Edição 228 | 16 Julho 2007

Liu Chiu Chih

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Liu Chiu Chih, no Brasil mais conhecida como Jéssica, é natural de Taiwan, e há quatro anos é professora de Mandarim, no Unilínguas. Com 41 anos, Jéssica conta que uma das coisas que mais lhe dá prazer na vida é estudar e aprender sempre. No IHU Repórter desta edição, nossa convidada conta quais são as dificuldades encontradas ao mudar-se para o Brasil, e fala sobre trabalho, família e seus sonhos. Confira:

Origens - Eu nasci em Taiwan, na cidade de Zhanghuà, que está localizada no interior de Taiwan. Morei nessa região enquanto cursava o primeiro, o segundo e o terceiro grau.  Quando comecei a estudar no terceiro grau, mudei para a cidade maior. Em Taiwan, nas cidades maiores, as escolas sempre são melhores.

Ensinamentos da família - Minha família é bem legal e simples. Somos cinco filhos, e eu sou a segunda. Atualmente, apenas uma das minhas irmãs mora no Brasil. Meu pai é professor e já tem 68 anos. Ele é um bom pai. Antigamente, na China, os pais eram mais sérios. O meu é assim. Ele não fala muito. Mas, se há um momento importante, para dar um conselho, ele sempre aconselha. Eu lembro que, quando eu estava no primeiro grau, ele me deu dinheiro para comprar lanche durante quatro dias, mas eu gastei tudo num dia só. Quando cheguei em casa, ele perguntou se eu tinha guardado o troco. Eu menti, e ele percebeu nos meus olhos que não era verdade. Ele sempre foi muito sábio. Olhou nos meus olhos e perguntou com calma: “´É verdade?”. Eu não conseguia olhar nos olhos dele, e repeti que tinha guardado o dinheiro. Ele pediu para mostrar o troco. Naquele momento, eu falei: “Pai, desculpe, eu gastei tudo”. Meu pai não me xingou. Mas ele, com calma, falou: “Pai deu dinheiro para você usar. Quando você usar, pode falar, e não precisa mentir”. Até hoje, eu lembro desse momento, e fui muito influenciada por isso. Desde então, essa atitude faz parte da minha personalidade. O que é certo é certo, o que é errado é errado. Aprendi com meu pai a não ter vergonha de confessar quando estou errada.

Lições - Quando meu irmão estudava no segundo grau, ele sempre comprava biscoito para nós, que éramos irmãos mais novos. Eu, mesmo pequena, ficava me perguntando, como ele conseguia ter dinheiro para comprar biscoitos todos os dias, já que a família era pobre. Meu pai, certa vez, comprou um cofre de porco para guardarmos dinheiro. Com o tempo, ele percebeu que o porco estava cada vez mais leve. E, então, imaginou que tinha algum problema. Mas, sempre que ele via que algo estava errado, não ficava brabo: nos ensinava e nos corrigia. Nesse dia, à meia noite, ele acordou todos os filhos e perguntou quem tinha pegado as moedas do cofrinho. Todas as crianças ficaram nervosas. Ele continuava sério e perguntava quem tinha pegado o dinheiro. Meu irmão confessou. Então, meu pai pediu para ele procurar um pedaço de madeira e bateu bem forte na mão dele. Esse era um castigo para ele aprender a não pegar as coisas dos outros e não mentir. Hoje, meu irmão é secretário de educação em Taipe, cidade de Taiwan.

Estudos - Na universidade, estudei Direito. Eu não escolhi fazer esse curso. Mas em Taiwan, a faculdade é diferente da do Brasil. Em cada ano, os estudantes, de todas as escolas particulares e públicas prestam vestibular. Nós preenchemos uma ficha, citando quais cursos gostaríamos de cursar, e, de acordo com as notas das provas, somos selecionados. Eu queria estudar Comércio Exterior e Administração, porque na minha família ninguém estudava Direito. Mas fui selecionada para fazer este curso. Em Taiwan, tem pessoas muito sábias, que sabem do destino das outras pessoas. E uma delas acreditou na minha vida e disse que eu conseguiria passar num concurso, depois que terminasse a faculdade. Então, minha mãe falou: “Estuda”. E eu estudei Direito. Depois que me formei, fiz um concurso para trabalhar como advogada num tabelionato. Em Taiwan, diferente do Brasil, o tabelionato é público, é um setor que pertence ao Tribunal. Trabalhei lá durante seis anos. Eu gosto do Direito, mas acho que o ambiente de trabalho é complicado. Não é puro e nem tão verdadeiro.

