Edição 228 | 16 Julho 2007

“Há dólar demais no sistema econômico brasileiro”

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IHU Online

Trabalhar unicamente com planejamento da política monetária, como faz o Copom, “é uma coisa anacrônica”, que não irá resolver os problemas da política macro econômica. Essa é a opinião do economista Guilherme Delgado, entrevistado do Brasil em Foco desta edição. Para ele, a política monetária precisa ser articulada com projetos que contribuam para o desenvolvimento do País. O economista ressaltou que, atualmente, os papéis entre Governo e Banco Central foram invertidos, e destaca que “a República Federativa do Brasil é que deve dar as linhas para o Banco Central agir”.

Para discutir a elevação das taxas de juros no Brasil, que baixam vagarosamente, a IHU On-Line entrevistou Delgado, que é economista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômica Aplica (Ipea). Esta entrevista complementa a que publicamos nas Notícias do Dia 10-07-2007 intitulada A não convergência da política monetário-financeira e a do desenvolvimento, disponível para download no site do IHU, www.unisinos.br/ihu. Delgado é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Confira a seguir a entrevista, concedida por telefone:

IHU On-Line - Por que o presidente Lula não interfere nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central? Baixar a taxa de juros rapidamente traria alguma conseqüência negativa para o Brasil?
Guilherme Delgado –
Nos últimos 12 meses, as taxas de juros estão baixando lentamente, e vão continuar baixando. O Lula não interfere diretamente nas decisões do Copom, porque na concepção de governo que foi montada, desde o primeiro mandato, a direção do Banco Central foi considerada autônoma para gerir a política monetária. Nesse sentido, a gestão monetária ficou reservada a um grupo de interesse que se chama diretoria do Banco Central. Assim, essa diretoria, com suas concepções, não obedece ao poder executivo. Este é que tem obedecido à diretoria. Assim, os diretores do banco têm sido sistematicamente resistentes a uma articulação com a política de desenvolvimento. Isso é discutível, porque o Banco Central, aqui, não tem o caráter oficial de instituição autônoma e independente como se quer. 

Baixar as taxas de juros só traria conseqüências positivas para o País. As taxas elevadas têm impedido que se tenha uma equação mais saudável no sistema de endividamento público. Hoje, nós estamos com uma taxa de juro real em torno de 10%, extremamente alta em termos internacionais. Ela ainda tem espaço para cair ao nível de 6%, e, ainda assim, seria uma taxa muito alta.

IHU On-Line - A elevação dos juros é decorrente da “independência” do Banco Central com o Governo Federal? Se o Banco Central fosse dependente do Governo, as taxas de juros seriam tão altas?
Guilherme Delgado –
Os juros estão altos há mais de uma década. Desde que se implantou o real, os juros são altíssimos. Os juros aumentam, em geral, quando uma economia apresenta um alto grau de endividamento, como é o caso da brasileira. E eles serão tão maiores quanto mais existir a necessidade da tomada de empréstimo. Na medida em que o Brasil, desde o real, foi elevando a dívida pública, de forma abrupta ocorreu um processo de crescimento dos juros, que, combinado com a contingência externa de baixa capacidade de socorro de poupança financeira externa, tornou esses juros explosivos. Mas essa é uma conjuntura que já foi modificada. Hoje, nós estamos numa situação de liquidez abundante. Nós não temos mais dívida externa líquida praticamente, porque nossas reservas, formadas durante esse processo, já são até maiores que a dívida líquida do setor público. A própria dívida interna tem caído muito. Então, todas as circunstâncias internas e externas, que “justificariam” uma política de juros altos, já passaram. Por isso, já devíamos navegar num outro horizonte, mas ainda há uma resistência forte para manter essa política por mais algum tempo.

Se houvesse uma maior coordenação do Banco Central pelo ministério da fazenda, as taxas de juros poderiam ser mais baixas. No entanto, isso não acontece porque o governo é refém desse processo. Nessa aliança de governabilidades, os setores financeiros têm um papel de fiadores ou de asseguradores da governança. Isso não precisaria ser assim. Se o governo quisesse fazer uma política mais dinâmica e mais incisiva de enquadramento no setor financeiro, poderia fazer. Mas aí seria necessário um outro arranjo de poder, e outras pessoas para o Banco Central.

