Edição 234 | 03 Setembro 2007

Os componentes do amor e a satisfação com o relacionamento conjugal

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ENCONTROS DE ÉTICA

“Uma análise da satisfação com o relacionamento indica que grande parte dos seus componentes está relacionada à comunicação do casal e à demonstração da afetividade. Dizer que um casal precisa saber se comunicar para ser feliz parece extremamente óbvio. Entretanto, esta é uma das causas mais comuns de problemas conjugais. A boa comunicação é importante para a resolução de problemas e para o planejamento familiar, evitando o aparecimento dos conflitos conjugais”, disse o psicólogo Maycoln Leôni Martins Teodoro, professor da Unisinos, na entrevista a seguir, que concedeu por e-mail à IHU On-Line. A discussão acontece nos Encontros de Ética de 10-09-2007.

Teodoro é graduado em psicologia e mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com doutorado em Psicologia da Família e do Desenvolvimento com a tese Untersuchung zu familiären Beziehungen unter verschiedenen Perspektiven und Kontexten. Cursou pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É autor de Kognitive Repräsentationen familiärer Beziehungen. Methodenkritische Untersuchungen zu Kohäsion und Hierarchie innerhalb des familiären Systems (Hamburg: Verlag Dr. Kovac, 2005) e um dos organizadores de Psicologia do desenvolvimento: contribuições interdisciplinares (Belo Horizonte: Editora Health, 2000).

Comunicação entre o casal, elemento imprescindível
ENTREVISTA COM MAYCOLN LEÔNI MARTINS TEODORO


IHU On-Line - Quais são os principais componentes que envolvem amor e satisfação com o relacionamento conjugal?
Maycoln Leôni Martins Teodoro –
É importante deixar claro que o estudo das dimensões psicológicas se baseia em modelos teóricos que selecionam somente as principais características de cada construto. Esta estratégia de investigação é importante para evitarmos um número demasiadamente grande de componentes explicativos. No caso do amor, existem diversas teorias que vêm sendo desenvolvidas nas últimas três décadas. A principal delas é a Teoria Triangular do Amor (Sternberg, 1986, 1988) que divide este sentimento em três componentes: a intimidade, a decisão/compromisso e a paixão. A intimidade é caracterizada pelo sentimento de proximidade, afetividade e conexão no relacionamento. A decisão/compromisso refere-se à vontade de manter o relacionamento em longo prazo, oferecendo suporte, fidelidade, consideração e devoção. É a certeza de amar e ser amado. Finalmente, a paixão é o componente responsável pela atração física e sexual, pelo romance e o desejo de estar juntos. A experiência da paixão é composta pelo romantismo e pela intimidade sexual. Seguindo esta perspectiva, o chamado amor pleno teria que contar com todas estas características.

Já a satisfação com o relacionamento é um construto mais amplo, que engloba um número muito grande de componentes. Os principais são a capacidade de estabelecer consenso nas decisões entre o casal, a satisfação sexual, o grau de proximidade entre o casal e a capacidade de expressar o afeto. Existem também evidências de que a satisfação com o relacionamento está ligada ao uso de estratégias adequadas na resolução de problemas pelo casal e boa habilidade de comunicação. Obviamente, a satisfação com o relacionamento está diretamente ligada ao o amor do casal: quanto mais intenso e pleno for o amor, maior será a satisfação.

IHU On-Line - E quais seriam as maiores dificuldades para atingir essa satisfação?
Maycoln Leôni Martins Teodoro –
Uma análise da satisfação com o relacionamento indica que grande parte dos seus componentes está relacionada à comunicação do casal e à demonstração da afetividade. Dizer que um casal precisa saber se comunicar para ser feliz parece extremamente óbvio. Entretanto, esta é uma das causas mais comuns de problemas conjugais. A boa comunicação é importante para a resolução de problemas e para o planejamento familiar, evitando o aparecimento dos conflitos conjugais. Comunicar-se bem significa conversar claramente sobre o que está sentindo e pensando com o parceiro. Já a demonstração da afetividade está relacionada à expressão do sentimento. Não basta gostar; é necessário demonstrar o carinho pelo parceiro.

