em nosso país?
Gláucia Campregher -
Acho que a questão da burocracia é apenas uma entre tantas questões que o nosso país simboliza e que inspiraram os produtores/diretores nessa crítica fantástica que fazem ao capitalismo moderno. O glamour dos anos 1950, por exemplo, (no filme visto nos trajes, nos prédios, nos restaurantes etc.) serve apenas como uma aparência, uma casca, um cenário que serve para a elite se sentir bem, mas que esconde a pobreza, a sujeira, a feiúra, que é a realidade da maioria.

Até que ponto a nossa sociedade é mais ou menos burocrática que outras tantas é difícil dizer, mas é sabido que desde a nossa colonização pelos portugueses criamos um sistema que muitas vezes é feito para não funcionar, e isso não por burrice, ineficiência ou coisa que o valha. Os motivos são mais significativos, envolvendo amarras que impedem o livre desenvolvimento de todo e qualquer indivíduo. Por exemplo, a coroa portuguesa exigia que um donatário de terras (um agraciado que obtinha da própria coroa o direito de explorar a terra) provasse que as estava explorando com a máxima produtividade sob pena de perdê-las. A coroa nem tinha poder de fiscalizar isso, mas esse princípio uma vez estabelecido lhes facultava fazê-lo sempre que um desses “proprietários” a incomodasse; mantinha-os assim sob seu cabresto.

No filme, a burocracia serve para algo semelhante – serve para manter os homens ocupados e subjulgados, enquanto o importante é decidido, realizado em outras esferas sobre outras regras – nada burocráticas, nem no bom (eficiente, necessário - ao controle social, por exemplo), nem no mal sentido (ineficiente, desnecessário etc.).

Veja, não é o erro de digitação do nome de alguém, por um funcionário qualquer, que o leva à prisão, à tortura e à morte; é o regime repressor que, aliás, funciona muito bem! O “faz de conta” - que é o que a burocracia muitas vezes é -, é que é denunciado no filme; que sugere ainda a necessidade de descobrirmos o que há por trás do “faz de conta”...

IHU On-Line - Que outras mensagens subliminares essa produção faz à nação brasileira?
Gláucia Campregher -
Bem, já falei da coisa do glamour; há também a coisa da alegria e da felicidade “natural” do nosso povo – que o filme trabalha principalmente na música (“Aquarela do Brasil”) e nas imagens paradisíacas que ela evoca. Há a coisa da preocupação externa com a aparência – que o filme mostra no personagem que não pára nunca de fazer uma plástica atrás da outra. Todos estes são cascas a esconder algo.

IHU On-Line - O futuro do capitalismo tende a imitar essa produção da sétima arte e cobrar até pela permanência dos condenados na prisão?
Gláucia Campregher -
Mas já é assim! Nos presídios privatizados mundo afora o Estado paga para os prisioneiros ficarem ali. E, é claro, somos nós então que pagamos. E nada de errado em a sociedade pagar para que indivíduos re-socializáveis o fossem (ao invés de serem educados no crime) e não socializáveis fossem afastados do convívio social. O problema é isso dar lucro pra alguém. Se a lógica do lucro impera, então quantos mais (e não menos) prisioneiros melhor, não?!

IHU On-Line - Como podemos entender a exacerbação do capitalismo, por um lado, e o crescente acesso à informação, por outro, o que, pelo menos em tese, aumentaria a capacidade de crítica e reação das massas?
Gláucia Campregher -
Ah, aí já teríamos que discutir muita coisa que não cabe nesse pouco espaço. Mas, simplificadamente, eu diria que: 1- informação não é conhecimento e 2- conhecimento não é ação. Indivíduos críticos, reflexivos, e ativos, e mais criativos, são algo difícil de ser produzido. Mas, veja, os gregos conseguiram – pelo menos para uns poucos. Eu credito o sucesso deles a duas coisas principais: 1)  vida cívica - direito a tempo livre para reflexão e cobrança de uma ação para a comunidade em troca, ou seja, lazer e trabalho resignificados (eles têm que fazer sentido, não pode ser trabalho alienado e tempo livre vazio); e 2) educação misturada com formação integral, ou seja, não educação técnica, profissional, mas educação para a saúde e a felicidade de cada um e da sociedade como um todo (daí o peso da filosofia entre eles). 

IHU On-Line - Outro traço presente em Brazil- O filme é o do autoritarismo. Como essa característica se relaciona com o capitalismo e suas crescentes exigências tanto para empresários, consumidores, trabalhadores, ou seja, para a sociedade em geral?
Gláucia Campregher -
O autoritarismo é o outro lado da alienação. Se você não vê nada, não sabe de nada, não cria e nem participa de nada, alguém está fazendo isso por você. Se você aliena a outro o direito de dispor do seu tempo de trabalho, do que vai fazer no seu lazer, das opções do mundo da política etc., você está colaborando para construir um sistema autoritário de poder. O autoritarismo é o outro lado da vida vazia, ou esvaziada, pela burocracia, pela futilidade, pela mentira, que, muitas vezes, nos assentimos de um modo ou de outro.

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