Edição 235 | 10 Setembro 2007

Perfil Popular - Vaniz de Lurdes Ganzer de Vargas

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Moradora do bairro Guajuviras, em Canoas há 20 anos, Vaniz de Lurdes Ganzer de Vargas já passou por momentos bastante difíceis ao longo da vida. A infância pobre em Palmeiras das Missões foi o seu primeiro grande obstáculo, além de começar a trabalhar com oito anos na lavoura, ajudando o seu pai. Batalhadora, feliz e admirada por todos os que estão a sua volta. Estes são traços marcantes da personalidade de Vaniz, que é mãe de Greyce Vargas, 23 anos, repórter do sítio do Instituto Humanitas Unisinos. Confira, a seguir, a entrevista concedida com exclusividade à revista IHU On-Line, na qual Vaniz falou sobre as dificuldades que superou para vencer na vida e criar os filhos e o sonho de vê-los formados. 

Origens – Nascida em Palmeira das Missões, Vaniz de Lurdes Ganzer de Vargas teve uma vida privada de confortos. “Somos 10 filhos, e a nossa família era muito pobre. Desde os 8 anos, ajudava meu pai na lavoura e também ajudava a cuidar dos meus irmãos menores. Sempre tinha um bebê na casa, e alguém tinha que cuidar dele , porque a mãe ajudava o pai na lavoura.” Ela não se envergonha em falar que é de origem humilde e conta com detalhes como era a casa onde morou. “A casa tinha três quartos: o dos meus pais, um para os guris e outro para as gurias. O chão da cozinha era de chão batido, e o fogão era de feito de barro e tijolo”.

Infância e escola – Vaniz conta que costumava brincar de coisas de criança, como subir em árvores ou tomar banho de rio. “Até os sete anos, só brincava. Aos oito anos, fui para a escola.” Devido à falta de condições financeiras, Vaniz tinha vergonha de ir ao colégio. “Em dia de chuva, íamos de pés descalços. Parei de estudar na 5ª série.”

Saída de Palmeira das Missões e trabalho - Quando tinha 10 anos de idade, ela e a família saíram de Palmeira das Missões. “Meu pai era doente, tinha câncer de pele. Vendemos tudo e compramos uma casa no Morro da Cruz, em Porto Alegre.” Vaniz conta que o casal de filhos mais velho ficou na capital por dois meses, mas quis voltar para Palmeira das Missões. “Com isso, os filhos menores tiveram que trabalhar. Com onze anos, eu e a minha irmã fomos trabalhar em casa de família. Na primeira vez, fui trabalhar na casa de um casal de velhinhos. Depois, fui babá em uma casa que tinha três crianças, e também fazia todo o serviço. Desde lençol, lavava à mão, porque não existia máquina de lavar.” Como pagamento pelo trabalho, Vaniz recebia os estudos. Após oito meses de trabalho nesta casa, ela passou a ficar somente em casa, porque a sua mãe foi trabalhar fora e era ela quem cuidava das crianças. “Até os 16 anos, fiquei em casa. Depois disso, passei a trabalhar de carteira assinada, como ascensorista, na Escola de Inglês Cultural. Cheguei lá através de uma amiga da minha mãe. Aos 21 anos, saí de lá, porque eu gostava muito de ler e eles não gostavam que eu lesse no elevador. Então, fui trabalhar em uma gráfica.”

Casamento – “Meu pai criou todos nós na doutrina da Igreja. Eles eram católicos e passaram a freqüentar a Assembléia de Deus.” Vaniz freqüenta a Igreja desde os seis meses de idade, e conheceu o primeiro marido na Igreja. “Foi na Igreja Batista, em Alvorada. Eu morava em Porto Alegre. Ficamos um ano noivos e casamos. Fomos morar nos fundos da casa do meu pai. Com oito meses de casada, engravidei de minha primeira filha, a Greyce. Fiquei casada durante 10 anos. Com o tempo, passamos a não freqüentar mais a Igreja. Depois disso, me separei”. 

