Edição 234 | 03 Setembro 2007

Rosana Cecchini de Castro

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Administrar o tempo é um grande desafio para Rosana Cecchini de Castro, 48 anos, psicóloga e integrante do corpo docente da Unisinos. Além das aulas e demais rotinas da universidade, ela tem compromissos no consultório particular, acompanha o desenvolvimento do filho Daniel, 14 anos, e se dedica ao esposo, Paulo, e à mãe, Gemma. Rosana não deixa de cumprir nenhuma de suas atribuições, mesmo que estas lhe custem tempo. No dia 27 de agosto, dia do psicólogo, ela reservou um espaço no seu dia para contar, com exclusividade à revista IHU On-Line, momentos especiais e marcantes de sua trajetória, lembrados com emoção. Confira a entrevista:

Origens e infância – Minha mãe é de Caxias do Sul e meu pai era português. Ele veio trabalhar no Brasil, e eles acabaram se estabelecendo aqui em São Leopoldo, onde nasci em 1959. Meu pai era eletro técnico da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e a minha mãe é professora aposentada. Morei em São Leopoldo, no centro, em cima do Rio Bar, que agora é uma sorveteria, até os 18 anos. Era um período que ainda era possível brincar na calçada. Eu tinha amigas que moravam em casa, então, brincávamos no pátio de comidinha de areia. Eu ia muito à pracinha dos brinquedos, que é bem conhecida na cidade. Na infância, tinha outras preocupações que parecem menores, diante das que a gente Tem hoje. Muitas vezes, por ser filha única, me senti sozinha. Eu achava que ter irmãos seria melhor, em termos de ter companhia, mas, como sempre tive amigas, nunca ficava sozinha.

Estudos - Fiz o primário na Escola Visconde de São Leopoldo. Depois, passei para a Escola Pedro Schneider, e, de lá, vim para a Unisinos. Gostava de estudar e sempre fui boa aluna. Lembro que peguei recuperação uma vez, no 3º ano do Ensino Médio. Estudei na Unisinos, fiz faculdade de Psicologia, me formando em 1982.

Relação com os pais – Acho que, às vezes, era meio tumultuada, no sentido de que eu queria fazer coisas que eles já não tinham mais interesse, por serem mais velhos. Também por isso eu achava que ter irmãos era uma coisa boa. Eu tinha muitos primos, mas nenhum deles morava aqui. Então, muitas vezes eu fui passar as férias com eles em Caxias, onde tinha mais contato com pessoas da minha idade. Meus pais sempre me deram força para as coisas que eu queria fazer.

Psicologia – Eu queria entender as pessoas e, também, me entender melhor, devido aos próprios conflitos da idade, da adolescência. Eu procurava ler livros que tivessem a ver com a temática e que se reportassem ao entendimento do comportamento das pessoas. Daí surgiu o interesse pela psicologia. Paralelo a isso, tinha um interesse por decoração e arquitetura, mas acabei prestando vestibular para Psicologia na PUC e na Unisinos. Cheguei a fazer vestibular para Arquitetura na UFRGS. Passei no vestibular da Unisinos e comecei a estudar. Acredito que fiz uma escolha certa e, de lá para cá, tenho sempre me dedicado e estudado.

Trabalho – Enquanto fazia faculdade, era funcionária pública estadual. Atuava como professora contratada, mas acabei trabalhando com psicologia. Logo que me formei, comecei a trabalhar em consultório, aqui em São Leopoldo. Em 1984, fui convidada para trabalhar na PUC, onde permaneci até 1993. Depois, em 1988, passei a trabalhar na Ulbra, e fiquei lá por dois anos. Sempre tive muita vontade de voltar para a Unisinos, de trabalhar na universidade em que me formei. Vim para cá em 1990, quando ainda era funcionária do Estado, trabalhava na Ulbra e estava saindo da PUC. Comecei a trabalhar na Unisinos e, aos poucos, fui deixando as outras instituições.

Espanha – Em 1986-1887 morei em Madrid, na Espanha, para fazer um Curso de Especialização em Psicologia Clínica. Foi uma experiência de muito crescimento pessoal. Estudei e conheci muitos países também. Mais recentemente, voltei a viver na Espanha por quarto anos (1999-2003), para fazer o doutorado. Foi uma experiência muito positiva, que me acrescentou muito conhecimento, embora também angustiante, ao menos no início. Vivi em uma estrutura completamente diferente da nossa. Abri mão de todas as coisas que tinha aqui, parei de trabalhar no consultório e na universidade, e me tornei aluna de novo. Fui com uma colega, a professora Marcia Viana, que trabalha na Educação Continuada da Unisinos e também na graduação. Em Bilbao, cidade onde morei, encontrei outros professores daqui e acabamos fazendo um ambiente agradável, com pessoas conhecidas. O Daniel tinha seis anos na época, e se alfabetizou lá. Minha mãe foi junto. Meu marido, por ser empresário e viajar muito para o exterior, pôde conciliar algumas das viagens de trabalho para estar conosco. Fora as viagens decorrentes do trabalho, Paulo viajava a cada dois meses para Bilbao. Morando na Espanha, pude experimentar outra forma de vida, outra cultura, e confesso que me assusta mais a violência daqui do que a de lá.

