Perfil Popular - Andréa Moscarelli Mota

Há 14 anos, Andréa Moscarelli Mota se dedica à profissão de professora. No entanto, o foco do seu trabalho não é apenas a educação. Com o exercício do magistério na Escola Municipal de Ensino Fundamental João Goulart, na Vila Braz, periferia de São Leopoldo, Andréa transmite conhecimento e também aprende com os seus alunos de 6ª e 8ª séries, os quais ela tem como filhos. Incansável, apaixonada pela profissão e otimista: esta é a clara definição para a professora que, diariamente, ensina muito mais que a Língua Portuguesa para os seus alunos. Ela os faz ter esperança e perspectiva de um futuro melhor. Foi durante a aula, em uma das suas turmas de 8ª série, que Andréa contou a sua trajetória, com exclusividade, à revista IHU On-Line.

Infância
Dar a uma criança a oportunidade de aproveitar a infância é essencial para Andréa Moscarelli Mota, de 40 anos. Ela lembra que este período de sua vida, em Pelotas, sua cidade natal, foi maravilhoso, o que contribuiu para a sua formação pessoal. “É importante ter o direito de brincar, uma boa alimentação, moradia e estrutura familiar.” Foi ainda criança que ela percebeu a vocação para o magistério. “Sempre gostei muito de escola. Fazia declamações, teatro, estava sempre presente nas horas cívicas. Com o tempo, fui gostando mais da idéia de trabalhar com educação.”

Família
Andréa teve uma base familiar bastante consistente. E, mesmo longe de casa, mantém o vínculo afetivo com a mãe e o irmão, sete anos mais novo. “Eles ainda moram em Pelotas. Nossa relação é muito boa. Às vezes, minha mãe vem me visitar, mas eu queria mesmo é que ela viesse morar comigo, em Novo Hamburgo.” Pelo menos por enquanto, este desejo de Andréa será adiado, pois o restrito ciclo de amizades de sua mãe no Vale do Sinos faz com que ela não se adapte a morar junto da filha. 

Perda
Aos 15 anos de idade, Andréa perdeu o pai, vítima de um ataque cardíaco. Com o trabalho como autônomo, revendendo automóveis, era ele que sustentava a família. Emocionada, Andréa lembra das dificuldades que enfrentaram com a morte do pai. “O padrão de vida da nossa família ficou mais baixo. Tivemos que nos adaptar a uma vida simples, com mais regras e limites. Não podíamos cometer os excessos que, anteriormente, cometíamos.” Com esta triste experiência, Andréa passou a valorizar mais a sua família e revela ter se tornado uma pessoa melhor.

Carreira
A profissão de professora surgiu de maneira bastante inusitada na vida de Andréa. Logo que concluiu o Ensino Médio, passou no vestibular para o curso de Jornalismo, na Universidade Católica de Pelotas, sua cidade de origem. Tudo estava se encaminhando de acordo com as suas expectativas, até que ela perdeu o prazo de matrícula, o que a fez mudar de área. “Sempre gostei muito de português, e no semestre seguinte, prestei vestibular para este curso.” Desde então, sua relação com a carreira ficou mais intensa e bonita. “É isso, é o que eu gosto de fazer. Já são 14 anos dedicados à profissão.”

Saída da terra natal
Depois de formada Andréa resolveu que iria embora de Pelotas. “Tinha vontade de conhecer outras pessoas, de ter uma vida nova. Então, resolvi vir para a região do Vale do Sinos.” A mudança de cidade também está relacionada a uma realização pessoal. “Em Pelotas, minha mãe conhece muitas pessoas, e disse que poderia me conseguir um trabalho. Eu não aceitei, porque queria vencer por mim.” 

O ingresso na Escola João Goulart
Quando chegou a Novo Hamburgo, em 2000, três meses depois de formada, Andréa prestou concurso para a Prefeitura de São Leopoldo. Passados quatro anos, quando menos esperava, foi chamada para assumir as sextas-séries na Escola João Goulart. “Trabalhava também pelo Estado em outras três em escolas, o que me cansava muito. Por um ano lecionei em quatro colégios, depois resolvi ficar só aqui, na Vila Braz, onde estou há três anos e dois meses, e sou muito feliz.” Foi a receptividade e o carinho dos alunos, além da disposição dos colegas em ajudar, que fizeram Andréa se apaixonar pela Instituição. “Percebi o quanto era importante estar aqui com estes alunos maravilhosos, que também são grandes amigos.”

