Edição 232 | 20 Agosto 2007

Carlos Drummond de Andrade: traços biográficos

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987

Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos principais poetas da literatura brasileira, pertencente ao que se conhece como segunda geração de poetas do modernismo, da qual fazem parte, entre outros, Murilo Mendes  e Jorge de Lima. Era filho de um pequeno fazendeiro e estudou em sua cidade natal e em Belo Horizonte, antes de ir para o Colégio Anchieta da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo, de onde, em 1919, foi expulso por “insubordinação mental”. No ano seguinte, mudou-se para Belo Horizonte. No mesmo ano, publicou na Revista de Antropofagia, de São Paulo, o poema “No meio do caminho”: “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho”, que causou bastante polêmica, sendo acusado de maluco por alguns críticos, o que rendeu até um livro com todas as declarações, intitulado Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema, organizado pelo próprio poeta. Um dos críticos, Gondim da Fonseca, por exemplo, escreveu: “O sr. Carlos Drummond é difícil. Por mais que esprema o cérebro, não sai nada. Vê uma pedra no meio do caminho, coisa que todos os dias sucede a toda gente (mormente agora que as ruas da cidade inteira andam em conserto) e fica repetindo a coisa feito papagaio”.

Em 1925, o poeta concluiu o curso de Farmácia, nunca tendo exercido a profissão, pois queria “preservar a saúde dos outros” e casou-se com Dolores Dutra de Morais (com quem ficaria casado a vida inteira, passando pela morte de um filho recém-nascido, em 1927, e, em 1928, pelo nascimento da filha Maria Julieta, que seria sua maior confidente). Em 1926, lecionou Português e Geografia no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Em 1930, publicou seu primeiro livro, Alguma poesia. Em 1934, depois de trabalhar como redator nos jornais Minas Gerais, Estado de Minas e Diário da Tarde, de forma simultânea, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar como chefe de gabinete de Gustavo Capanema, amigo de infância e então novo ministro de Educação e Saúde Pública. Entre lançamentos de novos livros, em 1945 deixou a chefia do gabinete de Capanema e, aceitando convite de Luís Carlos Prestes, atuou como co-editor do diário comunista Tribuna Popular, do qual saiu contrariado com algumas imposições.

Foi chamado por Rodrigo M. F. Andrade para trabalhar na diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde se tornaria chefe da Seção de História, na Divisão de Estudos e Tombamento. Bastante tímido e reservado, teve inúmeras amizades (poetas ou não), como Manuel Bandeira  e Mário de Andrade. Por sua introspecção, ele se considerava um “urso polar”. Mesmo assim, apoiava poetas da geração seguinte à sua, como João Cabral de Melo Neto, para quem escreveu, numa carta de 17 de janeiro de 1942, as seguintes palavras: “Escrever para si mesmo é narcisismo, ou medo disfarçado de timidez. Sem dúvida, todo sujeito honesto escreve por necessidade, mas nessa necessidade está latente a idéia de comunicação”. De Drummond, João Cabral disse: “Drummond foi a árvore à sombra da qual mais poetas cresceram no Brasil”. Em sua última entrevista, dada ao jornalista Geneton Moraes Neto (publicada em O dossiê Drummond. São Paulo: Ed. Globo, 1990), poucos dias antes de sua morte, ocorrida apenas doze dias depois da morte da filha, vítima de câncer, fez uma declaração curiosa, encerrando o diálogo. Perguntado sobre os versos “E como ficou chato ser moderno. / Agora serei eterno!”, Drummond respondeu: “Isso, evidentemente, é uma brincadeira. Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a vinte anos – e eu já estarei no Cemitério São João Batista – ninguém vai falar de mim, graças a Deus. O que quero é paz”. Seu pedido, obviamente, não foi atendido.