Ida para Canoas – Faz 20 anos que Vaniz mora em Canoas, no bairro Guajuviras. “Viemos para cá em maio de 1987, e minha filha tinha três anos. Morávamos em Porto Alegre e soubemos de uma ocupação no bairro Guajuviras, porque estávamos inscritos na Caixa Econômica Federal para a compra de uma casa, e resolvemos vir para cá.” O período da ocupação foi bastante difícil, lembra Vaniz. “Usávamos luz de velas, e não tínhamos água. A gente trabalhava de dia e juntava água de noite. Percorríamos as torneiras no mato ou esperavámos o caminhão pipa para pegar água. Acho que isso se estendeu por seis meses.” Como quase todos os apartamentos já estavam ocupados, Vaniz pegou o primeiro que estava vazio, mas não tinha garantia alguma de que o imóvel não seria invadido por outro morador. “A gente colocava uma corrente na porta, com o nome, para dizer que aquele era nosso. Tinha que ter uma pessoa ali dia e noite para cuidar, se não chegava outra pessoa e invadia. Quem cuidava o apartamento era o meu marido. Ele ficou durante 15 dias de atestado médico do trabalho para cuidar do apartamento.” Vaniz destaca que cuidar de um filho nessas condições era muito difícil. “Eu trabalhava fora o dia inteiro e deixava a minha filha, de três anos, que ainda mamava no peito, com uma vizinha.” Vaniz ainda trabalhava na gráfica e tinha uma jornada de oito horas diárias. Ao chegar em casa, nada de descanso. “Tinha que fazer o serviço da casa, fazer janta e juntar água para o outro dia. Tudo isso no escuro, porque só tinha luz nos postes de rua.”

Guajuviras – Há nove anos atrás, Vaniz e optou por trocar o apartamento onde morava com a família por uma casa. “Mudar de novo, era uma novidade.” E também não causava tanto descontentamento para Vaniz. “Agora, se tornou mais difícil, porque existe muito vandalismo. O bairro está ficando muito perigoso. Tem muito assalto aqui”, explica ela, que acompanhou todo o desenvolvimento do Guajuviras. Vaniz lembra que o que mais marcou o começo da vida no bairro foram as brigas entre os vizinhos. “Muita gente incomodava, roubava. Roubavam roupas e o tudo o que pudessem. A gente tinha que ter o maior cuidado. A dificuldade também era do ônibus para ir ao trabalho. Eram muitas pessoas e poucos ônibus. Aos poucos, o Guajuviras foi crescendo.”

Segundo casamento – Depois de dois anos separada, Vaniz casou novamente. Desta união, nasceu o filho Matheus, que está com 11 anos. “Até casar de novo, morei sozinha com a minha filha e trabalhava para poder sustentá-la e pagar o apartamento.” Quando engravidou novamente, Vaniz tinha 35 anos. “Foi uma gravidez difícil, de alto risco, também por causa da idade. Depois que o meu filho nasceu, parei de trabalhar de carteira assinada e fui trabalhar com venda de cosméticos. Faz 10 anos que eu não sei o que é tirar férias.”

Filhos – Apesar das dificuldades, Vaniz criou com dignidade os filhos, dos quais fala com orgulho. “Meus filhos são maravilhosos, não tenho do que reclamar. Minha filha, a Greyce, está se formando em Jornalismo. E meu filho, Matheus, que está com 11 anos, vai ser agrônomo. Ele diz que quer sair da cidade grande e ir para o interior, para um lugar calmo, porque ele é muito preguiçoso.”

Rotina – Além de continuar trabalhando com venda de cosméticos, Vaniz divide seu tempo entre cuidar da casa e do filho Matheus. “Tenho que manter ele no regime do colégio e controlar horário de ônibus.” Para Vaniz, menino é mais difícil de criar em relação à menina, porque ele é mais teimoso, mais preguiçoso e não é tão obediente. “Foi mais fácil criar uma menina. Ela era mais calma. As épocas mudaram. Hoje, está mais difícil, existe tanta maldade no mundo que tem que controlar tudo e cuidar mais dos filhos”.

Sonho – “Ver os meus filhos formados.”

Fé – Criada nos princípios da Igreja, Vaniz aprendeu, a importância de acreditar em uma força maior. “A minha fé é em Deus. A gente sabe que não vê Ele, mas a gente sabe que ele existe, através da saúde que a gente tem.”

Relação com a Igreja – “A Igreja é a minha segunda família”, comenta Vaniz. Ela auxilia na regência do coral, além de assistir aos cultos e louvar ao Senhor.

Momentos marcantes – A maternidade tem um forte significado para Vaniz. Ela conta que o dia do nascimento dos filhos foi o mais feliz de sua vida. “E também quando recebi o batismo do Espírito Santo. Só quem recebe entende esse momento maravilhoso.” Vaniz também passou por situações difíceis, as quais lhe deixaram marcas de tristeza. “Há algumas decepções na vida, mas não gosto de falar delas.”

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