A rotina de trabalho
As manhãs e as tardes de Andréa são preenchidas com aulas para as quintas e oitavas séries. “Com os alunos menores, da sexta série, é preciso uma doação maior. Acabamos sendo psicólogos, mães, amigos e recreacionistas, além de professores. Com as oitavas séries, a interação é maior, em função do tempo que já estamos juntos.” Resgatar valores, através do exercício da cidadania, é uma das grandes preocupações dos profissionais da Escola João Goulart. “Estamos formando cidadãos e, para isso, temos que enaltecer valores como respeito, lealdade e honestidade. Sempre digo aos alunos que temos que aprender a ter responsabilidades, e que ter disciplina é muito importante na vida.” Andréa sabe que seu trabalho contribui muito para o crescimento da Escola e reconhece, também, que a evolução vem da humildade. “Eu não trabalho aqui sozinha, sou apenas uma peça de uma engrenagem. Só trabalhando juntas é que conseguimos bons resultados. Mesmo que os professores não lecionem o mesmo conteúdo, temos o mesmo objetivo.”

Metodologia de ensino
“Para chegar a um grupo e ter os resultados de aprendizagem desejados, é preciso tocar as pessoas de alguma forma.” Como a Língua Portuguesa é composta de gramática, produção textual e ortografia, a professora quis sair do convencional e fazer com que a disciplina se tornasse gostosa de aprender. “Costumo utilizar música, teatro, passeios dirigidos para museus e cinema.” Testes de soletração, para fixar as classes gramaticais, e debates também fazem parte do aprendizado.

Educação
A professora reconhece que há muitas dificuldades no sistema de ensino. No entanto, ela faz dos obstáculos um incentivo a mais para chegar às conquistas. “Ainda é possível conseguir bons resultados. Para isso, é preciso que as pessoas parem de pensar nas coisas materiais e pensem a educação em termos de valor. Na Escola João Goulart, não há retroprojetor nem aparelho de DVD, mas, mesmo com poucos recursos, dá para trabalhar.” A garantia do aprendizado vem com o interesse dos alunos, a dedicação dos professores e o incentivo aos projetos. “Existe aprendizagem quando todos trabalham com harmonia, o que há entre os estudantes e educadores. O bom aqui na escola é que todas as nossas iniciativas são apoiadas. A educação consegue se fazer melhor, quando temos liberdade para trabalhar.” Embora a formação de Andréa tenha origem em rede privada, ela não esconde o prazer maior em exercer a profissão em um colégio público. “É onde temos o direito de sonhar, criar projetos e experimentar. Isso é o que me motiva a permanecer aqui.”

Sonhos
As vitórias de Andréa não representam um limite. Continuar adquirindo conhecimento é um grande sonho da professora. “Tenho Pós-Graduação em Estruturas da Língua Portuguesa e quero Mestrado em Educação. Mais tarde, pretendo fazer Doutorado e Pós-Doutorado.” Uma realização pessoal é a aquisição do seu apartamento em São Leopoldo, o que facilitará o acesso ao trabalho. Sobre construir sua própria família, Andréa afirma que já tem muitos filhos, os seus alunos.

Fé
Além da paixão pela profissão, o otimismo de Andréa com relação ao futuro vem da fé. “Temos que ter esperança em alguma coisa, do contrário, não se consegue nada. Se eu não tivesse fé não estaria aqui.” Ter fé também faz com que Andréa supere a desvalorização do trabalho do educador. “O professor não pode desistir nunca de ser professor. Dinheiro não é tudo, precisamos dele para sobreviver, mas não devemos trabalhar só pelo salário. Todos nós temos que estar unidos pelo bem maior, pelo crescimento, pelo progresso, pela vida boa, pela qualidade de vida e pela amizade.”