Despedida - Quando meu marido Juliano e eu resolvemos vir para o Brasil, a nossa família chorou bastante, porque todos dela acham o País muito longe. Eu não tive medo de mudar, só pensava em como começar uma vida aqui. Meu sogro e minha sogra vieram nos visitar no ano passado. Eles gostaram muito daqui, acharam o ar muito puro, o ambiente claro e grande. Talvez eles venham morar no Brasil. Nesses 10 anos que moramos aqui, fomos três vezes para Taiwan, visitar a família que vive lá.

Português - Quando eu cheguei no Brasil, falava inglês. Mas há tempo não pratico, então já esqueci bastante coisa. Começamos a estudar os livros de português, conversamos com amigos e também pagamos um professor para nos ensinar. Português para nós é muito difícil. Mais difícil do que inglês. A conjugação é bastante complicada. Na língua chinesa, a gramática é muito simples, não tem conjugação. Verbo não tem passado, futuro ou presente. Plural e singular é tudo a mesma coisa. Por isso, a gente acha difícil essa língua. Perguntamo-nos: “Por que o português é tão complicado?”.

Brasil - Um amigo meu viajou muito pelo Sul da América Latina, e disse que o Brasil era um lugar puro e que a energia aqui era boa. Em seguida, eu também vim para cá, no ano de 1997. Morei em Foz do Iguaçu, e trabalhei numa escola de chineses, no Paraguai, onde faltavam professores. Essa escola tinha uma parceria com o Governo de Taiwan, e era composta por 200 alunos, filhos de chineses. No início, viver no Brasil foi bastante difícil. Eu não sabia falar português. Meu marido e eu conhecemos, em Foz do Iguaçu, muitos gaúchos e tínhamos curiosidade em saber onde ficava o Rio Grande do Sul. Os gaúchos que moravam lá contavam que esse era um estado muito bom. Curiosos, viemos conhecê-lo. Achamos que esse é um lugar puro do Brasil. Eu senti que esse estado era bem conhecido e as pessoas eram simpáticas. Então, nós compramos uma casa, e nos mudamos para São Leopoldo, em 2001.

Aulas de mandarim no Brasil - Quando viemos para o Rio Grande do Sul, foi difícil arrumar emprego. Ninguém queria aprender mandarim, naquela época. Como nós somos formados em Direito, ficava mais difícil, porque aqui o curso não é reconhecido, pois a lei é outra. Nós achamos a língua brasileira bastante interessante e começamos a visitar todas as universidades da região, apresentando a proposta para dar aula de mandarim. Começamos a dar aula na PUCRS, mas foi só por um semestre, pois não tinham muitos alunos. Mas nós continuamos a dar aula particular para descendentes de chineses. Naquele momento, os pais gostariam que os filhos conhecessem a cultura chinesa e insistiam para que eles fizessem aula. Entretanto, os adolescentes não queriam aprender. Eles sabem falar, mas não querem escrever. Então, eu e meu marido pensamos que era melhor dar aula para brasileiros. Depois que o ex-governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, visitou a China, aumentou o número de alunos, em Porto Alegre. Em seguida, a Unisinos ligou para meu marido, nos convidando para trabalhar aqui. Eu disse para ele que a Unisinos era bem organizada, então viemos trabalhar aqui na universidade. Há quatro anos estamos nela, e trabalhamos na nossa escola, em Porto Alegre, que se chama Kô tai tai. 

Família - O mais importante na vida é a responsabilidade. Temos que aprender a construir uma família feliz, com serenidade. Antigamente, apenas os homens trabalhavam. Hoje, mulheres também trabalham e têm a mesma capacidade que os homens. Mas é cada vez mais difícil homem e mulher viverem juntos, por isso os dois têm que pensar em como viver juntos, e como construir uma família feliz. É importante ter amor ao construir uma família. Os filhos gostam quando pai e mãe ficam bem, e não brigam. É importante aprender a tolerar. Uma vez vi minhas filhas conversando. Elas diziam que quando pai e mãe não brigam é ótimo. Um amiguinho delas perguntou qual é o momento mais alegre delas e elas responderam “Quando pai e mãe estão felizes”.

