Edição 234 | 03 Setembro 2007

“Somos uma sociedade caracterizada pela brutal concentração da renda”

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IHU Online

Falar em reforma agrária, afirma a professora Maria Emilia Prado, “é tocar em um dos temas caros às elites brasileiras”. Ela explica que a concentração fundiária trouxe consigo a centralização do poder político sobre as populações locais.

Embora ainda existam aspectos políticos, econômicos e sociais a serem superados no Brasil, a pesquisadora ressalta que o País avançou, principalmente na economia, conquistando espaço no mercado internacional. Para ela, a distribuição de renda continua sendo o principal problema para os brasileiros. Isso ainda ocorre porque o “processo de urbanização e industrialização não foi grande e intenso o suficiente”.

Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, a historiadora afirma que o “Estado brasileiro não conseguiu até hoje implementar políticas de geração de renda, emprego, educacional, que contribuíssem, efetivamente, para tornar possível a formação de uma sociedade mais eqüitativa”.
Maria Emilia Prado é doutora em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP), e pós-doutora em Ciência Política, pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPRJ). Atualmente, é professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Confira a entrevista:

IHU On-Line - Até que ponto as idéias iluministas adquiridas na Europa por José Bonifácio contribuíram para a conquista de Independência do Brasil?
Maria Emilia Prado -
As idéias iluministas em si não contribuíram diretamente. Este cenário era caracterizado pela defesa das liberdades – individuais - bem como a liberdade para as áreas coloniais. Mas não é possível desvincular a independência da crise mais geral do sistema colonial. Na verdade, o quadro, como disse, é muito complexo e difícil reduzi-lo a uma ou outra de suas variáveis.

IHU On-Line - Qual foi a influência da elite brasileira na emancipação do Brasil?
Maria Emilia Prado -
Não é possível sequer se falar de Brasil e muito menos de elite brasileira. O que havia era a América Portuguesa constituída de partes bastante diferenciadas entre si. Algumas dessas partes queriam se tornar independentes de Portugal, mas não necessariamente para se integrarem entre si. O processo que levou à Independência é bastante complexo e envolveu avanços e recuos. Não é possível esquecer o papel que a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro e, mais tarde, o retorno de D. João VI e as tentativas recolonizadoras das cortes de Lisboa tiveram para o processo de Independência bem como o papel desempenhado por parte da elite política da América Portuguesa que vivia na corte e estabelecera vínculos com D. Pedro.

IHU On-Line - José Bonifácio acreditava na criação de uma reforma. O que ele propôs?
Maria Emilia Prado -
Foram dois os pensadores e estadistas que propuseram reformas amplas no século XIX no Brasil: Bonifácio e Nabuco . As reformas preconizavam o fim da escravidão, as reformas agrária e educacional indispensáveis para a construção de um país constituído por uma população integrada.

IHU On-Line - Que analogias são possíveis traçar entre a extinção gradativa da
escravidão em relação à inserção dos indígenas e a pretendida civilização?
Maria Emilia Prado -
Bonifácio defendia a restrição aos grandes latifúndios e incentivava a pequena e média propriedade, defendendo assim a reforma agrária. Sim, ele defendia a necessidade de ser efetivada uma reforma agrária de modo a que os ex-escravos tivessem acesso à propriedade. Mas, no caso de Bonifácio, o mais importante foi sua defesa do fim da escravidão. A reforma agrária seria o segundo movimento natural após o fim da escravidão e indispensável para construção de uma nação moderna.

IHU On-Line - Desde aquela época, já se pensava numa reforma agrária no Brasil. Por que, até hoje, há entraves na discussão sobre o tema?
Maria Emilia Prado -
Falar em reforma agrária é tocar em um dos temas caros às elites brasileiras, porque a concentração fundiária traz consigo a concentração de poder em suas mais diversas expressões: poder político sobre as populações locais que se transforma em fatia importante para acesso ao legislativo ou a cargos no executivo.

IHU On-Line - As propostas reformistas de José Bonifácio, como educação básica para todos, distribuição da terra, a expansão dos direitos reais de cidadania, transcorreram mais de um século sem solução. Isso demonstra que o Brasil continua estagnado e incapaz de resolver seus problemas socioeconômicos?
Maria Emilia Prado -
Eu abordei essa questão em dois de meus livros: Memorial das desigualdades. Os impasses da cidadania no Brasil  e Joaquim Nabuco: a política como moral e como história . O Brasil avançou em muitas coisas, sem dúvida. Nós nos tornamos uma sociedade urbana. De muitos pontos de vista, somos uma sociedade de massa. A economia cresceu enormemente e já ocupamos lugar até mais destacado do que o de hoje no mercado internacional. A questão é que continuamos uma sociedade em que o processo de urbanização e industrialização não foi grande e intenso o suficiente para terem sido capazes de forçar a distribuição de renda. Somos uma sociedade caracterizada pela brutal concentração da renda e da propriedade em toda sua extensão. Como fazer com que as elites concentrem menos renda e menos propriedade? Esta é uma de nossas questões que atravessam dois séculos. O Estado brasileiro não conseguiu até hoje implementar políticas de geração de renda, emprego, educacional etc. que contribuíssem, efetivamente, para tornar possível a formação de uma sociedade mais eqüitativa.

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