Educação – Em termos de doutorado, há, na Espanha, uma especificidade diferente. Lá, há a possibilidade de se tornar pesquisador sem terminar o doutorado, porque, como o desemprego é bastante forte, as pessoas fazem a graduação e, em seguida, entram para o doutorado. Na medida em que elas se organizam com o trabalho, param o doutorado e têm uma titulação específica de pesquisadores (desde que façam a prova correspondente). Em termos de quantidade, o número de pessoas no doutorado é muito maior do que se tem aqui no Brasil. Minha experiência foi muito positiva e de grande aprendizado.

Doutorado – O estudo foi bem importante. Realizamos um trabalho de pesquisa e de intervenção dentro da psicologia. Avaliamos um grupo de mulheres com diagnóstico de fibromialgia (dor crônica generalizada) e depois fizemos uma intervenção em psicoterapia grupal. Também fizemos uma imersão muito grande na cultura, ao poder conhecer os padrões dessas mulheres, no que se refere à conduta, repressões, e à influência disso no surgimento da doença. O Brasil está bem nos cursos de doutorado, ficando dentro dos padrões.

Família – Sou casada e tenho um filho, o Daniel, de 14 anos. Minha mãe continua morando conosco. Em 1989, meu pai faleceu, o que nos trouxe muito sofrimento. Acho que o que abalou muito ele foi a aposentadoria, que ele sempre quis muito, mas foi um desorganizador na sua vida. Ele sempre teve muita disciplina, muita atividade sistematizada, e, de repente, estava somente em casa. Com os problemas de saúde, ele não conseguiu superar. Sem dúvida nenhuma, esta foi uma das passagens tristes da minha vida. Tive outras duas passagens tristes, que foram duas gestações que perdi. No entanto, o sonho de ser mãe se cumpriu com o Daniel e me sinto muito feliz.

Casamento – Acho que o matrimônio é uma construção diária. Temos que cultivar aos poucos, até porque há envolvimentos com o trabalho. Gosto muito do meu trabalho, e, às vezes, me envolvo até demais. Atualmente, trabalho em sala de aula, supervisão de estágio, coordenação do PAAS (Projeto Ambulatorial de Atenção à Saúde) da Ação Social da Unisinos e sou coordenadora-adjunta do curso. Fora da Universidade, trabalho em meu consultório. Acho que o casamento é uma tentativa diária de se organizar e enfrentar as dificuldades juntos. No período que ficamos geograficamente separados, eu na Espanha e ele aqui no Brasil, foi de muita aprendizagem. Ainda bem que tínhamos internet e outros meios que nos ajudavam a diminuir a distância. O Paulo, quando não estava conosco, acompanhava o nosso filho virtualmente. Foi um período difícil, mas tivemos um saldo positivo, em termos de crescimento na relação.

Filhos – O Daniel é o meu filho querido, amado. Ele está na adolescência e estamos tentando curtir ao máximo esta fase. Depositamos muita expectativa nele e tentamos auxiliar ao máximo em sua formação. Nos interessa seus conhecimentos e também sua postura frente ao mundo. O Daniel tem dois irmãos, pois tenho dois enteados, o Gustavo, de 30 anos, e o Jonatan, de 26. Eu, por ter sido filha única, queria ter tido mais filhos, mas considero que ter um só até facilita quanto aos cuidados com a formação levando em consideração os princípios éticos, morais e econômicos. Além disso, me causa grande satisfação poder acompanhar o Gustavo e o Jonatan.

União – A minha mãe é uma pessoa muito importante para mim. É uma pessoa extremamente presente. Quando viajamos, ela vai junto, e está sempre pronta para passear, embora tenha uma independência muito valiosa. Ela reclama muito por eu não ter muito tempo para ficar com ela. Toda a nossa família é muito unida. Tias, tios, primos, todos se reúnem com muita freqüência. A família é a base, é com quem queremos estar para dividir as alegrias e para onde queremos voltar, quando nos sentimos fragilizados. Somos uma família italiana, falamos muito alto, temos sempre um palpite para dar, discutimos e brincamos muito, enfim, estamos sempre muito juntos.