Inversão de papéis

Toda essa política de juros, monetária, cambial e financeira, precisa ser articulada com projetos de desenvolvimento do País. Se ela não tiver essa articulação e apenas se vincular às estratégias privadas, de aplicação de capitais, como tem sido no presente, isso representará um grande problema, não só econômico, mas também político para o País. Parece que se tem uma República independente no Banco Central, com poderes absolutos que outorga para nação as suas políticas, e essa as acolhe de forma dependente. Quando deveria ser ao contrário, ou seja, a República Federativa do Brasil é que deveria dar as linhas para o Banco Central agir. Mas, no fundo, tem havido uma inversão de papéis, e esse é o grande problema.

IHU On-Line - Qual é a influência dos capitais estrangeiros na elevação das taxas de juros e na valorização do real? As taxas aumentam para atrair mais investimentos do exterior?
Guilherme Delgado –
Como as taxas de juros brasileiras ainda são internacionalmente as mais altas do mundo, isso gera um efeito  atrativo desse capital, que ao entrar, pressiona para valorizar ainda mais o câmbio brasileiro. Esse é um efeito duplamente perverso, pois entra muito dólar no Brasil, e, quando isso ocorre, o real se valoriza e a moeda americana baixa. Ocorre que, ao mesmo tempo, o dólar é aplicado em títulos públicos ou em outras aplicações financeiras. No entanto, esse dinheiro sai a qualquer momento do mercado brasileiro, porque não há controle de entrada e saída dos capitais. Então, a política de valorização do real e de juros altos é uma política perversa, do ponto de vista do interesse público da economia brasileira. Trata-se de uma política de interesse privado, estritamente volátil e especulativo. Aparentemente, para os interesses privados, essa política altamente liberal é favorável, porque ela permite que os aplicadores mundiais entrem e saiam a qualquer momento, conferindo à nossa economia  a condição de paraíso financeiro. Mas, para uma arquitetura de longo prazo, pensando nos objetivos de um país que quer se desenvolver, isso não é uma combinação boa.

A taxa de juros alta, atualmente, se sustenta por uma resistência “natural” dos seus beneficiários e por uma política dos setores que são detentores de aplicações em fundos públicos. Na verdade, nós temos uma dívida pública que rola e paga esse interesse aos seus aplicadores. Então, esse sistema reage a quedas mais fortes na taxa de juros básica, e, evidentemente, tem uma conexão com a liberdade internacional de entrada e saída de capitais, fortemente defendida pelo FMI e pelo Tesouro norte-americano. No fundo, é uma aliança meio espúria, e que já teve mais fortaleza para se manter do que a atualmente desfruta.

IHU On-Line – A entrada de capital estrangeiro muito rápido no Brasil traz algum beneficio para o País? Por que o governo incentiva outros países a investirem aqui? Quem ganha com isso?
Guilherme Delgado –
Nesse momento, só traz malefícios, porque esse é um capital que entra e sai a qualquer momento, sem que isso seja necessário. No momento, há dólar demais no sistema econômico brasileiro. O dólar que entrasse no País teria que, pelo menos, passar por um processo de quarentena. Ou seja, depois de ele entrar, só deveria sair depois de 12, 18 ou 24 meses. Assim, evitaria esse fluxo e refluxo de capital especulativo. Nessa perspectiva, a liberdade de capitais é um contra-senso do ponto de vista do interesse público. Agora, o interesse público, provavelmente, é a última coisa considerada nas reuniões do Banco Central. Eles estão pensando como os capitais têm maior liberdade, além de maior capacidade de ir e vir, segundo estratégias privadas de maior ganho.

Quem ganha com essas altas taxas de juros são apenas os interesses financeiros internos e externos. A política adotada beneficia os setores financeiros, os grandes bancos, os grandes aplicadores internacionais e até mesmo os aplicadores industriais e de serviço que tenham poupança para aplicar na dívida pública. Eles contam no Brasil com uma zona de livre aplicação de idas e vindas a qualquer momento, sem restrições. Por isso, essas consultoras financeiras ou grandes aplicadoras consideram que o Brasil está fazendo uma política correta. Correta, no entanto, sob a perspectiva delas. Do ponto de vista do desenvolvimento, isso é altamente discutível.

Assim mesmo, não digo que haja uma ação conspiratória do Banco Central para beneficiar alguém. Os profissionais dele fazem parte de uma geração de economistas e financistas que têm um comportamento muito conservador em benefício dos credores do Estado, e uma atitude muito liberal com os devedores. Essa atitude ambígua faz com que eles sejam fortemente reativos a políticas que diminuam as obrigações do Estado para com o setor privado, e operem no sentido inverso em relação às obrigações do setor privado para com o Estado.

