Edição 234 | 03 Setembro 2007

Brasil independente?

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IHU Online

De acordo com a professora Miriam Dolhnikoff, na época da Independência “não existia no governo político das elites a noção de um governo popular”. Essa, segundo ela, é a justificativa que demonstra a falta de participação do povo no processo de Independência brasileiro. Assim, explica a pesquisadora, a aristocracia “era a alternativa, com ou sem Independência”. As declarações da historiadora foram concedidas à IHU On-Line por e-mail.

Miriam Dolhnikoff é graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre e doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, ela atua como docente da Universidade de São Paulo (USP). Sobre o Patriarca da Independência, a professora publicou o livro José Bonifácio de Andrada e Silva. Projetos para o Brasil (São Paulo: Companhia das Letras, 1998).

IHU On-Line - Nos primeiros anos da década de 1820, José Bonifácio de vice-presidente da Junta Governativa da Província de São Paulo passou a ser, rapidamente, o principal articulador da independência política em torno do Príncipe Regente. Como isso foi possível? Qual a importância daquela província nesse processo?
Miriam Dolhnikoff -
Na verdade, não foi por ser paulista que Bonifácio tornou-se articulador da Independência. A importância não era de São Paulo e sim do próprio Bonifácio. Aos 20 anos, ele foi para Portugal e de lá só retornou ao Brasil aos 56 anos. Durante este período, Bonifácio fez uma bem-sucedida carreira de mineralogista e ingressou para os quadros da elite lusitana. Bonifácio foi um importante discípulo de D. Rodrigo de Souza Coutinho ,  ministro de D. João VI  e um dos articuladores do governo metropolitano no Rio de Janeiro, a partir de 1808. Ao mesmo tempo, Bonifácio tinha relações com as elites locais. Assim, ele tinha uma posição privilegiada para negociar um acordo entre o grupo do reino liderado por D. Pedro e as elites locais. Acordo que foi responsável pela Independência brasileira.

IHU On-Line - Apesar dessas propostas, Bonifácio resistiu à convocação da Assembléia Constituinte, defendendo a criação de um Conselho de Procuradores das Províncias. Qual é a diferença entre esses dois órgãos?
Miriam Dolhnikoff -
A assembléia constituinte seria e foi eleita pelos eleitores do país, aqueles que preenchessem os requisitos legais para ter direito de voto. O conselho de procuradores seria escolhido por governos locais. Desta forma, tinha um caráter mais elitista.

IHU On-Line - Bonifácio era contrário à idéia de democracia. Essa posição pode explicar o fato de no Brasil não ter ocorrido uma revolução no processo de Independência brasileiro?
Miriam Dolhnikoff -
Não. Em primeiro lugar o que entendemos hoje por democracia não existia no século XIX em nenhum país. O que existia era o modelo liberal de governo representativo, que poderia ser tanto monárquico como republicano. Bonifácio defendia o governo representativo e por isso foi contra o fechamento da Constituinte pelo imperador em 1823. Ele era contra democracia no sentido de ser contra a república e a favor da monarquia, mas esta deveria ser constitucional e representativa. De outro lado, não é correto julgar o processo de Independência como a não ocorrência de uma revolução que deveria ter acontecido. Independência neste período era justamente o que aconteceu: romper com os laços coloniais. Este foi o sentido de todas as independências do continente, com a única diferença de que na América inglesa e na América espanhola ela foi conquistada mediante luta armada, e na América portuguesa, graças à vinda da Corte, a ruptura com a metrópole foi possível sem enfrentamentos armados.

IHU On-Line - José Bonifácio queria mesmo a independência do Brasil, ou ele pretendia manter as coisas como estavam, com o poder comandado pela aristocracia?
Miriam Dolhnikoff –
Bonifácio, a princípio, acalentava um projeto de império luso-brasileiro. Ou seja, que a América portuguesa permanecesse como parte do império lusitano, mas não como colônia. A idéia era que a América portuguesa tivesse, dentro do império, o mesmo estatuto que Portugal. Por discordar da forma como estava sendo organizado politicamente o império, a partir da Revolução do Porto  em 1820, com um governo centralizado em Lisboa, Bonifácio e as elites da América portuguesa optaram pela Independência. Quanto ao poder comandado pela aristocracia, esta era a realidade das monarquias européias e da república norte-americana. Não existia no horizonte político das elites a noção de um governo popular. Deste modo, o governo por uma aristocracia era a alternativa com ou sem Independência.

IHU On-Line - A população teve consciência do que foi a independência do Brasil, uma vez que não participou do processo?
Miriam Dolhnikoff -
Apesar de não ter participação direta, a população sabia o que estava acontecendo. A independência foi fartamente divulgada.

IHU On-Line - Em que consistiram os “Projetos para o Brasil” idealizados por José Bonifácio?
Miriam Dolhnikoff -
Bonifácio escreveu bastante, mas eram na sua maior parte escritos pessoais e correspondência. Nestes escritos ele deixa claro qual era a nação que, como estadista, ambicionava construir.

IHU On-Line - Qual era essa nação que ele ambicionava construir?
Miriam Dolhnikoff -
Bonifácio queria construir uma nação segundo os parâmetros europeus. Isto significava implementar um projeto civilizador, de modo a transformar a população brasileira de acordo com os valores europeus. Ele acreditava que para isto era preciso primeiro homogeneizar a população, do ponto de vista cultural, racial e político. Por isso, defendia a mestiçagem e o fim da escravidão.

IHU On-Line - Quando Bonifácio incentivava o casamento entre brancos e índios, por exemplo, ele tentava “civilizar” os indígenas?
Miriam Dolhnikoff -
Ele tentava sim civilizar os indígenas. Naquela época, a elite branca considerava que a única civilização existente era a européia e defendia um projeto civilizador para o Brasil, onde negros, mestiços e índios compunham uma parte significativa da população. O interessante no Bonifácio é defender a mestiçagem como processo civilizador, em uma época em que a maioria da elite branca acreditava que a civilização viria da supremacia dos brancos e não da mistura.

IHU On-Line – O que o incentivo à mestiçagem representou para a nova nação? De que maneira essas idéias ajudaram a construir um País de etnia diversificada?
Miriam Dolhnikoff -
As idéias de Bonifácio eram minoritárias na época. A mestiçagem não foi incentivada pela elite, mas ela existia como parte do processo social brasileiro.

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