Edição 224 | 20 Junho 2008

Rorty – poeta, filósofo e amigo

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IHU Online

Publicamos, a seguir, o texto Rorty – poeta, filósofo e amigo, de autoria de Jürgen Habermas, veiculado em 11-06-2007 no Süddeutsche Zeitung, e traduzido para o português por Paulo Ghiraldelli Jr. Confira, ainda, nesta edição, a entrevista exclusiva que Ghiraldelli concedeu por e-mail à IHU On-Line, sob o título “O amor pela democracia é o legado de Rorty”.

Eu recebi a notícia [da doença de Rorty] em um e-mail, quase há um ano. Tão freqüente quanto nos anos recentes, Rorty bradava contra a “Guerra do Presidente Bush”, cuja política agredia profundamente a ele, o patriota que havia sempre busca “realizar” seu país. Após três ou quatro parágrafos de análise sarcástica, veio a sentença inesperada: “Ai de mim, eu estou com a mesma doença que matou Derrida”. Como que para atenuar o choque, ele acrescentou uma brincadeira, a de que sua filha sentia que ele havia contraído o câncer por “ter lido muito Heidegger”.

Três décadas e meia atrás, Richard Rorty desprendeu-se do espartilho de uma profissão cujas convenções haviam se tornado muito estreitas – não para evitar a disciplina do pensamento analítico, mas para tomar a filosofia por caminhos jamais trilhados. Rorty tinha mestria no comando do trabalho artesanal de nossa profissão. Em duelos com os melhores de seus pares, com Donald Davidson, Hilary Putnam ou Daniel Dennett, ele era uma fonte constante de argumentos sutis, mas sofisticados. Mas nunca esquecia que a filosofia – acima e além de seus colegas – não deve ignorar os problemas postos pela vida como nós a vivemos.

Entre os filósofos contemporâneos, não sei de nenhum que tenha igualado Rorty no confronto com seus colegas – e não somente em relação a eles – ao longo de décadas, sempre com novas perspectivas, novos insigths e novas formulações. Essa imponente criatividade era própria do espírito romântico do poeta, que não mais se escondia de si mesmo atrás do filósofo acadêmico. E isso era graças à sua habilidade retórica inesquecível e de sua prosa impecável, própria de um escritor que sempre estava pronto para chocar seus leitores com estratégias não costumeiras de representação, conceitos antagônicos inesperados e novos vocabulários – um dos termos favoritos de Rorty. O talento de Rorty como um ensaísta estendia-se de Fridrich Schlegel ao Surrealismo.

A ironia e a paixão, o tom polêmico e divertido de um intelectual que revolucionou nossos modos de pensar e influenciou pessoas através do mundo indicava um temperamento robusto. Mas essa impressão não faz justiça à natureza gentil de um homem que freqüentemente surpreendido e resguardado – e sempre muito sensível aos outros.

Um pequeno artigo autobiográfico de Rorty tem o título de “Trotsky e as orquídeas selvagens” . Nele, Rorty descreve como sua juventude decorreu ao noroeste de New Jersey, e como respirou o maravilhoso odor das orquídeas. Ao mesmo tempo, descobriu um livro fascinante na casa de seus pais esquerdistas, que defendia Trotsky contra Stalin. Esta foi a origem da visão do jovem Rorty no College: a filosofia serve para reconciliar a beleza celestial das orquídeas com o sonho de Trotsky de justiça na Terra. Nada era sagrado para Rorty, o ironista. Perguntado, no fim de sua vida, sobre o “sagrado”, o completo ateísta respondeu com palavras tiradas do jovem Hegel: “meu sentido do sagrado está atado à esperança de que algum dia meus remotos descendentes vivam em uma civilização global em que o amor será a única lei”.

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