IHU On-Line - Que conseqüências a atual política de juros traz para o consumidor final?
Guilherme Delgado –
Do ponto de vista do consumidor, há outro lado da questão. Essa política persegue uma única meta, que é a de estabilização monetária, da inflação baixa. Para o consumidor, uma política de valorização do real, e, por conseqüência de juros altos, promove uma certa  estabilização monetária. Então, ela é vista como um bem para o consumidor, como foi na época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (no primeiro governo). Nessa visão, um tanto quanto desfocada de outros objetivos econômicos simultâneos, o consumidor estaria satisfeito. O problema são os desequilíbrios que isso provoca, como provocou na época do Fernando Henrique, com a crise que foi caminhando lentamente até explodir no final de 1998, com a fuga de capitais e todo o processo de recessão, que demorou mais de quatro anos. Então, na verdade, não se pode ter uma política econômica com uma meta e um objetivo únicos. Claro que é preciso ter metas de inflação, sim, mas são necessárias também metas de emprego formal, de crescimento econômico e metas nas políticas sociais distributivas e redistributivas. Trabalhar só e unicamente com o planejamento da política monetária em cima de metas de inflação, que é o que faz o Copom, é uma coisa anacrônica e que não resolve o conjunto da orquestração da política macroeconômica.

IHU On-Line - Quais são os impactos das atuais taxas de juros para a relação do Brasil com o Mercosul e com outros países da América Latina?
Guilherme Delgado –
Quando se pratica uma política de câmbio e juros como a da forma atual, ela tem conseqüências diretas no comércio internacional, porque, ao sobrevalorizar o real, as exportações são menos competitivas e as importações mais atraentes. Se os demais países do Mercosul não seguirem a mesma política que o Brasil segue, eles tendem a inverter a posição de comércio, ou seja, exportar mais e importar menos. No longo prazo, a sobrevalorização cambial possui um efeito de inibir as nossas exportações e estimular as importações, que ficam muito baratas. Isso provoca uma deterioração no saldo comercial e no saldo da conta corrente, que mexe com todas as transações, as quais, em última instância, irão provocar tendências de endividamento futuro.

O grande inimigo de uma política dessas não é a conjuntura imediata, que provoca inflação baixa. É, sim, é a engenharia de longo prazo no sistema econômico, no comércio internacional, no emprego e no crescimento econômico. Aparentemente, estamos tirando vantagem da atual política econômica. O Brasil voltou a crescer moderadamente, e as pessoas acham que não há mais problemas e que está tudo resolvido. Só que não é bem assim, ou seja, essa política tem que ser mudada gradualmente, ou mais intensamente. Caso contrário, o crescimento será comprometido perante a primeira crise econômica externa que o País venha a enfrentar.. Eventualmente, pode se aproveitar de um “boom” externo de crescimento, mas, na medida em que ele for atenuado, os problemas emergem porque eles já estavam, de certa forma, subliminarmente colocados.  

IHU On-Line - É correto afirmar que o Brasil não cresce mais por causa das elevadas taxas de juros? E como explicar os índices de crescimento em alguns setores da indústria?
Guilherme Delgado –
Isso é verdadeiro, embora não seja só isso. Temos que considerar que a taxa de juros funciona como  um preço macroeconômico básico, e os investimentos particulares têm rentabilidades diferenciais em cada ramo. Então, o setor calçadista, por exemplo, possui uma taxa de retorno baixa por causa da competição externa. Assim, para ele, a taxa de juros afeta muito. Um ramo que tem uma taxa interna de retorno alta, como o sucroalcooleiro, cresce, e, mesmo com as taxas de juros altas, consegue se expandir porque a competitividade interna é muito alta. Então, a taxa de juros é uma espécie de parâmetro nivelador para que diferentes projetos de investimentos e de aplicação de capital ocorram. Evidentemente, se a taxa sobe demais, até os setores mais competitivos ficam menos atraídos. Ocorre que para alguns setores da indústria, as taxas internas e de retorno desses setores são muito altas. Assim, se a taxa é muito alta, a tendência é o mercado fugir para as formas líquidas, financeiras e de baixo risco.

IHU On-Line - Atualmente, no País é mais interessante investir em capital produtivo ou financeiro?
Guilherme Delgado –
Já foi bem mais interessante investir em capital financeiro. Na tendência atual, é mais indicativo que o setor privado acorra para aqueles setores que estão sendo sinalizados como estratégicos em termos de crescimento. Isso é o que o Programa de Ação Econômica tende a indicar: setores de infra-estrutura, de energia, de insumos básicos, bens de capital para indústria. Agora, isso tudo é um jogo que depende de muitas circunstâncias, inclusive a manutenção do quadro internacional. Portanto, é um jogo que pode mudar de uma hora para a outra.

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