Filhos - Eu tenho duas filhas, que são brasileiras. A mais velha tem 10 anos e a mais nova, seis. Antes de entrar na escola, elas só aprenderam mandarim. Os filhos de nossos amigos brasileiros ensinaram algumas palavras para elas. Mas foi na pré-escola que elas começaram a aprender o português. Agora as duas falam português e mandarim. A mais velha não tem mais sotaque.

Futuro para filhas – Eu sempre falei para minhas filhas: “Na sua vida, você tem capacidade para viver, e, para viver feliz, o espírito tem que crescer, e não só o corpo físico”. Quero que elas tenham uma família feliz. Eu vou ensinar, mas elas têm que saber como construir uma família feliz.

Ser mãe – Para uma mulher, ser mãe é muito importante, pois ela tem muita responsabilidade. A mãe é um anjo ao lado de Deus, que está presente para cuidar de mais um ser humano.

Diferenças entre Brasil e Taiwan - A escola em Taiwan é mais séria e o trabalho na escola é mais pesado. Os professores são diferentes. Lá, eles são mais sérios. Não cuidam só do conhecimento, mas também de regras e disciplinas. Aqui no Brasil, os professores são mais amigos dos alunos. Isso é uma questão cultural. As pessoas orientais, em geral, são mais fechadas. Os brasileiros são mais simpáticos e têm facilidade em aceitar outras culturas. Por exemplo, quando um estrangeiro vai a Taiwan, é mais difícil se relacionar. Parece que os brasileiros não acham que os outros são estrangeiros. Um amigo meu diz que todos no Brasil são estrangeiros, imigrantes. Ele brinca que os brasileiros chegaram mais cedo e nós, chineses, mais tarde. Desde que cheguei aqui, percebi que os brasileiros têm o coração bem grande. Eles não são arrogantes. O Brasil é muito interessante.
Filme – Um filme que marcou no meu coração foi Huo Zhe. Esse filme conta a história da conquista da China. Gosto muito de outro filme que conta a história dos negros no Estados Unidos, Homens de honra. O ator principal é um soldado negro. As pessoas não gostavam dele. E, com vontade e persistência, ele ganhou respeito da população. 

Livro – Eu gosto do livro The servant, que conta a história da América e fala da reforma de pensamento.

Lazer – Eu gosto de estudar e ajudar minhas filhas nos estudos. Minha família gosta muito de se reunir com amigos brasileiros para conversar e aprender junto com eles.

Esporte – Eu gosto muito de correr na rua. Eu corro perto da minha casa. Ali, tem um espaço bom para correr.

Animais de estimação – Não tenho, porque tenho medo. Em Taiwan, poucas pessoas têm animais de estimação. Quando cheguei no Brasil, fiquei impressionada, pois as pessoas gostam muito de cachorros. Aqui as pessoas têm muito mais amor pelos animais.

Política – Acho que a política brasileira ainda tem espaço e tempo para melhorar. O Brasil só tem 500 anos. Acho importante ter um governo bom, e eu tenho esperança de que os políticos podem fazer alguma coisa boa para o povo.  Penso que a situação do povo brasileiro vai melhorar. É preciso que as pessoas tenham mais amor no coração. Aí, mais cedo o País ficará organizado.

Fé – Eu acredito em Deus. É importante acreditar nele. A nossa força vem de Deus.
Religião – Em Taiwan, a maioria das pessoas são budistas, taoístas ou confucionistas. No Brasil, independente da religião, as pessoas acreditam muito em Jesus, e eu acho isso muito bom.
Unisinos – Enquanto faculdade, eu não sei, pois não conheço. Mas o Unilínguas, onde trabalho, acho que é muito organizado e verdadeiro.  O campus da universidade é muito bom, e tem uma boa energia. No entanto, eu acho que as universidades em geral, aqui no Brasil, são muito caras. A educação aqui é cara. Eu também tenho esperança de que um dia o Brasil vai cuidar mais da educação da população. Se quiserem ter uma educação boa, primeiro tem que ter professores bons. Mas, para isso, o governo precisa pagar salários bons. Se o salário é muito baixo, como ter professores bons?

Sonhos – Meu sonho é conseguir, com o tempo, sabedoria. Quero ter cada vez mais amor, e coração puro. Eu penso, sempre, em ser uma professora boa, uma mãe boa, uma esposa boa. Eu quero sempre aprender.

Mensagem – Em Taiwan, se diz muito que é necessário 10 anos para cultivar um hábito, 100 anos para cultivar os povos. E a base é a educação. Por isso, a educação é muito importante para um país se criar forte. As pessoas precisam ter sabedoria.

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