Lazer – Adoro filmes, seja no cinema ou em DVD. É um tipo de distração que me faz desconectar. Atualmente, minha maior briga é a falta de folgas. Professor trabalha de noite e aos finais de semana, o que toma bastante tempo. Já deveria estar habituada, pois são anos de sala de aula. No entanto, há semestres de maiores atribuições e, conseqüentemente, maior ocupação do tempo.

Filme – Um que me marcou muito e que assisti recentemente foi O labirinto do fauno, uma produção espanhola. É um filme de muitas emoções fortes, mas que no final deixa um saber de ternura muito grande é muito bonito. Também gostei muito de Conversaciones com mamá e Elza e Fred (ambos produções ibero-argentinas). Acredito que o fato de ter vivenciado, ao menos em parte, os contextos retratados nestes filmes fazem com que sejam significativos para mim. Mas, além destes, certamente, há muitos outros.

Livros – Leio muito na minha área. Livros, artigos, além, é claro, das produções dos alunos. Durante o semestre nem sempre tenho tempo de ler fora da psicologia. Tenho conseguido reparar esta falta nas férias.

Viagens – Adoro viajar. Recentemente, estivemos em Nova York e adorei! Gosto muito de Buenos-Aires. A Grécia é um lugar é um lugar que quero muito conhecer. Um dos lugares mais bonitos que conheci foi Praga. Ainda pretendo voltar lá. Quando estávamos na Espanha, tínhamos muitos destinos próximos, dentro do próprio país, cada qual mais encantador. Também estivemos em Paris e em Portugal. Gosto muito do norte da Espanha (Santander, San Sebastian, entre outras cidades), é uma paisagem linda, porque conjuga montanha e mar. Temos um apartamento em Rainha do Mar, que é uma praia pequena, no litoral gaúcho, mas que eu adoro. Me traz a tranqüilidade para compensar o corre-corre do ano. A rotina da praia me descansa muito.

Política – Temos vivido muitos momentos difíceis. O dinheiro público está sendo roubado e há muita impunidade. Os interesses particulares sempre valem mais que os interesses coletivos, e eu me sinto cansada disso. Além do cansaço, há uma tristeza acerca da herança que vamos deixar para os nossos filhos, em termos de mundo e de princípios. A solução para a política está na gente, porque os governantes já tiveram muita credibilidade e não fizeram jus a ela e nós estamos deixando que isto ocorra. Também há o fato de que quem sempre foi oposição está no governo, não há mais oposição. A gente teria que se mobilizar, mas não sei muito como. Perdemos a herança de mobilização.

Sonho – Aprender a lidar melhor com o tempo. Gostaria de saber dosar mais as coisas, que acabam sendo corridas. Faço ginástica às 6h15 e gostaria de poder fazer às 8h. Às vezes, também não sobra tempo para ir ao médico, fazer as consultas de rotina, estar mais com minha mãe, mas acho que esta minha queixa é geral. Meus colegas também reclamam. Agora, ficar quieta, parada ou sem fazer nada, isto não é para mim.

Momentos inesquecíveis – Lembro da casa dos meus avós, em Caxias do Sul, onde brincava no porão com meus primos. Havia um ar de mistério em mexer nas coisas antigas, brinquedos do tempo da minha mãe, que ficavam lá guardados. Talvez esta seja a origem do meu interesse pela mente humana, em “escavar” a memória das pessoas.

Instituto Humanitas – Acho que é um trabalho muito sério. É uma das coisas boas da universidade. Vejo que a revista IHU On-Line e os fóruns desenvolvidos são muito interessantes. Sempre são abordados temas atuais na revista. Gostaria de poder conhecer mais a fundo.

Unisinos – Em novembro, faz 17 anos que trabalho na universidade. Uma das coisas que me faz gostar muito de trabalhar aqui são os meus colegas. Há muitos anos convivo com as mesmas pessoas, as quais quero muito o bem. Isso é uma das coisas que me deixa satisfeita no trabalho. Sempre tive muito orgulho da Unisinos, de dizer que trabalho e me formei aqui. Fiquei quatro anos fora. Saí em 1999 e retornei ao trabalho em 2004, quando terminei o doutorado em Psicologia - Saúde e Família, na Espanha. Neste meio tempo, ocorreram grandes mudanças na universidade, a partir do sistema organizacional. A gente sente as mudanças, como a redução do quadro de pessoal, atividades para a comunidade que a Universidade não pode mais sustentar, o que faz muita diferença. Mas são novos tempos e a gente tenta se adaptar. Algumas coisas são mais fáceis, outras exigem de nós um esforço maior. A Unisinos está passando por um momento que exige de todos nós muita força, muito vigor, para que possa se manter e ir adiante.

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