A poesia de Drummond lida com diversos tipos de dicção: desde a mais próxima do coloquial (em Alguma poesia, José, Brejo das almas), passando por uma linha mais social (A rosa do povo) e por outra mais hermética (Claro enigma, A vida passada a limpo e Lição de coisas), sem, no entanto, serem rigidamente separadas, como observaram alguns críticos em seus estudos sobre o poeta. Nos livros finais, teria se dividido entre uma autobiografia em verso (com os volumes que constituem Boitempo, analisados, no entanto, com bastante argúcia por Antonio Candido e José Guilherme Merquior) e poemas quase em forma de crônicas (como os de Corpo e Amar se aprende amando), que também escreveu, assim como poemas eróticos (os de O amor natural, livro póstumo). No entanto, obras como As impurezas do branco e, sobretudo, A paixão medida, mostraram um Drummond quase octogenário cheio de vigor e criatividade, trabalhando, com igual desenvoltura, em versos brancos, rimados, livres ou metrificados, além de continuar a ser um “mestre da sintaxe”, como apontou Davi Arrigucci Jr., em seu estudo Coração partido.

Muitos de seus poemas ficaram populares, sobretudo alguns versos: “Quando nasci, um anjo torto ; desses que vivem na sombra / disse: Vai Carlos! ser gauche na vida”; “E agora, José?”, “Tinha uma pedra no meio do caminho”, “Oh! Sejamos pornográficos / (docemente pornográficos”), entre muitos outros. Mas são poemas e livros seus que mostram a grande força literária de sua obra, revelando um indivíduo capaz de grande entendimento da própria subjetividade, de suas memórias (familiares, sobretudo), das cidades onde morou e dos movimentos de massa que ajudam a retratar sua própria melancolia. Sua poesia, ao mesmo tempo, constantemente traz o choque com a modernidade e uma alteridade, que se reproduz em poemas amorosos e metalingüísticos.

Publicou os livros Alguma poesia (1930), Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940), José (1942), A rosa do povo (1945), Claro enigma (1951), Fazendeiro do ar (1954), Viola de bolso (1955), Lição de coisas (1962), Boitempo (1968), A falta que ama (1968), Nudez (1968), As impurezas do branco (1973), Menino antigo (Boitempo II) (1973), Discurso de primavera e algumas sombras (1977), Esquecer para lembrar (Boitempo III) (1979), A paixão medida (1980), Corpo (1984), Amar se aprende amando (1985), Poesia errante (1988), O amor natural (1992) e Farewell (1996).

Entre os livros de prosa, publicou Confissões de Minas (1944), Contos de aprendiz (1951), Passeios na ilha (1952), Fala, amendoeira (1957), A bolsa & a vida (1962), Cadeira de balanço (1966), Caminhos de João Brandão (1970), O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972), De notícias & não-notícias faz-se a crônica (1974), Os dias lindos (1977), 70 historinhas (1978), Contos plausíveis (1981), Boca de luar (1984), O observador no escritório (1985), Tempo, vida, poesia (1986), Moça deitada na grama (1987), O avesso das coisas (1987) e Auto-retrato e outras crônicas (1988).