IHU On-Line - Como os componentes cultural e de gênero influenciam nas expectativas do casal?
Maycoln Leôni Martins Teodoro –
A cultura exerce uma forte influência na relação do casal por meio da definição dos papéis de cada um na relação amorosa. Infelizmente, não existem muitas pesquisas comparando o relacionamento conjugal em diferentes culturas. Pode-se, no entanto, supor que as expectativas do casal dependerão da organização da sociedade com relação à estrutura familiar, como a divisão do poder dentro da família e a maior ou menor independência dada aos filhos. Por exemplo, se imaginássemos o desenvolvimento de um romance, poderíamos pensar, primeiramente, que dois adolescentes se conhecem e se apaixonam. Após este início fulminante, começa a aparecer a intimidade entre eles, com o companheirismo e a amizade. Surge, então, a decisão em manter o compromisso por um tempo mais longo. Este raciocínio, entretanto, não é válido para as sociedades nas quais o casamento é arranjado. Nestas, o relacionamento se inicia pela decisão/compromisso e só assim segue-se a intimidade e paixão.

As diferenças de gênero nas expectativas do casal também estão diretamente vinculadas à cultura. As expectativas dos papéis de homem e mulher dependerão do ambiente onde eles cresceram. Em algumas sociedades, por exemplo, a diferença de poder entre homens e mulheres em uma relação amorosa é esperada. Por outro lado, a grande maioria das pesquisas não aponta para diferenças de gênero entre os componentes do amor e na satisfação com o relacionamento. Isto significa que a percepção da intensidade de intimidade, decisão, paixão e satisfação não difere entre homens e mulheres.

IHU On-Line - Por que tantos relacionamentos se deterioram? Que elementos costumam haver por trás desses rompimentos?
Maycoln Leôni Martins Teodoro –
Uma relação duradoura e bem-sucedida pode ser caracterizada como aquela que, além do amor pleno, possui um padrão claro de comunicação entre o casal. Além disso, é importante que os parceiros tenham flexibilidade com relação à estrutura conjugal, variando a estrutura de poder em momentos de crise. Todas estas características levam à satisfação, servindo de proteção para a relação conjugal.

Especificamente para o amor, é importante pensar que a relação normalmente se inicia com altos índices de paixão e baixos escores de intimidade e decisão. À medida que o tempo passa, estes dois componentes vão ficando mais fortes nas relações bem-sucedidas. Uma deterioração do relacionamento amoroso está vinculada à não construção ou perda da afetividade, amizade e paixão entre o casal. Estes fatores acabam levando à falta de compromisso e decisão dos parceiros em manter a relação.

IHU On-Line - Antigamente os casamentos duravam mais, porém muitos se sustentavam em função de convenções sociais, para manter aparências, por exemplo. Atualmente, as pessoas têm se dado mais ao direito de errar e acertar e de solidificar apenas os relacionamentos que podem dar certo?
Maycoln Leôni Martins Teodoro –
Antigamente, em virtude de pressões sociais para a não-dissolução do casamento, supõe-se que diversos relacionamentos sobreviveram sem intimidade e sem paixão. Estas relações seriam sustentadas pelo terceiro componente do amor, a decisão/compromisso, e conhecidas como “amor vazio”. Hoje em dia, existem diversos fatores que colaboram para que os parceiros se conheçam melhor e decidam pelo investimento ou não na relação. Alguns deles são o aumento da idade do casal no primeiro casamento, o aumento da importância da carreira profissional para homens e mulheres, uma maior liberdade para conhecer o parceiro e a maior aceitação do divórcio. Por outro lado, pode-se imaginar que muitos relacionamentos possam estar terminando hoje em dia por falta do componente decisão/compromisso.

Referências
Sternberg, R. J. (1986). A triangular theory of love. Psychological Review, 93, 119-135.
Sternberg, R. J. (1988). The triangle of love. New York: Basic Books.

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