Podemos destacar, entre os estudos sobre a sua obra, os seguintes livros: Uma pedra no meio do caminho: biografia de um poema (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967), de Carlos Drummond de Andrade; Carlos Drummond de Andrade: do berço ao livro (Lisboa: Universidade de Lisboa, 1968), de Arnaldo Saraiva; A rima na poesia de Carlos Drummond de Andrade (Rio de Janeiro: José Olympio, 1968); Verso universo em Drummond (Rio de Janeiro: José Olympio, 1975), de José Guilherme Merquior; Carlos Drummond de Andrade (Petrópolis: Vozes, 1976), de Silviano Santiago; Drummond – a estilística da repetição (Rio de Janeiro: José Olympio, 1970), de Gilberto Mendonça Teles; Carlos Drummond de Andrade (Org. Sônia Brayner. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977); Drummond: uma poética do risco (São Paulo: Ática, 1978), de Iumna Maria Simon; A dramaticidade na poesia de Drummond (Porto Alegre: UFRGS, 1979), de Donaldo Schüller; Poesia e poética em Carlos Drummond de Andrade (São Paulo: Duas Cidades, 1981), de John Gledson; Poemas eróticos de Carlos Drummond de Andrade (São Paulo: Ática, 1987); Drummond, o gauche no tempo (4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992); Lira & antilira: Mário, Drummond, Cabral (2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995); Horizontes modernistas: o jovem Drummond e seu grupo em papel jornal (Belo Horizonte: Autêntica, 1998, v. 1), de Maria Zilda Ferreira Cury; Drummond: da Rosa do povo à rosa das trevas (São Paulo: Ateliê Editorial, 2000), de Vagner Camilo; Carlos Drummond de Andrade (São Paulo: Publifolha, 2000), de Francisco Achcar; Drummond revisitado (Org. Reynaldo Damazio. São Paulo: UniMarco, 2002); Drummond – a magia lúcida, de Marlene de Castro Correia (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002); Drummond: poesia e experiência (Org. Maria Zilda Ferreira Cury e Ivete Lara Camargos Walty. Belo Horizonte: Autêntica, 2002); Drummond – Um olhar amoroso (São Paulo: Escrituras, 2002), de Luiza Maria; Coração partido: uma análise reflexiva da poesia de Drummond (São Paulo: Cosac & Naify, 2002), de Davi Arrigucci Jr.; Carlos Drummond de Andrade: a poética do cotidiano (Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2002), de Maria Veronica Aguilera; Influências e impasses: Drummond e alguns contemporâneos (São Paulo: Companhia das Letras, 2003), de John Gledson; Noite e música na poesia de Carlos Drummond (Porto Alegre: AGE, 2003), de Eduardo Dall’Alba; Drummond cordial (São Paulo: Nankin, 2005), de Jerônimo Teixeira; Passos de Drummond (São Paulo: CosacNaify, 2006), de Alcides Villaça; Duas artes: Carlos Drummond de Andrade e Elizabeth Bishop (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006), de Maria Lucia Milleo Martins.
 
Alguns dos ensaios principais sobre o poeta são: “Inquietudes na poesia de Drummond” (In: Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970), de Antonio Candido; “Áporo: um inseto semiótico” (In: Contracomunicação. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1973), de Décio Pignatari; “Silêncio e palavra na poesia de Drummond” (In: A metáfora crítica. São Paulo: Perspectiva, 1974), de João Alexandre Barbosa; As metamorfoses da corrosão (In: A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989), de Luiz Costa Lima; “Drummond, mestre de coisas” (In: Metalinguagem & outras metas. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992), de Haroldo de Campos; “O mineiro Drummond – 1” e “O mineiro Drummond – II (In: O espírito e a letra: estudos de crítica literária, 1947-1958, vol. II), de Sérgio Buarque de Holanda; “ ‘A máquina do mundo entre o símbolo e a alegoria” (In: Céu, inferno. São Paulo: Ed. 34 e Duas Cidades, 1999), de Alfredo Bosi; “Poeta maior” (In: De Anchieta aos concretos: poesia brasileira no jornal (Org. Maria Eugenia Boaventura. São Paulo: Companhia das Letras, 2003), de Mário Faustino; e “Drummond e o mundo” (In: Novaes, Adauto (Org.). Poetas que pensaram o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005), de José Miguel Wisnik.
 
Para o leitor, vale a pena conferir dois livros com suas cartas: Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond (Org. Flora Süssekind. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001) e Carlos & Mário: correspondência completa entre Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002), com organização e notas de Silviano Santiago e Carlos Drummond de Andrade.

Quem se interessar por dados biográficos do poeta, duas indicações são O dossiê Drummond (São Paulo: Ed. Globo, 1990), de Geneton Moraes Neto, e Os sapatos de Orfeu (2. ed. São Paulo: Ed. Globo, 2006), de José Maria Cançado.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição